Escassez de soldados: Aumento de gastos de grandes potências com Defesa esbarra em gargalo no recrutamento

Em meio à tensão geopolítica crescente, países precisam lidar com envelhecimento da população e jovens cada vez menos dispostos a lutar no front e seguir carreira militar As recentes denúncias de mobilização de tropas norte-coreanas para apoiar a Rússia na guerra contra a Ucrânia colocaram em evidência, novamente, a escassez de soldados nas fileiras russas, enquanto o presidente Vladimir Putin busca alternativas para evitar mais uma leva de recrutamentos impopulares. Mas não é apenas Moscou que sofre para ampliar e renovar seu contingente fardado. Há pelo menos três décadas, as Forças Armadas das grandes potências mundiais enfrentam um processo de encolhimento, sob a promessa de que a pouca mão de obra seria compensada pelo aumento dos gastos com tecnologias avançadas e pelotões especializados nos campos de batalha. 'Eixo do mal 2.0': Como Coreia do Norte, China, Irã e Rússia formaram um 'quarteto do caos' para os EUA Entenda: O que a Coreia do Norte ganha enviando tropas para lutar na Rússia contra a Ucrânia? Os investimentos em Defesa, de fato, bateram recorde em 2023, chegando a US$ 2,43 trilhões (mais de R$ 14 trilhões) no mundo, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla original). Nos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o crescimento foi de 50% desde 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), com sede em Londres. No entanto, o principal foco destes aumentos têm sido a modernização e a renovação das capacidades dos exércitos nacionais, enquanto a alocação para o pessoal militar caiu em toda a Europa de 60% para 40% dos orçamentos, em média, na última década, afirma o documento publicado este mês. 'Perspectiva reavaliada' Um alerta vermelho acendeu em fevereiro de 2022 com a invasão russa da Ucrânia, que se desdobrou em uma guerra ampla que já dura quase três anos e foi responsável por dezenas (talvez centenas) de milhares de baixas de ambos os lados até agora. Em um contexto de crescente tensão geopolítica e aumento estimado em 65% do número de conflitos armados em todo o mundo nos últimos três anos, segundo o Índice de Intensidade de Conflito, publicado pela consultoria de risco britânica Verisk Maplecroft, muitos Estados tiveram que recalcular a rota. Assim, novos aportes para a Defesa foram anunciados, mas um recurso continua em falta: as pessoas que efetivamente lutam nessas guerras. — Após a Guerra do Golfo, em 1991, houve uma suposição generalizada de que a tecnologia poderia substituir a mão de obra, e de que a condução da guerra por poucos militares profissionais altamente treinados, utilizando tecnologias avançadas de precisão, seria mais eficaz do que a massa militar de apoio — diz Stephen Biddle, historiador militar e membro sênior de política de defesa do Council on Foreign Relations, de Nova York. — O que houve na Ucrânia foi uma séria reavaliação dessa perspectiva. As taxas de baixas são altas demais para que esse modelo seja sustentável em uma guerra longa, e a tecnologia de precisão se mostrou insuficiente para garantir uma guerra curta. Em 2023, a Alemanha gastou US$ 63,7 bilhões (quase R$ 363 bilhões) com Defesa, um recorde histórico, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla original), com sede em Londres. Em 2024, a projeção é de que o país supere essa marca, com US$ 76,8 bilhões (R$ 437,5 bilhões) alocados para o setor militar, atingindo assim, pela primeira vez, o piso de 2% do PIB estabelecido pela Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA. Apesar disso, o país europeu anunciou que seu número de soldados caiu ligeiramente no ano passado. Segundo o Ministério da Defesa, o Exército alemão tinha cerca de 181,5 mil homens e mulheres até o final de 2023, uma queda de 1.500 militares em comparação a 2022. A meta é aumentar suas fileiras para 203 mil militares até 2031. Initial plugin text Fator demográfico O Reino Unido também admitiu recentemente que está com dificuldades para recrutar soldados. Em 2023, as forças britânicas apresentaram um déficit de 5.800 pessoas, segundo o Ministério da Defesa. De acordo com o jornal especializado UK Defence, o Exército do país não atinge suas metas anuais de recrutamento desde 2010. Até os EUA, que lideram a Otan, vêm registrando déficits significativos de recrutamento há pelo menos dois anos. Em 2022, o serviço militar americano deixou de recrutar 15 mil novos soldados de sua meta de 60 mil. Em 2023, com uma meta ambiciosa de 65 mil novos soldados, ficou aquém em 10 mil. A atual força em atividade do Exército regular é “a menor desde antes da Segunda Guerra”, com 452 mil homens e mulheres, segundo um artigo publicado em janeiro pelo tenente-coronel Frank Dolberry e por Charles McEnany, analista de segurança nacional da Associação do Exército dos EUA. — Há uma correlação evidente com a questão demográfica — explica Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola

Nov 25, 2024 - 05:33
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Escassez de soldados: Aumento de gastos de grandes potências com Defesa esbarra em gargalo no recrutamento

Em meio à tensão geopolítica crescente, países precisam lidar com envelhecimento da população e jovens cada vez menos dispostos a lutar no front e seguir carreira militar As recentes denúncias de mobilização de tropas norte-coreanas para apoiar a Rússia na guerra contra a Ucrânia colocaram em evidência, novamente, a escassez de soldados nas fileiras russas, enquanto o presidente Vladimir Putin busca alternativas para evitar mais uma leva de recrutamentos impopulares. Mas não é apenas Moscou que sofre para ampliar e renovar seu contingente fardado. Há pelo menos três décadas, as Forças Armadas das grandes potências mundiais enfrentam um processo de encolhimento, sob a promessa de que a pouca mão de obra seria compensada pelo aumento dos gastos com tecnologias avançadas e pelotões especializados nos campos de batalha. 'Eixo do mal 2.0': Como Coreia do Norte, China, Irã e Rússia formaram um 'quarteto do caos' para os EUA Entenda: O que a Coreia do Norte ganha enviando tropas para lutar na Rússia contra a Ucrânia? Os investimentos em Defesa, de fato, bateram recorde em 2023, chegando a US$ 2,43 trilhões (mais de R$ 14 trilhões) no mundo, de acordo com o Instituto Internacional de Pesquisa para Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla original). Nos países da Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan), o crescimento foi de 50% desde 2014, quando a Rússia invadiu a Crimeia, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS), com sede em Londres. No entanto, o principal foco destes aumentos têm sido a modernização e a renovação das capacidades dos exércitos nacionais, enquanto a alocação para o pessoal militar caiu em toda a Europa de 60% para 40% dos orçamentos, em média, na última década, afirma o documento publicado este mês. 'Perspectiva reavaliada' Um alerta vermelho acendeu em fevereiro de 2022 com a invasão russa da Ucrânia, que se desdobrou em uma guerra ampla que já dura quase três anos e foi responsável por dezenas (talvez centenas) de milhares de baixas de ambos os lados até agora. Em um contexto de crescente tensão geopolítica e aumento estimado em 65% do número de conflitos armados em todo o mundo nos últimos três anos, segundo o Índice de Intensidade de Conflito, publicado pela consultoria de risco britânica Verisk Maplecroft, muitos Estados tiveram que recalcular a rota. Assim, novos aportes para a Defesa foram anunciados, mas um recurso continua em falta: as pessoas que efetivamente lutam nessas guerras. — Após a Guerra do Golfo, em 1991, houve uma suposição generalizada de que a tecnologia poderia substituir a mão de obra, e de que a condução da guerra por poucos militares profissionais altamente treinados, utilizando tecnologias avançadas de precisão, seria mais eficaz do que a massa militar de apoio — diz Stephen Biddle, historiador militar e membro sênior de política de defesa do Council on Foreign Relations, de Nova York. — O que houve na Ucrânia foi uma séria reavaliação dessa perspectiva. As taxas de baixas são altas demais para que esse modelo seja sustentável em uma guerra longa, e a tecnologia de precisão se mostrou insuficiente para garantir uma guerra curta. Em 2023, a Alemanha gastou US$ 63,7 bilhões (quase R$ 363 bilhões) com Defesa, um recorde histórico, segundo o Instituto Internacional de Estudos Estratégicos (IISS, na sigla original), com sede em Londres. Em 2024, a projeção é de que o país supere essa marca, com US$ 76,8 bilhões (R$ 437,5 bilhões) alocados para o setor militar, atingindo assim, pela primeira vez, o piso de 2% do PIB estabelecido pela Otan, a aliança militar ocidental liderada pelos EUA. Apesar disso, o país europeu anunciou que seu número de soldados caiu ligeiramente no ano passado. Segundo o Ministério da Defesa, o Exército alemão tinha cerca de 181,5 mil homens e mulheres até o final de 2023, uma queda de 1.500 militares em comparação a 2022. A meta é aumentar suas fileiras para 203 mil militares até 2031. Initial plugin text Fator demográfico O Reino Unido também admitiu recentemente que está com dificuldades para recrutar soldados. Em 2023, as forças britânicas apresentaram um déficit de 5.800 pessoas, segundo o Ministério da Defesa. De acordo com o jornal especializado UK Defence, o Exército do país não atinge suas metas anuais de recrutamento desde 2010. Até os EUA, que lideram a Otan, vêm registrando déficits significativos de recrutamento há pelo menos dois anos. Em 2022, o serviço militar americano deixou de recrutar 15 mil novos soldados de sua meta de 60 mil. Em 2023, com uma meta ambiciosa de 65 mil novos soldados, ficou aquém em 10 mil. A atual força em atividade do Exército regular é “a menor desde antes da Segunda Guerra”, com 452 mil homens e mulheres, segundo um artigo publicado em janeiro pelo tenente-coronel Frank Dolberry e por Charles McEnany, analista de segurança nacional da Associação do Exército dos EUA. — Há uma correlação evidente com a questão demográfica — explica Ronaldo Carmona, professor de Geopolítica da Escola Superior de Guerra. — Há uma tendência de natalidade decrescente no mundo, portanto há um envelhecimento médio da população. Isso faz com que a força de trabalho jovem seja disputada por diversos setores: produtivo, financeiro, militar. É um problema grave, sobretudo para países desenvolvidos. Pioneirismo, coragem e resiliência: Mulheres de 37 países compartilham desafios de gênero nas Forças Armadas Além das questões demográficas, os jovens também estão menos dispostos a lutar por seus países, aponta uma pesquisa realizada este ano pela Gallup em 45 Estados, abrangendo cerca de metade da população mundial. De acordo com o estudo, um em cada dois adultos (52%) em todo o mundo declara que lutaria por seu país se houvesse uma guerra, um terço (33%) não lutaria e 14% não têm certeza. Em 2014, 61% disseram estar dispostos a lutar e 27% apresentaram uma opinião contrária. ‘Dragão de papel’ Mesmo a China, segundo país mais populoso do mundo, com 1,2 bilhão de pessoas, sofre com a escassez de soldados — ao menos nos quadros especializados de suas forças. A informação surgiu em agosto de 2023, quando, em um raro gesto de franqueza, o Exército de Libertação Popular admitiu a falta de militares treinados e qualificados para operar equipamentos de defesa de última geração. Caças furtivos, drones gigantes: China revela armas de última geração para rivalizar com EUA na Ásia-Pacífico; veja vídeo Em um relatório publicado pelo South China Morning Post, o porta-voz de propaganda do Exército chinês afirmou que “nos últimos anos, vários navios antigos foram aposentados e uma série de novos navios de guerra foram comissionados”. Mas, como há poucas pessoas que sabem como operá-los, “o problema do ‘equipamento à espera de talentos’ se torna cada vez mais grave”. O ELP é considerado o maior do mundo em termos de pessoal, com 2 milhões na ativa. Mas, devido à escassez de soldados treinados em operações de alta complexidade, tem sido ironizado por alguns analistas que o chamam de “dragão de papel”, em referência a um dos símbolos do país. — Não adianta ter meios sem ter gente para usá-los — disse ao GLOBO uma autoridade brasileira a par do assunto, em condição de anonimato. — Para tentar contornar a situação, a China impôs mudanças no sistema de alistamento, começou a recrutar veteranos e a direcionar formação de oficiais. Mas o jovem chinês não quer mais seguir carreira militar. Para ele, é mais vantajoso, financeiramente falando, trabalhar no setor privado.

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