HRW acusa Israel de crime contra a Humanidade por deslocamento forçado de mais de 90% da população de Gaza
Relatório da organização revelou condições das ordens de retirada de civis e alega que forças israelenses estão promovendo 'limpeza étnica' ao inviabilizar retorno de moradores Mais de 90% da população da Faixa de Gaza foi forçada a abandonar suas casas — muitas mais de uma vez — em razão da guerra que aflige o território há mais de um ano, formando um contingente de 1,9 milhão de deslocados num total de 2,2 milhões de residentes. No entanto, mesmo áreas sinalizadas como seguras e rotas para saída de civis foram bombardeados pelas forças de Israel. Por outro lado, o retorno dos moradores após o término dos confrontos tem sido inviabilizado com a destruição em massa de infraestruturas civis, uma violação flagrante do direito internacional. As acusações foram feitas pela organização internacional Human Rights Watch (HRW) em um relatório de 154 páginas publicado nesta quinta-feira, construído a partir dos depoimentos de 39 palestinos deslocados em Gaza. A HRW também verificou vídeos e fotos de ataques em regiões designadas como seguras e analisou o sistema de evacuação israelense, incluindo 184 ordens de retirada e imagens de satélite que comprovam a destruição em massa de estruturas civis. Apagão em Gaza: Palestinos vivem no escuro há mais de um ano após Israel cortar rede elétrica Catástrofe: Situação no norte de Gaza é cada vez mais descrita como 'limpeza étnica', diz chefe da diplomacia da UE — A primeira coisa que pensei foi na Nakba [“A Catástrofe”] de 1948, achei que [as autoridades israelenses] estavam tentando fazer isso de novo, tomar nossas terras e nossas casas novamente — contou Hassan a HRW, um homem de 49 anos que fugiu com sua família de sua casa perto de Jabalia, no norte de Gaza, para Khan Younis, no sul, em 30 de novembro de 2023. — Quando ouvi a ordem de evacuação para ir para o sul, minha primeira reação foi: Não vou sair daqui. Não é uma opção deixar tudo pelo que trabalhei... Mas então as bombas começaram e nossas casas estavam sendo destruídas, eu precisava proteger minha família. Foi por isso que finalmente fui embora. A HRW pontua que, em vez de garantir que civis sejam impactados o mínimo possível com conflito, as ordens de retirada de Israel provocaram milhares de danos à população civil e suas infraestruturas, e mesmo rotas de evacuação e zonas designadas como seguras foram alvos de bombardeios. A ONG afirma ainda que os pedidos de retirada costumam ser imprecisos e não dão tempo suficiente para permitir que a população civil deixe áreas de risco. Em muitos casos, as ordens não levam em consideração as necessidades de pessoas com deficiência e outras que precisam de auxiliam de terceiros para sair do local. — O governo israelense não pode alegar que está mantendo os palestinos em segurança quando os mata ao longo das rotas de fuga, bombardeia as chamadas zonas seguras e corta alimentos, água e saneamento — disse Nadia Hardman, pesquisadora de direitos de refugiados e migrantes da Human Rights Watch. — Israel violou flagrantemente sua obrigação de garantir que os palestinos possam voltar para casa, arrasando praticamente tudo em grandes áreas. Palestinos carregam seus pertences enquanto fogem de áreas ao norte da Cidade de Gaza Omar AL-QATTAA / AFP A Human Rights Watch destacou a obrigação de Israel, enquanto ocupante do território, em garantir que os civis deslocados retornem a suas casas após o término das hostilidades. No entanto, a organização afirma que isso se tornou impossível diante da demolição, em alguns casos intencional, da infraestrutura civil. "A destruição é tão substancial que indica a intenção de deslocar permanentemente muitas pessoas", aponta o relatório, sinalizando o objetivo aparente de criar zonas tampão e corredores de segurança entre Gaza e Israel nessas áreas amplamente destruídas, inviabilizando o retorno dos seus moradores. Além disso, a HRW enfatiza que "Israel é obrigado a garantir instalações adequadas para acomodar os civis deslocados", mas tem impedido a chegada de ajuda humanitária suficiente no enclave palestino. A ONG afirma que os ataques destruíram infraestruturas essenciais para a sobrevivência dos civis, como hospitais, escolas (muitas das quais passaram a servir como abrigos), infraestrutura de água e energia, padarias e terras agrícolas. Guga Chacra: Trump, Gaza e Ucrânia Há um mês, os ministros das Relações Exteriores e da Defesa dos EUA, Antony Blinken e Lloyd Austin, enviaram uma carta ao Estado judeu com uma série de exigências destinadas a facilitar a entrada de ajuda humanitária no território, cujas remessas atingiram seu nível mais baixo em setembro. As autoridades deram um prazo de 30 dias para resposta, ameaçando suspender parte da assistência militar ao país caso a medida não fosse cumprida, uma vez que violaria a lei americana. O texto foi o recado mais contundente dos EUA sobre a situação humanitária no enclave desde o início da guerra, em 7 de outubro de 2023, que já resultou na morte de 42 mil palestinos, 70% deles
Relatório da organização revelou condições das ordens de retirada de civis e alega que forças israelenses estão promovendo 'limpeza étnica' ao inviabilizar retorno de moradores Mais de 90% da população da Faixa de Gaza foi forçada a abandonar suas casas — muitas mais de uma vez — em razão da guerra que aflige o território há mais de um ano, formando um contingente de 1,9 milhão de deslocados num total de 2,2 milhões de residentes. No entanto, mesmo áreas sinalizadas como seguras e rotas para saída de civis foram bombardeados pelas forças de Israel. Por outro lado, o retorno dos moradores após o término dos confrontos tem sido inviabilizado com a destruição em massa de infraestruturas civis, uma violação flagrante do direito internacional. As acusações foram feitas pela organização internacional Human Rights Watch (HRW) em um relatório de 154 páginas publicado nesta quinta-feira, construído a partir dos depoimentos de 39 palestinos deslocados em Gaza. A HRW também verificou vídeos e fotos de ataques em regiões designadas como seguras e analisou o sistema de evacuação israelense, incluindo 184 ordens de retirada e imagens de satélite que comprovam a destruição em massa de estruturas civis. Apagão em Gaza: Palestinos vivem no escuro há mais de um ano após Israel cortar rede elétrica Catástrofe: Situação no norte de Gaza é cada vez mais descrita como 'limpeza étnica', diz chefe da diplomacia da UE — A primeira coisa que pensei foi na Nakba [“A Catástrofe”] de 1948, achei que [as autoridades israelenses] estavam tentando fazer isso de novo, tomar nossas terras e nossas casas novamente — contou Hassan a HRW, um homem de 49 anos que fugiu com sua família de sua casa perto de Jabalia, no norte de Gaza, para Khan Younis, no sul, em 30 de novembro de 2023. — Quando ouvi a ordem de evacuação para ir para o sul, minha primeira reação foi: Não vou sair daqui. Não é uma opção deixar tudo pelo que trabalhei... Mas então as bombas começaram e nossas casas estavam sendo destruídas, eu precisava proteger minha família. Foi por isso que finalmente fui embora. A HRW pontua que, em vez de garantir que civis sejam impactados o mínimo possível com conflito, as ordens de retirada de Israel provocaram milhares de danos à população civil e suas infraestruturas, e mesmo rotas de evacuação e zonas designadas como seguras foram alvos de bombardeios. A ONG afirma ainda que os pedidos de retirada costumam ser imprecisos e não dão tempo suficiente para permitir que a população civil deixe áreas de risco. Em muitos casos, as ordens não levam em consideração as necessidades de pessoas com deficiência e outras que precisam de auxiliam de terceiros para sair do local. — O governo israelense não pode alegar que está mantendo os palestinos em segurança quando os mata ao longo das rotas de fuga, bombardeia as chamadas zonas seguras e corta alimentos, água e saneamento — disse Nadia Hardman, pesquisadora de direitos de refugiados e migrantes da Human Rights Watch. — Israel violou flagrantemente sua obrigação de garantir que os palestinos possam voltar para casa, arrasando praticamente tudo em grandes áreas. Palestinos carregam seus pertences enquanto fogem de áreas ao norte da Cidade de Gaza Omar AL-QATTAA / AFP A Human Rights Watch destacou a obrigação de Israel, enquanto ocupante do território, em garantir que os civis deslocados retornem a suas casas após o término das hostilidades. No entanto, a organização afirma que isso se tornou impossível diante da demolição, em alguns casos intencional, da infraestrutura civil. "A destruição é tão substancial que indica a intenção de deslocar permanentemente muitas pessoas", aponta o relatório, sinalizando o objetivo aparente de criar zonas tampão e corredores de segurança entre Gaza e Israel nessas áreas amplamente destruídas, inviabilizando o retorno dos seus moradores. Além disso, a HRW enfatiza que "Israel é obrigado a garantir instalações adequadas para acomodar os civis deslocados", mas tem impedido a chegada de ajuda humanitária suficiente no enclave palestino. A ONG afirma que os ataques destruíram infraestruturas essenciais para a sobrevivência dos civis, como hospitais, escolas (muitas das quais passaram a servir como abrigos), infraestrutura de água e energia, padarias e terras agrícolas. Guga Chacra: Trump, Gaza e Ucrânia Há um mês, os ministros das Relações Exteriores e da Defesa dos EUA, Antony Blinken e Lloyd Austin, enviaram uma carta ao Estado judeu com uma série de exigências destinadas a facilitar a entrada de ajuda humanitária no território, cujas remessas atingiram seu nível mais baixo em setembro. As autoridades deram um prazo de 30 dias para resposta, ameaçando suspender parte da assistência militar ao país caso a medida não fosse cumprida, uma vez que violaria a lei americana. O texto foi o recado mais contundente dos EUA sobre a situação humanitária no enclave desde o início da guerra, em 7 de outubro de 2023, que já resultou na morte de 42 mil palestinos, 70% deles mulheres e crianças, segundo a ONU. Na carta, os EUA pediram que ao menos 350 caminhões de ajuda fossem autorizados a entrar em Gaza por dia para atender as demandas da população. No entanto, segundo Louise Wateridge, coordenadora de emergências da principal agência de ajuda das Nações Unidas para refugiados palestinos no território (UNRWA, na sigla em inglês), a média de outubro foi de 37 caminhões por dia. Antes da guerra, 500 caminhões de ajuda humanitária entravam diariamente em Gaza, aponta a UNRWA. Apesar da resposta considerada insuficiente pela ONU, os EUA afirmaram na terça-feira, data em que o prazo expirou, que Israel não violou a lei americana, que exige que países que recebem suas armas “facilitem e não neguem, restrinjam ou impeçam arbitrariamente” a assistência humanitária fornecida ou apoiada pelos EUA. Initial plugin text A situação é ainda mais preocupante no norte de Gaza, onde o Exército iniciou um cerco no mês passado que agravou a calamidade na região e, segundo a HRW, impulsionou uma nova onda de deslocamento. Segundo a HRW, as evidências documentadas no relatório comprovam a ocorrência de crimes de guerra e contra Humanidade cometidos por Israel. Desde 2021, o país é investigado por supostas violações cometidas em territórios palestinos pelo Tribunal Penal Internacional (TPI), em Haia, a pedido da Autoridade Nacional Palestina (ANP) — que controla a Cisjordânia e é signatária do Estatuto de Roma, no qual a corte se baseia. Embora Israel não reconheça o TPI, caso as condutas sejam comprovadas, os mandantes das ações — como o alto-comando militar e a cúpula do governo israelense, incluindo o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu — poderiam ser julgados. Isso porque o tribunal não pune Estados, apenas indivíduos, e nem mesmo chefes de Estado têm imunidade. Após pressão dos EUA: Israel permite entrada de 50 caminhões de ajuda humanitária em Gaza O Estatuto de Roma caracteriza como crime de guerra violações à Convenção de Genebra, promulgada em 1949 no contexto pós-Segunda Guerra Mundial, durante confrontos ativos. Eles incluem cenários como ataques intencionais contra civis e instalações como hospitais, escolas, templos religiosos e monumentos históricos e restrição ao acesso a suprimentos essenciais à sobrevivência. Os crimes de lesa-Humanidade, por outro lado, não precisam acontecer necessariamente durante um conflito armado. Segundo o estatuto, são violações cometidas "como parte de um amplo ou sistemático ataque direcionado a qualquer população civil", relacionadas ou não às características que unem aquele povo. Nesta categoria incluem-se a deportação ou deslocamento forçado de uma população, a perseguição aos seus direitos civis, o extermínio por meio da privação ao acesso a alimentos e medicamentos e o apartheid. Prédios destruídos em Khan Younis, no sul da Faixa de Gaza, na quinta-feira Bashar Taleb/Agence France-Presse Na avaliação da Human Rights Watch, as evidências de deslocamento forçado como parte de uma política de Estado contra os palestinos equivalem à limpeza étnica e, portanto, provam a prática de crime contra a Humanidade. A ONG ainda cita o cerco militar à Gaza, que dura 17 anos, como parte de uma política da apartheid que também viola o Direito Internacional Humanitário (DIH). Nesse sentido, a organização insta a promotoria do TPI a incluir o deslocamento forçado de palestinos no território nas investigações do tribunal e cobra governos ao redor do mundo a condenarem esforços de intimidação ao tribunal. A HRW também sugere a adoção de sanções contra Israel e pede que países como EUA e Alemanha suspendam o fornecimento de armas às forças israelenses, sob o risco de cumplicidade com os crimes de guerra e contra a Humanidade que a ONG alega estarem sendo cometidos. — Ninguém pode negar os crimes que os militares israelenses estão cometendo contra os palestinos em Gaza — disse Hardman. — A transferência de mais armas e assistência a Israel pelos Estados Unidos, Alemanha e outros países é um cheque em branco para mais atrocidades e os coloca cada vez mais em risco de cumplicidade.
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