Keira Knightley estrela polêmica sobre livro infantil feito por celebridades

Atriz de filmes como 'Piratas do Caribe' e 'Simplesmente amor' vai lançar obra para crianças em 2025; anúncio irritou autores britânicos consagrados, que reclamam da banalização do ofício Um livro para crianças que só será publicado em outubro de 2025 já está causando polêmica no Reino Unido. Ou melhor, reaquecendo um debate antigo sobre a qualidade e pertinência de obras infantojuvenis escritas por celebridades que se dedicam à literatura como um hobby fortuito. A famosa da vez é a atriz Keira Knightley, cujo livro “I love you just the same” (Te amo do mesmo jeito, em tradução livre) vem sendo anunciado pela prestigiada e centenária editora Simon and Schuster como “um clássico moderno”. A estrela da franquia “Piratas do Caribe” e de filmes como “Orgulho e preconceito” e “Simplesmente amor” assinará também as ilustrações da obra - que segundo a sinopse fala das grandes mudanças na vida de uma garota com a chegada de um irmão -, numa espécie de dupla estreia nesse segmento, portanto. Estreia: O cordel encantado de Stênio Gardel Antonio Skármeta: Escritor fala da ditadura militar no Chile pelos olhos de um menino O anúncio do futuro livro foi o suficiente para arrepiar os cabelos dos escritores britânicos de carreira, que começaram a lamentar a mais nova “invasão” do espaço, num debate que foi parar nos grandes jornais de lá (Guardian, Telegraph e Independent). No Guardian, a reportagem começa listando sucessos comerciais de estranhos recém-chegados no ninho, como os músicos Tom Fletcher e Dougie Poynter, da banda McFly, e de outros já mais estabelecidos, como o comediante David Walliams, da irreverente e finada série de TV “Little Britain”, que virou um fenômeno editorial com 25 milhões de livros vendidos apenas no Reino Unido (no Brasil ele é publicado pela Intrínseca). Para lembrar que a invasão não é nova, também cita Julie Andrews (autora de “Mandy”, de 1974) e Madonna, que em 2003 entrou no circuito com o primeiro título da série “As rosas inglesas”, publicada no mundo inteiro, incluindo aqui (pela Rocco). A discussão é boa e vai além do mero mimimi protecionista da classe, com muitos pontos pertinentes levantados por escritores, críticos e livreiros entrevistados pelo jornal. Um deles é a desigualdade de recursos de divulgação destinados aos livros das celebridades quando comparados aos minguados que a maioria dos autores, e principalmente os de livros para crianças, recebe. Famosos também não ralam nas longas filas de espera de aprovação de originais. E embora há quem observe que quando uma estrela lança um título infantil promove uma boa onda para o setor, ajudando a editora a financiar obras de quem não fatura tanto assim, e levando mais diversidade e representatividade para as páginas, o tom geral é de lamento e desapontamento com a chegada de mais um célebre intruso. Ilustração do livro "As rosas inglesas", lançado por Madonna em 2003 Reprodução É curioso, mas não surpreendente, que a iniciativa de lançar livros para crianças aconteça quase sempre quando pessoas que nunca escreveram, como atores, cantores, jogadores e demais estrelas de áreas alheias, se tornam pais e mães - Keira já tem dois filhos, aliás. A partir daí passam a acreditar que terão igual sucesso no novo papel. Já vimos esse filme muitas e muitas vezes, lá fora e aqui no Brasil. Porém, como em qualquer tipo de trabalho, às vezes dá certo, e louvem-se os méritos, e às vezes não dá. 'Escrever para crianças é uma arte' A crítica mais contundente e pertinente dos escritores é justamente a que aponta a, digamos, banalização do ofício. Ao se aventurarem nesse campo, as celebridades, que muitas vezes nem escrevem os próprios livros, apelando aos ghost writers, fazem “a ficção infantil parecer algo barato e ralo, em vez do que realmente é – uma literatura com suas próprias estranhezas, seu próprio poder”, afirma a escritora Katherine Rundell. Com ela concorda Joshua Seigal, artista, educador e autor premiado: “Escrever para crianças é uma arte. Exige habilidade, prática e disciplina. Trabalho duro e é bastante irritante que as pessoas pareçam pensar que é algo fácil de fazer”. A reportagem do Guardian aponta títulos elogiados e comenta alguns que floparam, apesar de toda a fama do autor, como o do Rolling Stone Keith Richards e o de Meghan Markle, a Duquesa de Sussex. O livro dela, “Seu banco”, vendeu apenas 8 mil cópias em todo o Reino Unido, um número considerado muito baixo para o mercado editorial local. Esse fracasso até poderia ficar na conta de uma certa má vontade dos súditos britânicos com a atriz, vista como um elemento desagregador da família real. Contudo, a verdade é que a obra, lançada aqui pela Companhia das Letrinhas, é mesmo fraquinha, com fiapos de frases (é um poema para Harry, feito após o nascimento do primeiro filho do casal) que não rendem uma história. Capa do livro "Seu banco", de Meghan Markle, de 2021 Reprodução Entrando na discussão, o Independent publicou um artigo divertido do jornalist

Nov 7, 2024 - 10:02
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Keira Knightley estrela polêmica sobre livro infantil feito por celebridades

Atriz de filmes como 'Piratas do Caribe' e 'Simplesmente amor' vai lançar obra para crianças em 2025; anúncio irritou autores britânicos consagrados, que reclamam da banalização do ofício Um livro para crianças que só será publicado em outubro de 2025 já está causando polêmica no Reino Unido. Ou melhor, reaquecendo um debate antigo sobre a qualidade e pertinência de obras infantojuvenis escritas por celebridades que se dedicam à literatura como um hobby fortuito. A famosa da vez é a atriz Keira Knightley, cujo livro “I love you just the same” (Te amo do mesmo jeito, em tradução livre) vem sendo anunciado pela prestigiada e centenária editora Simon and Schuster como “um clássico moderno”. A estrela da franquia “Piratas do Caribe” e de filmes como “Orgulho e preconceito” e “Simplesmente amor” assinará também as ilustrações da obra - que segundo a sinopse fala das grandes mudanças na vida de uma garota com a chegada de um irmão -, numa espécie de dupla estreia nesse segmento, portanto. Estreia: O cordel encantado de Stênio Gardel Antonio Skármeta: Escritor fala da ditadura militar no Chile pelos olhos de um menino O anúncio do futuro livro foi o suficiente para arrepiar os cabelos dos escritores britânicos de carreira, que começaram a lamentar a mais nova “invasão” do espaço, num debate que foi parar nos grandes jornais de lá (Guardian, Telegraph e Independent). No Guardian, a reportagem começa listando sucessos comerciais de estranhos recém-chegados no ninho, como os músicos Tom Fletcher e Dougie Poynter, da banda McFly, e de outros já mais estabelecidos, como o comediante David Walliams, da irreverente e finada série de TV “Little Britain”, que virou um fenômeno editorial com 25 milhões de livros vendidos apenas no Reino Unido (no Brasil ele é publicado pela Intrínseca). Para lembrar que a invasão não é nova, também cita Julie Andrews (autora de “Mandy”, de 1974) e Madonna, que em 2003 entrou no circuito com o primeiro título da série “As rosas inglesas”, publicada no mundo inteiro, incluindo aqui (pela Rocco). A discussão é boa e vai além do mero mimimi protecionista da classe, com muitos pontos pertinentes levantados por escritores, críticos e livreiros entrevistados pelo jornal. Um deles é a desigualdade de recursos de divulgação destinados aos livros das celebridades quando comparados aos minguados que a maioria dos autores, e principalmente os de livros para crianças, recebe. Famosos também não ralam nas longas filas de espera de aprovação de originais. E embora há quem observe que quando uma estrela lança um título infantil promove uma boa onda para o setor, ajudando a editora a financiar obras de quem não fatura tanto assim, e levando mais diversidade e representatividade para as páginas, o tom geral é de lamento e desapontamento com a chegada de mais um célebre intruso. Ilustração do livro "As rosas inglesas", lançado por Madonna em 2003 Reprodução É curioso, mas não surpreendente, que a iniciativa de lançar livros para crianças aconteça quase sempre quando pessoas que nunca escreveram, como atores, cantores, jogadores e demais estrelas de áreas alheias, se tornam pais e mães - Keira já tem dois filhos, aliás. A partir daí passam a acreditar que terão igual sucesso no novo papel. Já vimos esse filme muitas e muitas vezes, lá fora e aqui no Brasil. Porém, como em qualquer tipo de trabalho, às vezes dá certo, e louvem-se os méritos, e às vezes não dá. 'Escrever para crianças é uma arte' A crítica mais contundente e pertinente dos escritores é justamente a que aponta a, digamos, banalização do ofício. Ao se aventurarem nesse campo, as celebridades, que muitas vezes nem escrevem os próprios livros, apelando aos ghost writers, fazem “a ficção infantil parecer algo barato e ralo, em vez do que realmente é – uma literatura com suas próprias estranhezas, seu próprio poder”, afirma a escritora Katherine Rundell. Com ela concorda Joshua Seigal, artista, educador e autor premiado: “Escrever para crianças é uma arte. Exige habilidade, prática e disciplina. Trabalho duro e é bastante irritante que as pessoas pareçam pensar que é algo fácil de fazer”. A reportagem do Guardian aponta títulos elogiados e comenta alguns que floparam, apesar de toda a fama do autor, como o do Rolling Stone Keith Richards e o de Meghan Markle, a Duquesa de Sussex. O livro dela, “Seu banco”, vendeu apenas 8 mil cópias em todo o Reino Unido, um número considerado muito baixo para o mercado editorial local. Esse fracasso até poderia ficar na conta de uma certa má vontade dos súditos britânicos com a atriz, vista como um elemento desagregador da família real. Contudo, a verdade é que a obra, lançada aqui pela Companhia das Letrinhas, é mesmo fraquinha, com fiapos de frases (é um poema para Harry, feito após o nascimento do primeiro filho do casal) que não rendem uma história. Capa do livro "Seu banco", de Meghan Markle, de 2021 Reprodução Entrando na discussão, o Independent publicou um artigo divertido do jornalista e escritor David Barnett. Autor de 14 romances, Barnett pede ao leitor que imagine uma cena na qual ele bate à porta da casa da atriz com uma pilha de cartazes e um toca-fitas. Sim, ele constrói o texto reencenando a famosa cena de “Simplesmente amor”, aquela em que a personagem de Keira recebe a declaração apaixonada e sem esperanças do melhor amigo. Entre tiradas irônicas e elogios idem (diz ele que até já leu “frases concatenadas” da moça), Barnett volta ao ponto da banalização da escrita, confessando-se “realmente irritado” ao perceber que escrever um livro, e principalmente um livro para crianças, é apenas mais uma atividade a ser preenchida na lista de tarefas de quem não vive e não viverá diariamente da arte de burilar palavras. No último cartaz imaginário para a atriz, o escritor deixa seu recado: “Meu coração arrasado vai querer escrever livros até eu parecer uma múmia ressecada. Ou até a IA aprender a fazer isso de forma suficientemente convincente para que a indústria editorial não precise de nenhum de nós. Bem-vinda ao clube de autores. Espero que você possa usar sua plataforma para dar exposição a alguns dos incríveis autores e ilustradores infantis que existem por aí.” No Teleghaph, outro artigo mordaz já diz a que veio pelo título, “Poupe-me do inferno do livro infantil de celebridades.” Nele, o editor, crítico e apresentador de rádio William Sitwell ridiculariza a classe invasora (e também sobra para Meghan Markle), descreve como “nauseante” a sinopse da futura obra (“já posso ouvir o ranger de dentes de autores infantis de verdade”) e chega ao ponto: escrever para crianças é “o tipo mais difícil de ficção”. Agora é esperar para ver se a estreia de Keira em novo papel será convincente, daquele tipo capaz de fazer os críticos morderem a língua.

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