Por que recupero o peso perdido? Novo estudo mostra que a obesidade tem memória e a retém nas células
Pesquisas em ratos descrevem um mecanismo molecular no tecido adiposo que predispõe as pessoas a recuperar o peso; descoberta pode ajudar a explicar o "efeito sanfona" A obesidade deixa uma marca profunda no corpo. Tão profunda que, apesar dos tratamentos ou cirurgias para perder peso, a ameaça de recuperação da gordura está sempre presente. E embora o estigma que rodeia a doença possa levar-nos a pensar o contrário, a ciência começa a esclarecer que não se trata de uma questão de vontade ou de falta de esforço. A memória desta doença está escrita nas células: uma investigação publicada recentemente na revista Nature descreveu, em modelos de ratos e em células humanas, um mecanismo molecular no tecido adiposo que nos predispõe a ganhar peso depois de perdê-lo. Os autores sugerem que esta descoberta pode ajudar a explicar o efeito sanfona ou rebote pelo qual as pessoas obesas voltam a ganhar peso após a cirurgia bariátrica, por exemplo. Homem recebe transplante de rosto inovador: 'segunda chance'; veja imagens Pets: Os 8 sinais que podem indicar que seu gato esteja nos últimos dias de vida Esta doença, que se caracteriza por um acúmulo excessivo de gordura no corpo e afeta uma em cada oito pessoas no mundo, é complicada, complexa e crônica, para sempre. Sua assinatura e seu legado persistem ao longo do tempo, mesmo tendo passado por tratamentos ou dietas para emagrecer. A comunidade científica já sugeria há algum tempo que existia uma espécie de memória metabólica que facilita o ganho de peso, mas os mecanismos por trás da longa sombra deixada pela doença não eram conhecidos com precisão. Até agora. O estudo publicado na Nature lança mais luz sobre este caminho de investigação e mostra que os adipócitos, que são as células do tecido adiposo, retêm uma memória da obesidade através de alterações epigenéticas que persistem mesmo após a perda de peso. — A descoberta revela um mecanismo molecular nas células de gordura que as predispõe a recuperar o peso de forma mais eficiente após serem expostas a um maior consumo de calorias. Também destaca que a dificuldade em manter a perda de peso após uma intervenção não é simplesmente uma questão de falta de esforço ou força de vontade, mas pode ser motivada por um fenómeno biológico subjacente — resume Ferdinand von Meyenn, autor do estudo e investigador do Federal Escola Politécnica de Zurique. Dentro de cada célula existe um manual para a vida: o DNA. Ali, naquele livro com 3 bilhões de letras químicas, estão as instruções para fazer o ser humano funcionar e os genes são como páginas que armazenam as receitas específicas para fabricar as proteínas necessárias para respirar, comer ou dormir. Nesse contexto, o epigenoma, composto por substâncias químicas que aderem aos genes sem modificar sua sequência, seria como uma espécie de sistema ortográfico que acrescenta pontos, vírgulas e acentos para refinar a compreensão das instruções. Assim, se um acento for adicionado a uma palavra ou uma vírgula for movida, a frase inteira pode mudar de significado. O epigenoma funciona como um interruptor, ligando ou desligando a atividade genética. E o que a equipe de von Meyenn descobriu é que, durante a obesidade, ocorrem mudanças muito particulares no epigenoma das células adiposas, deixando ligados e desligados genes que não deveriam ser assim. Essas modificações, explica o cientista em uma resposta por e-mail, “preparam o adipócito para recuperar rapidamente o peso assim que a ingestão de altas calorias for retomada”. “Nossa pesquisa mostra que algumas dessas alterações persistem após a perda de peso em genes ou regiões genômicas específicas. O epigenoma dos adipócitos previamente expostos à obesidade pode ser programado para retornar ao estado de obesidade de forma mais rápida ou eficiente devido a essas alterações”, acrescenta. Devido às limitações técnicas para analisar o epigenoma em humanos, os pesquisadores complementaram seus estudos em células humanas com experimentos em modelos animais, explica Daniel Castellano, coautor do estudo e pesquisador de pós-doutorado no Laboratório de Oncomicrobiota da Pesquisa Clínica e Translacional em Grupo de Câncer do Instituto de Pesquisa Biomédica de Málaga (IBIMA). — O rato dá-nos a oportunidade de estudar o epigenoma porque não podemos fazê-lo em humanos. Nos humanos podemos ver quais genes estão funcionando e quais não estão e vimos que houve uma desregulação transcriptômica, genes ligados e desligados que não deveriam estar. E essa desregulamentação persistiu após a perda de peso — ressalta. Depois, em ratos, também viram que este fenómeno com alguns genes desligados e ligados era “muito semelhante” ao que tinham percebido nas células humanas e, depois de estudarem diversas modificações epigenéticas, confirmaram que “esta desregulação dos genes se devia, em proporção elevada, às alterações epigenéticas que permaneceram após a perda de peso.” Os pesquisadores não sabem quanto tempo dura essa memória da obesidade identificada no
Pesquisas em ratos descrevem um mecanismo molecular no tecido adiposo que predispõe as pessoas a recuperar o peso; descoberta pode ajudar a explicar o "efeito sanfona" A obesidade deixa uma marca profunda no corpo. Tão profunda que, apesar dos tratamentos ou cirurgias para perder peso, a ameaça de recuperação da gordura está sempre presente. E embora o estigma que rodeia a doença possa levar-nos a pensar o contrário, a ciência começa a esclarecer que não se trata de uma questão de vontade ou de falta de esforço. A memória desta doença está escrita nas células: uma investigação publicada recentemente na revista Nature descreveu, em modelos de ratos e em células humanas, um mecanismo molecular no tecido adiposo que nos predispõe a ganhar peso depois de perdê-lo. Os autores sugerem que esta descoberta pode ajudar a explicar o efeito sanfona ou rebote pelo qual as pessoas obesas voltam a ganhar peso após a cirurgia bariátrica, por exemplo. Homem recebe transplante de rosto inovador: 'segunda chance'; veja imagens Pets: Os 8 sinais que podem indicar que seu gato esteja nos últimos dias de vida Esta doença, que se caracteriza por um acúmulo excessivo de gordura no corpo e afeta uma em cada oito pessoas no mundo, é complicada, complexa e crônica, para sempre. Sua assinatura e seu legado persistem ao longo do tempo, mesmo tendo passado por tratamentos ou dietas para emagrecer. A comunidade científica já sugeria há algum tempo que existia uma espécie de memória metabólica que facilita o ganho de peso, mas os mecanismos por trás da longa sombra deixada pela doença não eram conhecidos com precisão. Até agora. O estudo publicado na Nature lança mais luz sobre este caminho de investigação e mostra que os adipócitos, que são as células do tecido adiposo, retêm uma memória da obesidade através de alterações epigenéticas que persistem mesmo após a perda de peso. — A descoberta revela um mecanismo molecular nas células de gordura que as predispõe a recuperar o peso de forma mais eficiente após serem expostas a um maior consumo de calorias. Também destaca que a dificuldade em manter a perda de peso após uma intervenção não é simplesmente uma questão de falta de esforço ou força de vontade, mas pode ser motivada por um fenómeno biológico subjacente — resume Ferdinand von Meyenn, autor do estudo e investigador do Federal Escola Politécnica de Zurique. Dentro de cada célula existe um manual para a vida: o DNA. Ali, naquele livro com 3 bilhões de letras químicas, estão as instruções para fazer o ser humano funcionar e os genes são como páginas que armazenam as receitas específicas para fabricar as proteínas necessárias para respirar, comer ou dormir. Nesse contexto, o epigenoma, composto por substâncias químicas que aderem aos genes sem modificar sua sequência, seria como uma espécie de sistema ortográfico que acrescenta pontos, vírgulas e acentos para refinar a compreensão das instruções. Assim, se um acento for adicionado a uma palavra ou uma vírgula for movida, a frase inteira pode mudar de significado. O epigenoma funciona como um interruptor, ligando ou desligando a atividade genética. E o que a equipe de von Meyenn descobriu é que, durante a obesidade, ocorrem mudanças muito particulares no epigenoma das células adiposas, deixando ligados e desligados genes que não deveriam ser assim. Essas modificações, explica o cientista em uma resposta por e-mail, “preparam o adipócito para recuperar rapidamente o peso assim que a ingestão de altas calorias for retomada”. “Nossa pesquisa mostra que algumas dessas alterações persistem após a perda de peso em genes ou regiões genômicas específicas. O epigenoma dos adipócitos previamente expostos à obesidade pode ser programado para retornar ao estado de obesidade de forma mais rápida ou eficiente devido a essas alterações”, acrescenta. Devido às limitações técnicas para analisar o epigenoma em humanos, os pesquisadores complementaram seus estudos em células humanas com experimentos em modelos animais, explica Daniel Castellano, coautor do estudo e pesquisador de pós-doutorado no Laboratório de Oncomicrobiota da Pesquisa Clínica e Translacional em Grupo de Câncer do Instituto de Pesquisa Biomédica de Málaga (IBIMA). — O rato dá-nos a oportunidade de estudar o epigenoma porque não podemos fazê-lo em humanos. Nos humanos podemos ver quais genes estão funcionando e quais não estão e vimos que houve uma desregulação transcriptômica, genes ligados e desligados que não deveriam estar. E essa desregulamentação persistiu após a perda de peso — ressalta. Depois, em ratos, também viram que este fenómeno com alguns genes desligados e ligados era “muito semelhante” ao que tinham percebido nas células humanas e, depois de estudarem diversas modificações epigenéticas, confirmaram que “esta desregulação dos genes se devia, em proporção elevada, às alterações epigenéticas que permaneceram após a perda de peso.” Os pesquisadores não sabem quanto tempo dura essa memória da obesidade identificada nos adipócitos. Suas descobertas mostraram que as mudanças epigenéticas persistiram por pelo menos dois anos em humanos após a cirurgia para perda de peso e até oito semanas em camundongos, mas não há um cronograma definido, admite von Meyenn. — A duração dessa memória provavelmente depende da célula. renovação do tecido. Por exemplo, os adipócitos têm meia-vida de 10 anos, após os quais o tecido é reabastecido com novas células. Castellano esclarece ainda que esse mecanismo molecular descrito não explicaria 100% do efeito rebote. Na verdade, a investigação não revela uma causalidade entre a presença desta memória obesogénica e o efeito ioiô, mas há “uma concordância”. — Mecanisticamente, não podemos provar que este efeito rebote se deve a alterações nos adipócitos. Mas encontramos alterações epigenéticas em diversas áreas e vemos que há uma superexpressão de genes relacionados à inflamação e ao metabolismo do próprio adipócito. Funcionalmente, faz sentido com o que acontece com o tecido adiposo na obesidade”, explica. Von Meyenn acrescenta que os adipócitos por si só não seriam os únicos responsáveis pelo efeito sanfona. — Esse fenômeno da memória epigenética também pode existir nessas outras células. Outros tipos de células e órgãos, como o cérebro (envolvido no controle da saciedade e do apetite), também podem estar envolvidos. Memória epigenética correta O investigador da Escola Politécnica Federal de Zurique garante, no entanto, que o estudo abre portas ao desenvolvimento de novas estratégias (farmacológicas, dietéticas ou de outro tipo) para corrigir esta memória epigenética. — Atualmente não existem estratégias farmacológicas para apagar essa memória. Embora alguns medicamentos utilizados na terapia do cancro tenham como alvo enzimas responsáveis por alterações epigenéticas, estas abordagens são globais e não se concentram em regiões específicas do epigenoma onde podem residir alterações duradouras. Existem estratégias moleculares emergentes para induzir alterações em regiões epigenéticas específicas, mas requerem mais investigação e ainda não foram aprovadas para utilização em humanos. Uma vez melhor compreendido esse fenômeno, possíveis estratégias poderiam incluir intervenções farmacológicas, mudanças alimentares ou incorporação de alimentos funcionais — sugere. Andreaa Ciudin, chefe da Unidade de Tratamento Integral da Obesidade do Hospital Vall d'Hebron de Barcelona e membro do conselho de administração da Sociedade Espanhola para o Estudo da Obesidade, descreve esta investigação, da qual não participou, como “Interessante no resultado, mas preocupante ao mesmo tempo.” — Esta pesquisa abre uma perspectiva de estudos intermináveis. Onde há DNA, há epigenética, porque na cadeia do DNA sempre haverá fatores que regulam a sua transcrição. Mas é difícil explorar a epigenética porque é muito volátil e não sei como poderíamos influenciar a epigenética de forma crónica — afirma. Por sua vez, José Balibrea, chefe de Cirurgia Endócrino-Metabólica e Bariátrica do Germans Trias i Pujol de Badalona, qualifica este estudo, no qual não interveio, como “um avanço importante” para compreender a importância do ambiente obesogénico na evolução da doença. “A investigação revela um dos mecanismos fundamentais para compreender que a obesidade é uma doença crónica com tendência a recidivas e que requer tratamento permanente. O que não está claro é se já temos essa predisposição antes da obesidade ou ao longo do desenvolvimento da doença, geramos essa suscetibilidade e essa memória”, concorda. Em declarações ao portal Science Media Center, José Ordovás, diretor de Nutrição e Genómica da Universidade Tufts, em Boston (EUA), destaca também que, “embora as descobertas sejam sólidas e apoiadas por dados humanos e animais, o estudo “tem limitações , incluindo a falta de análise epigenética direta em amostras humanas, heterogeneidade em conjuntos de dados humanos e falta de acompanhamento a longo prazo em ratos.” — Não estabelece causalidade entre alterações epigenéticas e recuperação de peso, pelo que é necessária mais investigação para confirmar os mecanismos — afirma, embora admita que as implicações destas descobertas no mundo real são “significativas”. — O estudo destaca a base biológica da recuperação do peso, reduz o estigma e enfatiza a necessidade de intervenções de apoio a longo prazo. Abre caminhos para terapias direcionadas, como medicamentos ou edição epigenética, para “reiniciar” a memória do tecido adiposo e melhorar a manutenção da perda de peso. Estratégias personalizadas de controle de peso poderiam ser baseadas no perfil genético e epigenético de um indivíduo, enquanto as políticas de saúde pública poderiam priorizar a prevenção e a intervenção precoce para evitar o estabelecimento de uma memória obesogênica.
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