Camila Pitanga fala sobre sexualidade livre: 'Amei muito e fui muito amada'
Atriz está em viagem aos EUA para divulgar "Malês', longa dirigido pelo pai, Antonio, e fala sobre luta antirracista e relembra infância com responsabilidades de adulta Um dia antes desta entrevista, Camila Pitanga usou o Instagram para comentar a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos. “Tempos difíceis”, escreveu, após sublinhar a vitória de um candidato “que humilha mulheres, imigrantes, negros e cuja agenda é pautada em mentira e violência”. Mas o alerta não deve ser lido como derrotismo. A atriz acaba de embarcar para os EUA, onde corre universidades (Harvard, Pensilvânia e Princeton) para divulgar o filme “Malês”. Com estreia nos cinemas prevista para 2025, o longa retrata o levante feito em Salvador, em 1835, liderado por escravizados de origem muçulmana. Juliana Alves fala sobre sensualidade: 'Ser sexy é ser livre' Duda Beat: 'Já fiz dieta da sopa, da carne, da proteína. O feminismo me ajudou a sair dessa' Vladimir Brichta: 'Recomendo que se casem mais de uma vez' Sentada num sofá, na sala da casa onde mora no Rio, e emoldurada por um conjunto de três telas coloridas de Gabriela Machado, a atriz, de 47 anos, reconhece não ter processado tudo o que os resultados do pleito representam. Mas não tem dúvidas quanto à urgência do lançamento do longa. “Essas eleições nos instigam a considerar como trabalhos que pensam a História e o seu tempo podem fomentar uma visão mais progressista, em contraponto a uma situação nada progressista”, diz. Na produção dirigida por seu pai, o ator Antonio Pitanga, ao lado de quem embarcou para a viagem ao país, Camila interpreta Sabina, uma escravizada de ganho. Por essa condição, a personagem teme perder as conquistas e fura o levante. A atitude, segundo a atriz, não faz dela a grande vilã, papel exclusivo do racismo. “Pensar sobre Malês é algo muito atual. Nós, negros, não somos uma massa só. Temos pontos de partidas, anseios, desejos e lugares diferenciados, mesmo diante da existência de uma dimensão linda, que é a coletiva, de movimentos de pessoas que não se submeteram e furaram o lugar destinado a elas.” Entrevista: Paola Carosella revisita trajetória na cozinha e relembra importunação sexual aos 12 anos Tilda Swinton sobre indústria cinematográfica: 'Não sei sobre Hollywood. Vivo em outro planeta' Às vésperas do Dia da Consciência Negra, nesta quarta-feira, Camila não está interessada em falar apenas das dores. No dia da postagem sobre Trump, celebrou, em outro Stories, a presença simultânea e inédita de protagonistas negras nas três faixas de novelas da TV Globo. “Precisamos fazer denúncias, quebrar vidraças e mostrar insubmissão. Mas é fundamental falarmos das conquistas, do que nos inspira”, defende. Ao fazer essas e outras elaborações ao longo de duas horas de conversa, a atriz se define como um “caleidoscópio de atravessamentos”. E cita experiências um tanto radicais, vivenciadas desde a infância. Seu pai e sua mãe, a também atriz Vera Manhães, se separaram quando ela e o irmão, Rocco, três anos mais novo, ainda eram crianças. Diagnosticada com transtorno de personalidade paranoide, Vera tinha oscilações de humor, e os filhos ficaram, então, com o pai, numa configuração que rompia com os modelos romantizados de família. Sem lamentos, a atriz olha para o passado com generosidade. “Gosto de ler o escape, a loucura, como um movimento de inconformidade. Queriam chapar minha mãe num lugar ao qual ela não se submeteu, mas chega uma hora em que o corpo e a cabeça não aguentam”, comenta, sobre Vera, que se afastou da carreira artística em função da saúde mental. Ícone francesa: Caroline de Maigret fala da chegada aos 50 e relação com o espelho Menopausa: saiba que alimentos evitar para aliviar os sintomas e garantir o bem-estar físico Diante do quadro, Camila assumiu, por volta dos 10 anos, algumas responsabilidades e administrava o cotidiano da casa, quando o pai precisava se ausentar. Foi assim, por exemplo, que o convenceu a dispensar uma funcionária que fazia uma comida intragável. Decisão tomada à distância, enquanto Pitanga estava em gravações no Pantanal. Ela, então, se organizou com os vizinhos em relação à alimentação, já que era nova para cozinhar. “Confiando na maturidade daquela menina, meu pai deu aval para que eu resolvesse tudo”, recorda-se. Aos 85 anos, Pitanga reconhece que passar por tudo isso foi uma oportunidade de aprendizado mútua. “Não sei quem criou quem”, afirma, entre risadas com notas de orgulho. “Eu era briguento, e meus filhos me fizeram baixar a guarda e me despir de todos os tipos de atitude de um pai que é o dono da verdade. A Camila me humanizou de uma maneira muito forte com seu olhar que resplandece amor.” A maturidade foi importante também para que a atriz tomasse, desde cedo, as rédeas da carreira. Eleita Musa do Verão na década de 1990, mesma época em que estreou na TV como uma modelo na minissérie “Sex appeal”, da Globo, entendeu logo que não queria ser reduzida a símbolo sexual. “Isso me incomodava porque era mais forte
Atriz está em viagem aos EUA para divulgar "Malês', longa dirigido pelo pai, Antonio, e fala sobre luta antirracista e relembra infância com responsabilidades de adulta Um dia antes desta entrevista, Camila Pitanga usou o Instagram para comentar a reeleição de Donald Trump nos Estados Unidos. “Tempos difíceis”, escreveu, após sublinhar a vitória de um candidato “que humilha mulheres, imigrantes, negros e cuja agenda é pautada em mentira e violência”. Mas o alerta não deve ser lido como derrotismo. A atriz acaba de embarcar para os EUA, onde corre universidades (Harvard, Pensilvânia e Princeton) para divulgar o filme “Malês”. Com estreia nos cinemas prevista para 2025, o longa retrata o levante feito em Salvador, em 1835, liderado por escravizados de origem muçulmana. Juliana Alves fala sobre sensualidade: 'Ser sexy é ser livre' Duda Beat: 'Já fiz dieta da sopa, da carne, da proteína. O feminismo me ajudou a sair dessa' Vladimir Brichta: 'Recomendo que se casem mais de uma vez' Sentada num sofá, na sala da casa onde mora no Rio, e emoldurada por um conjunto de três telas coloridas de Gabriela Machado, a atriz, de 47 anos, reconhece não ter processado tudo o que os resultados do pleito representam. Mas não tem dúvidas quanto à urgência do lançamento do longa. “Essas eleições nos instigam a considerar como trabalhos que pensam a História e o seu tempo podem fomentar uma visão mais progressista, em contraponto a uma situação nada progressista”, diz. Na produção dirigida por seu pai, o ator Antonio Pitanga, ao lado de quem embarcou para a viagem ao país, Camila interpreta Sabina, uma escravizada de ganho. Por essa condição, a personagem teme perder as conquistas e fura o levante. A atitude, segundo a atriz, não faz dela a grande vilã, papel exclusivo do racismo. “Pensar sobre Malês é algo muito atual. Nós, negros, não somos uma massa só. Temos pontos de partidas, anseios, desejos e lugares diferenciados, mesmo diante da existência de uma dimensão linda, que é a coletiva, de movimentos de pessoas que não se submeteram e furaram o lugar destinado a elas.” Entrevista: Paola Carosella revisita trajetória na cozinha e relembra importunação sexual aos 12 anos Tilda Swinton sobre indústria cinematográfica: 'Não sei sobre Hollywood. Vivo em outro planeta' Às vésperas do Dia da Consciência Negra, nesta quarta-feira, Camila não está interessada em falar apenas das dores. No dia da postagem sobre Trump, celebrou, em outro Stories, a presença simultânea e inédita de protagonistas negras nas três faixas de novelas da TV Globo. “Precisamos fazer denúncias, quebrar vidraças e mostrar insubmissão. Mas é fundamental falarmos das conquistas, do que nos inspira”, defende. Ao fazer essas e outras elaborações ao longo de duas horas de conversa, a atriz se define como um “caleidoscópio de atravessamentos”. E cita experiências um tanto radicais, vivenciadas desde a infância. Seu pai e sua mãe, a também atriz Vera Manhães, se separaram quando ela e o irmão, Rocco, três anos mais novo, ainda eram crianças. Diagnosticada com transtorno de personalidade paranoide, Vera tinha oscilações de humor, e os filhos ficaram, então, com o pai, numa configuração que rompia com os modelos romantizados de família. Sem lamentos, a atriz olha para o passado com generosidade. “Gosto de ler o escape, a loucura, como um movimento de inconformidade. Queriam chapar minha mãe num lugar ao qual ela não se submeteu, mas chega uma hora em que o corpo e a cabeça não aguentam”, comenta, sobre Vera, que se afastou da carreira artística em função da saúde mental. Ícone francesa: Caroline de Maigret fala da chegada aos 50 e relação com o espelho Menopausa: saiba que alimentos evitar para aliviar os sintomas e garantir o bem-estar físico Diante do quadro, Camila assumiu, por volta dos 10 anos, algumas responsabilidades e administrava o cotidiano da casa, quando o pai precisava se ausentar. Foi assim, por exemplo, que o convenceu a dispensar uma funcionária que fazia uma comida intragável. Decisão tomada à distância, enquanto Pitanga estava em gravações no Pantanal. Ela, então, se organizou com os vizinhos em relação à alimentação, já que era nova para cozinhar. “Confiando na maturidade daquela menina, meu pai deu aval para que eu resolvesse tudo”, recorda-se. Aos 85 anos, Pitanga reconhece que passar por tudo isso foi uma oportunidade de aprendizado mútua. “Não sei quem criou quem”, afirma, entre risadas com notas de orgulho. “Eu era briguento, e meus filhos me fizeram baixar a guarda e me despir de todos os tipos de atitude de um pai que é o dono da verdade. A Camila me humanizou de uma maneira muito forte com seu olhar que resplandece amor.” A maturidade foi importante também para que a atriz tomasse, desde cedo, as rédeas da carreira. Eleita Musa do Verão na década de 1990, mesma época em que estreou na TV como uma modelo na minissérie “Sex appeal”, da Globo, entendeu logo que não queria ser reduzida a símbolo sexual. “Isso me incomodava porque era mais forte do que eu”, conta. Na ocasião, chegou a cortar o cabelo estilo joãozinho para romper com os padrões estéticos. “Tive medo de ficar presa neste lugar. Então, fui para a UniRio estudar Teoria Teatral. Quando via que a personagem de uma proposta de trabalho estava indo por esta via, respondia: ‘Muito obrigada, mas não é o que quero fazer’.” A postura firme também foi importante para protegê-la de assédios. “Mesmo nova, sabia me defender”, reconhece. “Na época da campanha ‘ #PrimeiroAssédio’, pensei sobre como as coisas eram naturalizadas. Comparado a outros exemplos, me sinto afortunada por minha garota ter sabido dizer não. Talvez, por ser filha de quem sou, não me deixava levar pelo que estava dado para uma jovem atriz naquela época.” Gastronomia: Saiba quanto custa comer nos restaurantes dos melhores chefs de 2024 Realeza: Conheça antiga mansão de Lady Di que foi vendida por cerca de R$ 74 milhões em Londres; veja fotos Nada disso, porém, a fez abrir mão da sensualidade, uma chave que, na opinião de Camila, está ligada a espontaneidade e liberdade. “Não é necessariamente para o outro, é muito para si. Tem a ver com saber dançar, fluir na música, ser livre com o meu prazer, os meus afetos e o que a vida me traz”, diz, indicando como isso ficou ainda mais potente com o passar dos anos. “Tive muitos encontros capazes de ampliar a minha sexualidade. Numa sociedade machista, são poucas as mulheres que exercem a conexão com o próprio prazer. Tive bons parceiros que me fizeram agregar novas camadas e fases.” Achar que isso diz respeito somente à ex-namorada, Beatriz Coelho, quando a atriz se viu, aos 42 anos, envolvida com uma mulher pela primeira vez, seria um clichê. Afinal, no tal “caleidoscópio de atravessamentos” entram outros relacionamentos transformados em amizades. “Se tem uma coisa que posso falar de boca cheia é que amei muito e fui muito amada. Vivi momentos de sofrimento no amor, obviamente, mas sempre tive pessoas muito legais”, orgulha-se. Quando o assunto é o namorado, o professor de filosofia Patrick Pessoa, os sorrisos são fartos. “Quer coisa melhor do que amar e ser amada?”, resume, antes de listar pontos aos quais associa a qualidade do relacionamento de três anos. Ambos fazem terapia há muito tempo e têm, cada um, a própria casa. “É importante sair do campo da idealização, de achar que você é o centro de tudo e exigir isso do outro”, diz. Há ainda a admiração mútua e o interesse por temas em comum, como o teatro e a filosofia. Um match que se dá também na pista de dança, paixão declarada de Camila. Recentemente, eles começaram a fazer aulas de dança de salão. A mesma leveza transborda para a maternidade, exercida sem idealizações. Antonia, de 16 anos, do casamento com o cineasta Cláudio Amaral Peixoto, tem a educação pautada no diálogo. E isso serve para os temas mais delicados, como sexo e drogas. “Não me interessa ser polícia da minha filha, mas construir um elo de confiança. Antecipar-me às coisas que não estão na ordem do vivido dela viraria terrorismo”, prevê. “Nosso papo sobre esses assuntos é franco. E há coisas que ela não quer falar comigo, mas vai conversar com a madrinha, o terapeuta... Nem tudo é a mãe que determina na vida de um filho.” Um estado de espírito revelador também de como administra as próprias questões. Nada lhe parece definitivo. “Sou uma mulher em movimento, não quero me fixar em nada”, comenta, sobre algo aplicado ao próprio ofício. Entre as incursões mais recentes está uma novela feita para o streaming. Camila será a vilã Lola em “Beleza fatal”, que chega à Max no dia 27 de janeiro. “Essas produções vêm para bagunçar a ideia de que existe um só caminho. Em vez de falar em crise (no setor de novelas), prefiro chamar de transformação radical”, diz. O autor, Raphael Montes, conta que a atriz foi a primeira a ser escalada e, desde o início, travou com ele uma troca intensa. “Na cena final, por exemplo, ela disse que tinha dúvidas sobre o texto e nos encontramos para discuti-lo”, conta. A entrega à personagem, uma influenciadora e dona de uma clínica de estética, tornou-a mais humana, reconhece o criador. “Ela trouxe uma fragilidade a Lola, deixando-a mais complexa.” As primeiras imagens do folhetim causaram burburinho nas redes. O nariz afinado e o queixo marcado da vilã levantaram especulações sobre plásticas. Mas era só caracterização. Camila afirma não temer o envelhecimento. “As rugas e o tempo agregam valor ao meu trabalho, embora não veja isso como regra. Beleza vem de dentro para fora. É o que você come, como dorme... Não adianta cortar e esticar, se não preza pela saúde.” Palavras de uma mulher renascida a cada movimento da vida. “Não preciso chegar aos 50 para falar de novo ciclo. A minha trajetória confirma que estamos sempre começando”, diz, com projetos para o cinema e o teatro já encaminhados para 2025. “Este foi o ano da semeadura. O próximo, será de florescimento.” Algo tão primaveril quanto o outono de Bebel. Entendedores entenderão.
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