Depósito de gás, ferro-velho e barraca de frutas: veja onde policiais do 'tour da propina' faziam as extorsões

Em frente a esses locais, agentes fardados paravam a viatura, acionavam uma sirene para avisar que já tinham chegado e recolhiam dinheiro, frutas e engradados de cerveja dos comerciantes Os destinos da “tropa da boquinha”, sempre às sextas-feiras, eram variados: ferros-velhos, distribuidora de gás, depósito de bebidas, hostrifrútis, estabelecimentos de reciclagem, loja de material de construção. Desde estabelecimentos ilegais aos regularizados. Em frente a esses locais, policiais fardados paravam a viatura, por vezes acionavam uma sirene para avisar que já tinham chegado e recolhiam não apenas dinheiro dos comerciantes, mas também frutas e até engradados de cerveja para um churrasco. Esse “tour da propina”, que acontecia na Baixada Fluminense, foi alvo ontem de uma operação que prendeu, até o fechamento desta edição, 21 policiais militares. 'Não tem como olhar dez mil policiais': agente preso por 'tour da propina' ironiza fiscalização de câmera corporal Veja vídeo: briga de trânsito no Leblon tem mulher levada em capô de carro até a Gávea Nesta quinta-feira, a Corregedoria da PM, em conjunto com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), realizou a Operação Segreto, que tinha como alvo 22 policiais (1 subtenente; 11 sargentos; 6 cabos; e 4 soldados). Além dos mandados de prisão, foram cumpridos outros 58 de busca e apreensão no inquérito que apura extorsões e ameaças que teriam sido cometidas pelos agentes a comerciantes de Nova Iguaçu. Os militares foram denunciados por corrupção passiva, negativa de obediência e associação criminosa. Segundo a denúncia, foi identificado o recolhimento de valores em 54 estabelecimentos. A cobrança tinha dia certo: sempre às sextas. Por isso, o esquema do grupo foi chamado de “tour da propina”, como destacou o MPRJ, porque visitava a arrecadar dinheiro ilicitamente passando sequencialmente em cada um dos comércios para retirar os valores (e produtos). O Ministério Público destacou que esse tipo de ação dos envolvidos transformou o serviço na PM “numa verdadeira caçada ao ‘arrego’”. Os investigadores incluíram na denúncia contra os PMs vários diálogos gravados pelas câmeras corporais usadas por eles. Em vários momentos, os agentes falam sobre a arrecadação de propina de forma habitual. “Se eu vou fazer merda, eu não vou usar a câmera. Eu vou filmar o meu próprio crime? Que po**a é essa! Idiotice, cara. Não tem coerência”, chegou a “explicar” um sargento investigado a um colega. Uma outra conversa flagrada pela investigação mostra a surpresa de uma equipe ao passar por um estabelecimento e, ao ver outra viatura já parada no local, constatar: “Ih, cara***, chegaram primeiro”. A denúncia do Ministério Público aponta ainda que policiais investigados “desobedeceram a ordem legal de autoridade militar, ao deixarem de atender uma ocorrência recebida no rádio comunicador da viatura”, pois próximo ao horário estavam pegando propina num centro de reciclagem. Segundo a porta-voz da Polícia Militar, tenente-coronel Cláudia Moraes, ainda não se sabe o montante que os envolvidos teriam conseguido arrecadar por meio das extorsões. A investigação é feita pela Corregedoria através da 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar. — Tratava-se de um esquema em que eles extorquiam determinados valores. Então, provavelmente, a gente está falando de um montante muito alto. Mas esse dinheiro não está reunido num lugar — disse a porta-voz da PM. Os crimes aconteceram no segundo semestre de 2023 e, à época, os investigados estavam lotados no 20º Batalhão (Mesquita). As vítimas eram da área sob cuidado da repartição. As investigações tiveram início a partir de uma denúncia anônima relatando que policiais do 20ª BPM estariam recolhendo propina de uma loja de reciclagem de materiais no bairro Miguel Couto, em Nova Iguaçu. Segundo o MPRJ, com os primeiros indícios, a Delegacia de Polícia Judiciária Militar passou a realizar o monitoramento de agentes e conseguiu verificar que várias guarnições do batalhão de Mesquita praticavam o crime de extorsão em outros estabelecimentos comerciais de naturezas diversas. Sempre às sextas-feiras, os policiais envolvidos paravam brevemente a viatura nos estabelecimentos, a quantia então era entregue por alguém ou um dos PMs entrava no local, onde ficava por poucos minutos antes de retornar ao carro e sair. Em geral, eram estabelecimentos de reciclagem e ferros-velhos, mas também distribuidores de gás, lojas de construção, entre outros tipos de comércio. Além de quantias em dinheiro, a investigação flagrou os policiais recolhendo engradados de cerveja em depósitos e até frutas em um hortifrúti. A tenente-coronel Cláudia Moraes falou da importância de vítimas ou de testemunhas denunciarem esse tipo de crime às autoridades: — Se a pessoa está passando por um tipo de situação, qualquer tipo de desvio por parte de policiais militares, a gente tem a ouvidoria da Polícia Militar, existe o Disque Denúncia, existem vários canais para que possam fazer essas denú

Nov 8, 2024 - 08:50
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Depósito de gás, ferro-velho e barraca de frutas: veja onde policiais do 'tour da propina' faziam as extorsões

Em frente a esses locais, agentes fardados paravam a viatura, acionavam uma sirene para avisar que já tinham chegado e recolhiam dinheiro, frutas e engradados de cerveja dos comerciantes Os destinos da “tropa da boquinha”, sempre às sextas-feiras, eram variados: ferros-velhos, distribuidora de gás, depósito de bebidas, hostrifrútis, estabelecimentos de reciclagem, loja de material de construção. Desde estabelecimentos ilegais aos regularizados. Em frente a esses locais, policiais fardados paravam a viatura, por vezes acionavam uma sirene para avisar que já tinham chegado e recolhiam não apenas dinheiro dos comerciantes, mas também frutas e até engradados de cerveja para um churrasco. Esse “tour da propina”, que acontecia na Baixada Fluminense, foi alvo ontem de uma operação que prendeu, até o fechamento desta edição, 21 policiais militares. 'Não tem como olhar dez mil policiais': agente preso por 'tour da propina' ironiza fiscalização de câmera corporal Veja vídeo: briga de trânsito no Leblon tem mulher levada em capô de carro até a Gávea Nesta quinta-feira, a Corregedoria da PM, em conjunto com o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MPRJ), realizou a Operação Segreto, que tinha como alvo 22 policiais (1 subtenente; 11 sargentos; 6 cabos; e 4 soldados). Além dos mandados de prisão, foram cumpridos outros 58 de busca e apreensão no inquérito que apura extorsões e ameaças que teriam sido cometidas pelos agentes a comerciantes de Nova Iguaçu. Os militares foram denunciados por corrupção passiva, negativa de obediência e associação criminosa. Segundo a denúncia, foi identificado o recolhimento de valores em 54 estabelecimentos. A cobrança tinha dia certo: sempre às sextas. Por isso, o esquema do grupo foi chamado de “tour da propina”, como destacou o MPRJ, porque visitava a arrecadar dinheiro ilicitamente passando sequencialmente em cada um dos comércios para retirar os valores (e produtos). O Ministério Público destacou que esse tipo de ação dos envolvidos transformou o serviço na PM “numa verdadeira caçada ao ‘arrego’”. Os investigadores incluíram na denúncia contra os PMs vários diálogos gravados pelas câmeras corporais usadas por eles. Em vários momentos, os agentes falam sobre a arrecadação de propina de forma habitual. “Se eu vou fazer merda, eu não vou usar a câmera. Eu vou filmar o meu próprio crime? Que po**a é essa! Idiotice, cara. Não tem coerência”, chegou a “explicar” um sargento investigado a um colega. Uma outra conversa flagrada pela investigação mostra a surpresa de uma equipe ao passar por um estabelecimento e, ao ver outra viatura já parada no local, constatar: “Ih, cara***, chegaram primeiro”. A denúncia do Ministério Público aponta ainda que policiais investigados “desobedeceram a ordem legal de autoridade militar, ao deixarem de atender uma ocorrência recebida no rádio comunicador da viatura”, pois próximo ao horário estavam pegando propina num centro de reciclagem. Segundo a porta-voz da Polícia Militar, tenente-coronel Cláudia Moraes, ainda não se sabe o montante que os envolvidos teriam conseguido arrecadar por meio das extorsões. A investigação é feita pela Corregedoria através da 8ª Delegacia de Polícia Judiciária Militar. — Tratava-se de um esquema em que eles extorquiam determinados valores. Então, provavelmente, a gente está falando de um montante muito alto. Mas esse dinheiro não está reunido num lugar — disse a porta-voz da PM. Os crimes aconteceram no segundo semestre de 2023 e, à época, os investigados estavam lotados no 20º Batalhão (Mesquita). As vítimas eram da área sob cuidado da repartição. As investigações tiveram início a partir de uma denúncia anônima relatando que policiais do 20ª BPM estariam recolhendo propina de uma loja de reciclagem de materiais no bairro Miguel Couto, em Nova Iguaçu. Segundo o MPRJ, com os primeiros indícios, a Delegacia de Polícia Judiciária Militar passou a realizar o monitoramento de agentes e conseguiu verificar que várias guarnições do batalhão de Mesquita praticavam o crime de extorsão em outros estabelecimentos comerciais de naturezas diversas. Sempre às sextas-feiras, os policiais envolvidos paravam brevemente a viatura nos estabelecimentos, a quantia então era entregue por alguém ou um dos PMs entrava no local, onde ficava por poucos minutos antes de retornar ao carro e sair. Em geral, eram estabelecimentos de reciclagem e ferros-velhos, mas também distribuidores de gás, lojas de construção, entre outros tipos de comércio. Além de quantias em dinheiro, a investigação flagrou os policiais recolhendo engradados de cerveja em depósitos e até frutas em um hortifrúti. A tenente-coronel Cláudia Moraes falou da importância de vítimas ou de testemunhas denunciarem esse tipo de crime às autoridades: — Se a pessoa está passando por um tipo de situação, qualquer tipo de desvio por parte de policiais militares, a gente tem a ouvidoria da Polícia Militar, existe o Disque Denúncia, existem vários canais para que possam fazer essas denúncias, de forma segura e anônima, se assim preferirem. Ou então, se não quer fazer de forma anônima, pode procurar diretamente a Corregedoria — salienta a porta-voz da PM, acrescentando: — Essa é uma ação que a gente não gosta de fazer. Não é motivo de felicidade para a gente estar aqui comunicando esse tipo de coisa, porque a gente está falando de algo que nos constrange enquanto instituição, mas isso não reflete a instituição como um todo. A tenente-coronel Cláudia Moraes explica como os policiais burlavam o uso de câmera corporal acoplada ao uniforme para que os crimes não fossem gravados. Segundo a porta-voz, o Rio de Janeiro é o estado com o maior número de câmeras ativas (são 13 mil), e há a determinação para o uso durante todo o serviço. — A não utilização da câmera, segundo a Corregedoria, é considerada falta grave. O policial pode ser punido e até excluído. Por conta disso, esses policiais faziam tentativas de burlar essa câmera, ou tentar ocultar e esconder, ou até mesmo não pegar a câmera durante o serviço, o que já caracteriza uma falta grave — conta Cláudia Moraes, que continua: — A ideia deles era exatamente tentar mascarar a questão da câmera como algo que temos utilizado hoje, tanto para a transparência da atividade da Polícia Militar, quanto também para as atividades de Corregedoria.

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