Por que as pesquisas não captaram a vitória de Trump nos EUA?

Analistas se debruçam sobre números das enquetes eleitorais para entender por que republicano teve vantagem de votos bem superior ao previsto; forma das enquetes e perfil do eleitor podem dar pistas O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, tornou-se o primeiro republicano a conquistar maioria no voto popular nas urnas em duas décadas, resultado que foge ao equilíbrio sugerido pela maioria dos institutos de pesquisa. Desde meados de setembro, as sondagens de opinião pública indicavam disputa acirradíssima entre Trump e a vice-presidente Kamala Harris, com a média dos levantamentos resultando num empate técnico que não se comprovou após a abertura das urnas. É factível: Quais obstáculos Trump terá de superar para cumprir plano de deportação em massa nos EUA? Impacto global: Planos de Trump para saúde e ciência acendem alerta nos EUA A plataforma desenvolvida por Nate Silver — espécie de “guru” da pesquisa política nos EUA — por exemplo, mostrava indefinição nos sete estados-pêndulo decisivos para a eleição americana. Trump liderava por margens estreitas em Nevada, Pensilvânia, Carolina do Norte, Geórgia e Arizona, enquanto Kamala estava à frente em Michigan e Wisconsin. O republicano, porém, levou seis deles e está perto de confirmar o sétimo — Arizona, onde lidera por 52,6% dos votos com 78% das urnas apuradas: uma ‘varrida’, como dizem os americanos. Latinos, negros e jovens Na Flórida, as pesquisas sugeriam que Trump estava cinco pontos percentuais à frente, mas ele teve vitória bem mais expressiva, com 13 pontos na dianteira. Em Nova Jersey, esperava-se que a vice teria até 20 pontos de vantagem, mas ela superou o republicano por só seis pontos. Abordagem antivacina: Planos de Trump para saúde e ciência acendem alerta nos EUA As reflexões acerca do aparente descompasso entre pesquisas e realidade são complexas e pouco conclusivas — até hoje se estudam as eleições de 2016 e 2020, quando os institutos também não foram capazes de mensurar fielmente a força política de Trump. A Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (Aapor, na sigla em inglês) está reunindo um comitê para analisar o que deu certo e errado. Uma hipótese já bem aceita entre analistas da área é a de que as pesquisas não conseguiram estimar o apelo eleitoral do republicano junto aos latinos, negros e jovens, sobretudo a parcela desses grupos menos engajada politicamente. Nos EUA, a maior parte das pesquisas é feita por telefone ou por painéis online. A esmagadora maioria das entrevistas não chega ao fim ou sequer é atendida. Responde quem quer, e normalmente esses são aqueles mais interessados na eleição, cujo voto vale tanto quanto os dos que não têm o mesmo apetite pelo tema. Após vitória: Transição de poder já tem gargalos, e lealdade é fator básico para compor o 'team Trump' Levantamento do New York Times constatou que Trump avançou 13 pontos percentuais em comunidades majoritariamente latinas em relação à votação alcançada por ele quatro anos atrás. Uma pesquisa de boca de urna realizada em dez estados-chave pela NBC News descobriu que quase a metade (46%) desse grupo havia votado no republicano, o que o ajudou a não só obter vitórias mais expressivas em seus redutos, como também a superar as expectativas onde Kamala tinha domínio claro. No Bronx, em Nova York, onde negros e latinos são quase 90% dos residentes, Trump praticamente triplicou a votação em relação à sua primeira disputa presidencial. Foram 27% os que votaram no presidente eleito, que em 2016 obteve só 10% do apoio por ali. “Subestimaram o eleitor de Trump que tende a estar menos engajado politicamente e que é mais propenso a estar ocupado, sem tempo para passar 20 minutos falando com entrevistadores. São pessoas com empregos comuns ou, como no caso de muitos eleitores latinos, conciliando dois ou três empregos ao mesmo tempo”, avaliou James Johnson, cofundador da empresa de pesquisas J.L. Partners, à revista Newsweek. Não é, porém, como se tudo isso tivesse passado despercebido pelas pesquisas. Os institutos identificaram mudanças no comportamento eleitoral por etnia, com brancos tornando-se mais democratas, e negros e latinos indo na direção oposta. Também alertaram que nenhum partido foi capaz até hoje de manter o comando da Casa Branca com um presidente tão mal avaliado como Joe Biden. Os dois últimos levantamentos do New York Times com o Siena College mostravam corretamente Trump à frente, e o resultado mais recorrente nas simulações feitas pela plataforma de Nate Silver era o placar de 312 a 226 pró-Trump — o que caminha para se confirmar. Leitura equivocada Integrante da Aapor e diretor da Universidade de Michigan, Raphael Nishimura diz que a leitura mais comum entre seus colegas é de que as pesquisas foram mais fiéis agora do que em 2016 e 2020, e que o assombro de muitos com a “lavada” de Trump se deve em parte a uma leitura equivocada dos resultados. — O que as pesquisas e agregadores diziam é que a corrida era apertada, especialmente nos três est

Nov 9, 2024 - 05:19
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Por que as pesquisas não captaram a vitória de Trump nos EUA?

Analistas se debruçam sobre números das enquetes eleitorais para entender por que republicano teve vantagem de votos bem superior ao previsto; forma das enquetes e perfil do eleitor podem dar pistas O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, tornou-se o primeiro republicano a conquistar maioria no voto popular nas urnas em duas décadas, resultado que foge ao equilíbrio sugerido pela maioria dos institutos de pesquisa. Desde meados de setembro, as sondagens de opinião pública indicavam disputa acirradíssima entre Trump e a vice-presidente Kamala Harris, com a média dos levantamentos resultando num empate técnico que não se comprovou após a abertura das urnas. É factível: Quais obstáculos Trump terá de superar para cumprir plano de deportação em massa nos EUA? Impacto global: Planos de Trump para saúde e ciência acendem alerta nos EUA A plataforma desenvolvida por Nate Silver — espécie de “guru” da pesquisa política nos EUA — por exemplo, mostrava indefinição nos sete estados-pêndulo decisivos para a eleição americana. Trump liderava por margens estreitas em Nevada, Pensilvânia, Carolina do Norte, Geórgia e Arizona, enquanto Kamala estava à frente em Michigan e Wisconsin. O republicano, porém, levou seis deles e está perto de confirmar o sétimo — Arizona, onde lidera por 52,6% dos votos com 78% das urnas apuradas: uma ‘varrida’, como dizem os americanos. Latinos, negros e jovens Na Flórida, as pesquisas sugeriam que Trump estava cinco pontos percentuais à frente, mas ele teve vitória bem mais expressiva, com 13 pontos na dianteira. Em Nova Jersey, esperava-se que a vice teria até 20 pontos de vantagem, mas ela superou o republicano por só seis pontos. Abordagem antivacina: Planos de Trump para saúde e ciência acendem alerta nos EUA As reflexões acerca do aparente descompasso entre pesquisas e realidade são complexas e pouco conclusivas — até hoje se estudam as eleições de 2016 e 2020, quando os institutos também não foram capazes de mensurar fielmente a força política de Trump. A Associação Americana para Pesquisa de Opinião Pública (Aapor, na sigla em inglês) está reunindo um comitê para analisar o que deu certo e errado. Uma hipótese já bem aceita entre analistas da área é a de que as pesquisas não conseguiram estimar o apelo eleitoral do republicano junto aos latinos, negros e jovens, sobretudo a parcela desses grupos menos engajada politicamente. Nos EUA, a maior parte das pesquisas é feita por telefone ou por painéis online. A esmagadora maioria das entrevistas não chega ao fim ou sequer é atendida. Responde quem quer, e normalmente esses são aqueles mais interessados na eleição, cujo voto vale tanto quanto os dos que não têm o mesmo apetite pelo tema. Após vitória: Transição de poder já tem gargalos, e lealdade é fator básico para compor o 'team Trump' Levantamento do New York Times constatou que Trump avançou 13 pontos percentuais em comunidades majoritariamente latinas em relação à votação alcançada por ele quatro anos atrás. Uma pesquisa de boca de urna realizada em dez estados-chave pela NBC News descobriu que quase a metade (46%) desse grupo havia votado no republicano, o que o ajudou a não só obter vitórias mais expressivas em seus redutos, como também a superar as expectativas onde Kamala tinha domínio claro. No Bronx, em Nova York, onde negros e latinos são quase 90% dos residentes, Trump praticamente triplicou a votação em relação à sua primeira disputa presidencial. Foram 27% os que votaram no presidente eleito, que em 2016 obteve só 10% do apoio por ali. “Subestimaram o eleitor de Trump que tende a estar menos engajado politicamente e que é mais propenso a estar ocupado, sem tempo para passar 20 minutos falando com entrevistadores. São pessoas com empregos comuns ou, como no caso de muitos eleitores latinos, conciliando dois ou três empregos ao mesmo tempo”, avaliou James Johnson, cofundador da empresa de pesquisas J.L. Partners, à revista Newsweek. Não é, porém, como se tudo isso tivesse passado despercebido pelas pesquisas. Os institutos identificaram mudanças no comportamento eleitoral por etnia, com brancos tornando-se mais democratas, e negros e latinos indo na direção oposta. Também alertaram que nenhum partido foi capaz até hoje de manter o comando da Casa Branca com um presidente tão mal avaliado como Joe Biden. Os dois últimos levantamentos do New York Times com o Siena College mostravam corretamente Trump à frente, e o resultado mais recorrente nas simulações feitas pela plataforma de Nate Silver era o placar de 312 a 226 pró-Trump — o que caminha para se confirmar. Leitura equivocada Integrante da Aapor e diretor da Universidade de Michigan, Raphael Nishimura diz que a leitura mais comum entre seus colegas é de que as pesquisas foram mais fiéis agora do que em 2016 e 2020, e que o assombro de muitos com a “lavada” de Trump se deve em parte a uma leitura equivocada dos resultados. — O que as pesquisas e agregadores diziam é que a corrida era apertada, especialmente nos três estados da Muralha Azul (Michigan, Wisconsin e Pensilvânia). E mostravam também que se esses estados pendessem para um lado ou para o outro, teríamos uma lavada. Foi o que aconteceu. Declaração: Putin parabeniza Trump pela vitória nas eleições nos EUA; Kremlin 'não descarta' telefonema antes da posse Nate Cohn, colunista do New York Times, avalia que apesar de mais uma vez os institutos terem sido incapazes de captar o real tamanho do eleitorado de Trump, isso não se deve a uma repetição dos erros do passado. Em 2016, o republicano foi eleito com o apoio massivo de trabalhadores brancos, que já expressavam ali um comportamento antissistema e uma menor propensão a declarar preferências em pesquisas a entrevistadores desconhecidos. Quatro anos depois, a política de lockdown imposta pela pandemia levou eleitores democratas e republicanos a se comportarem de forma distinta. “Os democratas estavam livres e disponíveis para responder a pesquisas o dia todo, solitários e gratos por falar com outra pessoa, enfurecidos com Trump e a pandemia, enquanto os republicanos tendiam a estar ocupados vivendo suas vidas”, escreveu Cohn. Os institutos buscaram se adaptar após as duas últimas eleições presidenciais, alterando seus mecanismos de ponderação para tentar dar o peso correto a determinados grupos. As “taxas de acerto” das pesquisas foram maiores nas eleições de meio de mandato em 2018 e 2020, o que Nishimura atribui à ausência de Trump nas cédulas — o que por si só já é capaz de alterar o comportamento de eleitores do Partido Republicano — e ao engajamento apenas daqueles eleitores que de fato têm maior tendência ao voto. Modelo defasado Como nos EUA o voto não é obrigatório, os institutos usam modelos que consideram a propensão de cada grupo em ir votar, cálculo que pode agora se mostrar defasado já que muitos eleitores tiveram mais dias para depositar seus votos presencialmente ou pelos correios, uma vez que houve a expansão do voto antecipado em vários estados neste ano. — Parece que pessoas que não têm a tendência de comparecer às urnas, por algum motivo ou outro, decidiram ir votar. E essas pessoas, predominantemente, votam mais em Trump do que na Kamala. São também pessoas que tendem a não responder a pesquisas porque não têm interesse no tema — diz o diretor da Universidade de Michigan. A experiência americana pode trazer ensinamentos para os institutos de pesquisa do Brasil. Nishimura diz que eleitores do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) têm comportamentos semelhantes aos dos trumpistas, o que pode ensejar atenção redobrada dos pesquisadores para evitar a sub-representação do grupo — sobretudo se o ex-mandatário estiver apto a disputar a eleição.

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