Thiago Thomé e Kleber Lucas fazem encontro de ritmos do candomblé e do gospel em show no Teatro Rival
Thomé, que lança o disco 'Encantado' nesta quinta-feira (14), convidou pastor para participação especial: 'A gente tem uma conexão ancestral', diz cantor gospel Músicas como “Exu Veludo”, “OgumTech”, “Pelo amor de orixá” e “Ebó de boca” recheiam “Encantado”, álbum que o cantor e ator Thiago Thomé, 44, apresenta ao vivo esta quinta-feira, no Teatro Rival. Mas o compromisso de cantar a religiosidade de matriz africana não o afastou — ao contrário, o aproximou — de Kleber Lucas, 56, pastor e ídolo da música gospel, convidado especial da apresentação, na qual os dois cantarão juntos “Deus cuida de mim”, música lançada por Kleber de 1999, e que dois anos atrás voltou num dueto com Caetano Veloso, em gravação que conquistou o Prêmio Multishow de Música Cristã de 2023. Este ano, a canção ficou ainda mais em evidência ao ser incluída por Caetano — para assombro de muitos — no show com a irmã Maria Bethânia que correu o país em turnê. Kleber Lucas diz ter conhecido Thiago pelas redes sociais, primeiro como “aquele preto bonitão com uma fala potente”: — Mas eu me conectei muito mais quando ele começou a fazer o trabalho do Velho Preto (personagem que Thiago usa nas redes para passar mensagens de cunho filosófico e espiritual), porque mesmo estando em lugares diferentes hoje, a gente tem uma conexão ancestral. As falas deles são muito parecidas com aquilo que eu acredito e falo. Escritor indicado ao prêmio Jabuti em 2022 (pelo livro “E se desse para denegrir?”) e presença conhecida nas telas (seja pela novela “Família é tudo”, pela série “Arcanjo renegado” ou pelo filme “Kali: Anjo Vingador”), Thiago lamenta, por sua vez, que se tenha criado uma “dualidade entre as religiões cristãs e as religiões de matrizes africanas”: — No mundo de antes da globalização, cada um encontrou uma forma de ver a mesma energia, são lunetas diferentes com as quais se olha para uma mesma perspectiva. Quando o Kleber se identifica com esse personagem que eu criei, vejo que o que eu estou pensando faz sentido. A forma religiosa que a gente escolheu para se conectar com o mundo não tem que sobrepor a forma que o outro escolheu — discorre. — Esse nosso encontro tem muita força dentro de um mundo que não quer nos ver juntos, que faz com que pessoas pretas disputem o mesmo lugar, porque só tem espaço para um. Negros da periferia do Rio de Janeiro, Kleber Lucas e Thiago Thomé cumpriram trajetórias de vida que se poderiam chamar de paralelas. Kleber cresceu no Morro da Coreia, em São Gonçalo, onde não havia igrejas católicas, só pentecostais. Nasceu num terreiro e passou a infância frequentando a casa da avó, pentecostal, que falava em línguas. O menino não entendeu a primeira vez em que foi a uma missa católica e o sacerdote o impediu de receber a hóstia (“na macumba, ninguém perguntava se você podia comer ou não, se você era macumbeiro ou não...”). Aos 11, ele foi morar com a família para Niterói, no Morro do Cavalão, que vivia disputas por parte do tráfico. — Era uma um caminho meio complicado, porque você está jogando bola com amigos que estão armados, estão se matando às vezes... eu vi amigo morrer na minha frente! Fui me isolando de tudo, era um ambiente que me oprimia e me deixava muito mal - conta. — Com 17 anos, eu conheci um grupo de jovens da Igreja Nova Vida que se reuniam para cantar, para compartilhar uma palavra, e depois tinha a socialização de um lanche. Era a mesma realidade em que eu tinha sido criado, no terreiro. A fé nasceu desse ambiente social. Para mim o cristianismo representou, sobretudo, um ambiente fraterno. Já Thiago Thomé nasceu em Vila Meriti, Duque de Caxias. Cresceu entre kardecistas, católicos e umbandistas. A mãe optou por não batizá-lo — o que acabou acontecendo, por vontade própria do garoto, aos 10 anos de idade. Já adulto, Thiago começou a frequentar o candomblé — ele diz se ver hoje como um profeta de sua fé, e seu orixá é Ogum. O cantor reconhece que “um fator muito grande de disseminação do cristianismo é a música”, que “leva a palavra e toca as pessoas”. E está disposto a fazer o mesmo, por uma religião “que não tem diabo, essa invenção brancocêntrica”: — As religiões de matrizes africanas arranjaram uma forma de representar a criação do universo perante a natureza. Então você tem os deuses e as deusas das florestas, dos mares, da rocha, do ferro, dos ventos, das folhas... Pastor da Soul Igreja, cujos encontros acontecem nas noites de domingo, em um espaço na Barra da Tijuca ("mas que atende Cidade de Deus, Jacarepaguá, Méier, São Gonçalo, Niterói, Nova Iguaçu, Caxias, São João de Meriti..."), Kleber Lucas tem viajado bastante pelo Brasil para apresentar seu trabalho como cantor. Há algum tempo, por divergências ideológicas, ele deixou a MK Music, potência da música gospel (Kleber é próximo do presidente Lula e rejeita o alinhamento da gravadora com o “governo derrotado” de Jair Bolsonaro), optando por lançar suas músicas por um selo próprio. De certa forma, o cantor repete agora a história de qu
Thomé, que lança o disco 'Encantado' nesta quinta-feira (14), convidou pastor para participação especial: 'A gente tem uma conexão ancestral', diz cantor gospel Músicas como “Exu Veludo”, “OgumTech”, “Pelo amor de orixá” e “Ebó de boca” recheiam “Encantado”, álbum que o cantor e ator Thiago Thomé, 44, apresenta ao vivo esta quinta-feira, no Teatro Rival. Mas o compromisso de cantar a religiosidade de matriz africana não o afastou — ao contrário, o aproximou — de Kleber Lucas, 56, pastor e ídolo da música gospel, convidado especial da apresentação, na qual os dois cantarão juntos “Deus cuida de mim”, música lançada por Kleber de 1999, e que dois anos atrás voltou num dueto com Caetano Veloso, em gravação que conquistou o Prêmio Multishow de Música Cristã de 2023. Este ano, a canção ficou ainda mais em evidência ao ser incluída por Caetano — para assombro de muitos — no show com a irmã Maria Bethânia que correu o país em turnê. Kleber Lucas diz ter conhecido Thiago pelas redes sociais, primeiro como “aquele preto bonitão com uma fala potente”: — Mas eu me conectei muito mais quando ele começou a fazer o trabalho do Velho Preto (personagem que Thiago usa nas redes para passar mensagens de cunho filosófico e espiritual), porque mesmo estando em lugares diferentes hoje, a gente tem uma conexão ancestral. As falas deles são muito parecidas com aquilo que eu acredito e falo. Escritor indicado ao prêmio Jabuti em 2022 (pelo livro “E se desse para denegrir?”) e presença conhecida nas telas (seja pela novela “Família é tudo”, pela série “Arcanjo renegado” ou pelo filme “Kali: Anjo Vingador”), Thiago lamenta, por sua vez, que se tenha criado uma “dualidade entre as religiões cristãs e as religiões de matrizes africanas”: — No mundo de antes da globalização, cada um encontrou uma forma de ver a mesma energia, são lunetas diferentes com as quais se olha para uma mesma perspectiva. Quando o Kleber se identifica com esse personagem que eu criei, vejo que o que eu estou pensando faz sentido. A forma religiosa que a gente escolheu para se conectar com o mundo não tem que sobrepor a forma que o outro escolheu — discorre. — Esse nosso encontro tem muita força dentro de um mundo que não quer nos ver juntos, que faz com que pessoas pretas disputem o mesmo lugar, porque só tem espaço para um. Negros da periferia do Rio de Janeiro, Kleber Lucas e Thiago Thomé cumpriram trajetórias de vida que se poderiam chamar de paralelas. Kleber cresceu no Morro da Coreia, em São Gonçalo, onde não havia igrejas católicas, só pentecostais. Nasceu num terreiro e passou a infância frequentando a casa da avó, pentecostal, que falava em línguas. O menino não entendeu a primeira vez em que foi a uma missa católica e o sacerdote o impediu de receber a hóstia (“na macumba, ninguém perguntava se você podia comer ou não, se você era macumbeiro ou não...”). Aos 11, ele foi morar com a família para Niterói, no Morro do Cavalão, que vivia disputas por parte do tráfico. — Era uma um caminho meio complicado, porque você está jogando bola com amigos que estão armados, estão se matando às vezes... eu vi amigo morrer na minha frente! Fui me isolando de tudo, era um ambiente que me oprimia e me deixava muito mal - conta. — Com 17 anos, eu conheci um grupo de jovens da Igreja Nova Vida que se reuniam para cantar, para compartilhar uma palavra, e depois tinha a socialização de um lanche. Era a mesma realidade em que eu tinha sido criado, no terreiro. A fé nasceu desse ambiente social. Para mim o cristianismo representou, sobretudo, um ambiente fraterno. Já Thiago Thomé nasceu em Vila Meriti, Duque de Caxias. Cresceu entre kardecistas, católicos e umbandistas. A mãe optou por não batizá-lo — o que acabou acontecendo, por vontade própria do garoto, aos 10 anos de idade. Já adulto, Thiago começou a frequentar o candomblé — ele diz se ver hoje como um profeta de sua fé, e seu orixá é Ogum. O cantor reconhece que “um fator muito grande de disseminação do cristianismo é a música”, que “leva a palavra e toca as pessoas”. E está disposto a fazer o mesmo, por uma religião “que não tem diabo, essa invenção brancocêntrica”: — As religiões de matrizes africanas arranjaram uma forma de representar a criação do universo perante a natureza. Então você tem os deuses e as deusas das florestas, dos mares, da rocha, do ferro, dos ventos, das folhas... Pastor da Soul Igreja, cujos encontros acontecem nas noites de domingo, em um espaço na Barra da Tijuca ("mas que atende Cidade de Deus, Jacarepaguá, Méier, São Gonçalo, Niterói, Nova Iguaçu, Caxias, São João de Meriti..."), Kleber Lucas tem viajado bastante pelo Brasil para apresentar seu trabalho como cantor. Há algum tempo, por divergências ideológicas, ele deixou a MK Music, potência da música gospel (Kleber é próximo do presidente Lula e rejeita o alinhamento da gravadora com o “governo derrotado” de Jair Bolsonaro), optando por lançar suas músicas por um selo próprio. De certa forma, o cantor repete agora a história de quando foi levado a compor “Deus cuida de mim”. — Naquela época eu morava em Brasília e recebi a mensagem do pastor dizendo que, se eu saísse da igreja, ele ia me amaldiçoar, fechar todas as portas e ninguém ia ouvir falar no meu nome. Eu era um jovem de 28 anos que só tinha um sonho: o de pagar a comida do filho e manter as coisas de casa — conta. — Fiquei com cagaço louco, porque era o homem de Deus que me trazia aquela sentença. Mas como eu confio mais em Deus que confiava no pastor, peguei meu violão, fiz uma oração e comecei a tocar essa música. Não foi uma epifania, foi uma dor mesmo, de não ter dinheiro nem para comer. Não fiz essa música para virar sucesso, foi um grito: “Cuida de mim, está tudo fechado!” Sua opinião sobre o estado de coisas na música gospel brasileira não é lá muito diplomática: — Acho que a gente tem sempre que ter cuidado com o tipo de mensagem que a gente está passando com a nossa arte. Como a música é algo muito forte, ela chama a atenção dos grandes aparelhos do mercado. E quando ela se atrela ao mercado para se projetar ainda mais, corre risco de perder sua essência, de se afastar do seu verdadeiro papel, que é o de apontar para a justiça, para um mundo melhor. Tenho medo de quando a música se torna uma arte a serviço de um projeto de poder!
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