Sexo sem tabu: conversas sobre intimidade e prazer ocupam consultórios de oncologia
Pacientes e especialistas falam sobre a importância de falar no tema em consultório, em nome do bom andamento do tratamento e do bem estar de quem está sob cuidados A administradora Vivian Geraissate, de 38 anos, teve dificuldade em lidar com olhares indiscretos ao perder os cabelos em seu primeiro tratamento para um câncer de mama, há dez anos — a doença ainda faria outro aparecimento mais recentemente. Os questionamentos e olhares de pessoas da rua causaram desconforto a alguém que até aquele momento estava bastante segura com sua imagem e visual. Na intimidade, os efeitos do tratamento eram ainda mais intensos: Vivian precisou passar por mastectomia (as retiradas das mamas), hoje reconstruídas, e fez bloqueios hormonais, o que a colocou em estado de menopausa ainda nas primeiras décadas da vida. O sexo, é evidente, ficou afetado. Viver o câncer: 'Quero ser exemplo de vitória nesse tratamento', diz médico que convive com a leucemia há oito anos — Eu me escondia muito mais, tirava menos o sutiã. Nem mesmo pensava em levantar da cama e ir tomar banho sem me cobrir. Até aquele momento, sempre me senti livre, mas depois perdi isso. Nas duas “quimios” engordei bastante, passei a não aceitar meu corpo. Foi um tabu para mim. Calculava tudo que ia fazer — afirma. Com o tempo, Vivian se viu solteira, experimentou encontrar novas pessoas e hoje está atenta às próprias vontades e conforto. Tanto no sexo quanto em diversas experiências na vida a dois. — Hoje falo mais abertamente sobre os diagnósticos que tive e sobre meus seios. Esse é meu corpo de agora, fiz essa descoberta — conta. A jornada de Vivian está de mãos dadas com uma importante preocupação que começa a aparecer em consultórios de oncologia: como será a relação do paciente com o sexo uma vez que ele passará por um tratamento que pode comprometer a prática? Especialistas ouvidos pelo GLOBO são categóricos ao afirmar que é preciso que a discussão sobre libido, prazer e intimidade faça parte do tratamento. Desde que, é claro, o paciente se sinta confortável em falar sobre o tema. —Pacientes oncológicos podem ter sua vida sexual alterada por diversos motivos. Existe o impacto emocional do diagnóstico, o aspecto físico que pode ser preocupação com autoimagem ou desempenho sexual. E também questões do próprio relacionamento com o parceiro, que pode ser falta de diálogo a respeito do assunto, medo de causar desconforto ou receio de agravar a doença — afirma Ariel Kann, do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Oswaldo Cruz — Há ainda efeitos colaterais de tratamentos como cirurgias, quimioterapia, radioterapia que podem causar disfunção erétil, dor ou desconforto na relação. Outra causa frequente são as alterações hormonais. Clarissa Mathias, oncologista da Oncoclínicas, afirma que a forma de se aproximar do paciente para falar sobre o assunto varia a cada quadro e que é preciso respeitar a forma como cada um reage em relação ao tema. Mesmo que a decisão seja não manter relações sexuais ao longo do período de tratamento. — Cada pessoa terá seu olhar, uma abordagem mais celibatária (caso a pessoa queira assim) não é um problema. O sexo não é mandatório, mas é importante olhar o paciente como um todo. E esse aspecto é importante, assim como devemos levar em consideração a religião de quem estamos cuidando — conta. Embora quem está sob os cuidados médicos possa recusar o assunto ou sentir-se desconfortável em um primeiro momento, em geral os especialistas acreditam que, conforme o tratamento avance, o assunto em algum momento chegue às consultas. — A pessoa pode estar, inicialmente, mais preocupada em sobreviver. Há assuntos outros que podem ficar para uma segunda etapa. Mas em algum momento a conversa sobre sexo virá a tona, por que essa prática tem a ver, para muitas pessoas, com o que significa ter qualidade de vida — Vera Bifulco, psico-oncologista do Instituto Lado a Lado pela Vida. Redescoberta A professora de inglês Patricia Almeida, de 50 anos, também passou por indução à menopausa por conta de um tratamento de câncer de mama. Com a mudança, notou a falta de libido. A reposição hormonal, controlada e com acompanhamento médico, foi o caminho que encontrou para sentir-se novamente interessada a viver sua intimidade. — Precisamos de apoio psicológico também. É um turbilhão de emoções, entre elas você quer ter vontade (de ter relações), mas não tem. Ao namorar, há o pensamento se seu parceiro vai reparar o que está diferente. O companheiro, por sua vez, precisa entender que as coisas mudaram, tem que ser conversado entre o casal, e pedir um tempo de compreensão — conta. — A gente acha que a vida vai voltar ao normal como era antes do diagnóstico, mas nunca volta. O pensamento é diferente, o corpo, e a saúde é diferente. Em primeiro lugar eu queria tudo como antes, mas confesso que minha vida sexual melhorou muito. Nessa busca por conforto e qualidade, descobri mais coisas sobre mim. O oncologista do Hospital Nove de Julho Marcelo Aisen diz que
Pacientes e especialistas falam sobre a importância de falar no tema em consultório, em nome do bom andamento do tratamento e do bem estar de quem está sob cuidados A administradora Vivian Geraissate, de 38 anos, teve dificuldade em lidar com olhares indiscretos ao perder os cabelos em seu primeiro tratamento para um câncer de mama, há dez anos — a doença ainda faria outro aparecimento mais recentemente. Os questionamentos e olhares de pessoas da rua causaram desconforto a alguém que até aquele momento estava bastante segura com sua imagem e visual. Na intimidade, os efeitos do tratamento eram ainda mais intensos: Vivian precisou passar por mastectomia (as retiradas das mamas), hoje reconstruídas, e fez bloqueios hormonais, o que a colocou em estado de menopausa ainda nas primeiras décadas da vida. O sexo, é evidente, ficou afetado. Viver o câncer: 'Quero ser exemplo de vitória nesse tratamento', diz médico que convive com a leucemia há oito anos — Eu me escondia muito mais, tirava menos o sutiã. Nem mesmo pensava em levantar da cama e ir tomar banho sem me cobrir. Até aquele momento, sempre me senti livre, mas depois perdi isso. Nas duas “quimios” engordei bastante, passei a não aceitar meu corpo. Foi um tabu para mim. Calculava tudo que ia fazer — afirma. Com o tempo, Vivian se viu solteira, experimentou encontrar novas pessoas e hoje está atenta às próprias vontades e conforto. Tanto no sexo quanto em diversas experiências na vida a dois. — Hoje falo mais abertamente sobre os diagnósticos que tive e sobre meus seios. Esse é meu corpo de agora, fiz essa descoberta — conta. A jornada de Vivian está de mãos dadas com uma importante preocupação que começa a aparecer em consultórios de oncologia: como será a relação do paciente com o sexo uma vez que ele passará por um tratamento que pode comprometer a prática? Especialistas ouvidos pelo GLOBO são categóricos ao afirmar que é preciso que a discussão sobre libido, prazer e intimidade faça parte do tratamento. Desde que, é claro, o paciente se sinta confortável em falar sobre o tema. —Pacientes oncológicos podem ter sua vida sexual alterada por diversos motivos. Existe o impacto emocional do diagnóstico, o aspecto físico que pode ser preocupação com autoimagem ou desempenho sexual. E também questões do próprio relacionamento com o parceiro, que pode ser falta de diálogo a respeito do assunto, medo de causar desconforto ou receio de agravar a doença — afirma Ariel Kann, do Centro Especializado em Oncologia do Hospital Oswaldo Cruz — Há ainda efeitos colaterais de tratamentos como cirurgias, quimioterapia, radioterapia que podem causar disfunção erétil, dor ou desconforto na relação. Outra causa frequente são as alterações hormonais. Clarissa Mathias, oncologista da Oncoclínicas, afirma que a forma de se aproximar do paciente para falar sobre o assunto varia a cada quadro e que é preciso respeitar a forma como cada um reage em relação ao tema. Mesmo que a decisão seja não manter relações sexuais ao longo do período de tratamento. — Cada pessoa terá seu olhar, uma abordagem mais celibatária (caso a pessoa queira assim) não é um problema. O sexo não é mandatório, mas é importante olhar o paciente como um todo. E esse aspecto é importante, assim como devemos levar em consideração a religião de quem estamos cuidando — conta. Embora quem está sob os cuidados médicos possa recusar o assunto ou sentir-se desconfortável em um primeiro momento, em geral os especialistas acreditam que, conforme o tratamento avance, o assunto em algum momento chegue às consultas. — A pessoa pode estar, inicialmente, mais preocupada em sobreviver. Há assuntos outros que podem ficar para uma segunda etapa. Mas em algum momento a conversa sobre sexo virá a tona, por que essa prática tem a ver, para muitas pessoas, com o que significa ter qualidade de vida — Vera Bifulco, psico-oncologista do Instituto Lado a Lado pela Vida. Redescoberta A professora de inglês Patricia Almeida, de 50 anos, também passou por indução à menopausa por conta de um tratamento de câncer de mama. Com a mudança, notou a falta de libido. A reposição hormonal, controlada e com acompanhamento médico, foi o caminho que encontrou para sentir-se novamente interessada a viver sua intimidade. — Precisamos de apoio psicológico também. É um turbilhão de emoções, entre elas você quer ter vontade (de ter relações), mas não tem. Ao namorar, há o pensamento se seu parceiro vai reparar o que está diferente. O companheiro, por sua vez, precisa entender que as coisas mudaram, tem que ser conversado entre o casal, e pedir um tempo de compreensão — conta. — A gente acha que a vida vai voltar ao normal como era antes do diagnóstico, mas nunca volta. O pensamento é diferente, o corpo, e a saúde é diferente. Em primeiro lugar eu queria tudo como antes, mas confesso que minha vida sexual melhorou muito. Nessa busca por conforto e qualidade, descobri mais coisas sobre mim. O oncologista do Hospital Nove de Julho Marcelo Aisen diz que uma vez estabelecida a conexão é possível sugerir aos pacientes sobre alternativas viáveis para quem se encontra em meio ao tratamento, de maneira prática e sem tabus. Além disso, a indicação de exercícios físicos regulares ajuda (e muito) a lidar com o cenário. — A mulher, por exemplo, não precisa ter desejo para ter prazer. Por meio de carinhos e carícias, por exemplo, é possível que a mulher chegue ao orgasmo mesmo sem a libido. O que é diferente para homens. Ainda é preciso dizer que o número de próteses penianas é muito pequeno (em comparação aos tratamentos de câncer), pode haver muitos homens sofrendo sem saber que pode dar e sentir prazer — explica. — O carinho, afeto, são muito importantes. Esses são os companheirismos verdadeiros. É possível ter preliminares, opções de ter e dar prazer, sem se sentir usado ou desconfortável.
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