Martin Scorsese explica seu interesse em nova série sobre santos católicos: 'O ponto principal é que são humanos'

Ainda sem previsão no Brasil, série estreia neste fim de semana nos EUA A longa coleção de personagens problemáticos filmados por Martin Scorsese agora inclui... santos. “Martin Scorsese Presents: The Saints” estreia neste domingo nos EUA, no serviço de streaming Fox Nation. A série é apresentada e narrada pelo cineasta e dramatiza a vida de oito santos católicos. O programa será apresentando em duas partes, com os quatro primeiros episódios lançados semanalmente. Entre os biografados estarão santos bem conhecidos, como Joana d'Arc e São João Batista, e outros mais obscuros, como Maximilian Kolbe, um padre polonês que se ofereceu para morrer no lugar de outro homem no campo de concentração de Auschwitz. A segunda parte, programada para estrear em abril, incluirá episódios sobre o frade italiano Francisco de Assis e Maria Madalena, entre outros. A série ainda não tem estreia prevista no Brasil. A série foi criada por Matti Leshem, fundador da New Mandate Films, uma produtora que se concentra em contar histórias enraizadas na cultura judaica. Scorsese é também produtor executivo. Kent Jones, um colaborador frequente do cineasta, escreveu os roteiros em meio a longas conversas sobre teologia com Scorsese. Poster da série 'Martin Scorsese Presents: The Saints' Divulgação Os santos católicos interessam a Scorsese há muito tempo. “Sempre fui fascinado pela ideia de um santo e pelo que um santo poderia ser”, ele disse esta semana, relembrando como encontrou refúgio na Catedral de St. Patrick quando criança, crescendo na cidade de Nova York nos anos 1950. Em uma entrevista num hotel no Upper East Side de Manhattan, Scorsese falou sobre o programa, sua relação com o catolicismo e por que ele acha que o entretenimento baseado na fé precisa ter profundidade. Estes são trechos editados da conversa. Você queria fazer uma série sobre santos católicos há décadas. Por que isso está acontecendo agora e dessa forma? O mundo mudou. Hollywood mudou. Depois de fazer "Touro indomável" (em 1980), decidi que era hora de me dedicar à exploração da vida dos santos. Tínhamos um acordo para fazer essa série, mas ainda não estava definido. Eu não sabia onde e como fazer isso. Se um santo é alguém que é designado como especial, muitos de nós, quando crianças, pensávamos que, portanto, os santos devem ser sobre-humanos. Mas não. O ponto principal é que são humanos. O ponto é que todos somos capazes de certos atributos. Sempre quis fazer algo sobre diferentes santos ao longo dos anos. Cerca de 10 anos atrás, chegamos a alguns roteiros, mas (o projeto) nunca se desenvolveu. Cerca de cinco anos atrás, Matti Leshem (e os produtores) Julie Yorn e Chris Donnelly me disseram: "Agora realmente pode acontecer. Você ainda está interessado?" Claro que sim, mas nesse caso eu precisava determinar: Terei liberdade para explorar essas figuras históricas como quiser? Achei que estávamos em boas mãos. No mundo de hoje, é bom ter exemplos de pessoas que viveram suas vidas por compaixão e amor. Alguns são mártires; alguns morreram por isso. Alguns dos oito escolhidos envolvem lendas, mas a lenda vem de um ou dois fatos. Ela surgem a partir de ações que realmente significaram o sacrifício de alguém. É tudo sobre fé, algo pelo que se luta. Sempre foi importante para mim. Você pode simplesmente voltar e assistir meus primeiros filmes e está tudo lá. Entretenimento inspirado na fé e histórias que lidam com temas e personagens de tradições religiosas podem ter associações partidárias para o público. A série será transmitida pela Fox Nation. O que você acha desse contexto, tanto para este trabalho quanto para essas histórias? Meu pensamento foi: "Enquanto tivermos liberdade", o que tivemos. Se eu fosse me envolver com algo voltado para pessoas que concordam comigo, de que adiantaria? Também vem da experiência, de estar na América e passar um tempo em lugares diferentes fora de Manhattan. Passar um tempo na Itália, na França, na Inglaterra. Muito também nos últimos 10 anos pelo país, incluindo uma experiência profunda em Oklahoma, onde vi claramente a diferença entre o rural e o urbano. As pessoas que conheci lá eram excelentes, e podemos discordar politicamente, mas tive uma experiência muito boa e muito esclarecedora. Não vejo isso como uma situação limitante. Poderia fazer a versão de São Francisco de Assis que Michael Curtiz fez nos anos 1950, um filme biográfico direto para Hollywood. Ou "Flores de São Francisco" de Roberto Rossellini, que eu acho o melhor. Se alguém assistir ao Rossellini, vai achar esclarecedor. Minha pergunta é: se trata de algo que é basicamente uma ilustração do que você acredita? Simplesmente dizer, "É nisso que você acredita, é assim que parece. Não é legal?" E se fizer você pensar um pouco mais? E se fizer você pensar sobre como percebemos a vida em busca da certeza? Claro, não há nenhuma. Isso é fé? Você perde essa fé. Digamos que você não tem fé. Querer certeza e não ter nenhuma, cai na categoria de que a vida não vale a pen

Nov 15, 2024 - 14:11
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Martin Scorsese explica seu interesse em nova série sobre santos católicos: 'O ponto principal é que são humanos'

Ainda sem previsão no Brasil, série estreia neste fim de semana nos EUA A longa coleção de personagens problemáticos filmados por Martin Scorsese agora inclui... santos. “Martin Scorsese Presents: The Saints” estreia neste domingo nos EUA, no serviço de streaming Fox Nation. A série é apresentada e narrada pelo cineasta e dramatiza a vida de oito santos católicos. O programa será apresentando em duas partes, com os quatro primeiros episódios lançados semanalmente. Entre os biografados estarão santos bem conhecidos, como Joana d'Arc e São João Batista, e outros mais obscuros, como Maximilian Kolbe, um padre polonês que se ofereceu para morrer no lugar de outro homem no campo de concentração de Auschwitz. A segunda parte, programada para estrear em abril, incluirá episódios sobre o frade italiano Francisco de Assis e Maria Madalena, entre outros. A série ainda não tem estreia prevista no Brasil. A série foi criada por Matti Leshem, fundador da New Mandate Films, uma produtora que se concentra em contar histórias enraizadas na cultura judaica. Scorsese é também produtor executivo. Kent Jones, um colaborador frequente do cineasta, escreveu os roteiros em meio a longas conversas sobre teologia com Scorsese. Poster da série 'Martin Scorsese Presents: The Saints' Divulgação Os santos católicos interessam a Scorsese há muito tempo. “Sempre fui fascinado pela ideia de um santo e pelo que um santo poderia ser”, ele disse esta semana, relembrando como encontrou refúgio na Catedral de St. Patrick quando criança, crescendo na cidade de Nova York nos anos 1950. Em uma entrevista num hotel no Upper East Side de Manhattan, Scorsese falou sobre o programa, sua relação com o catolicismo e por que ele acha que o entretenimento baseado na fé precisa ter profundidade. Estes são trechos editados da conversa. Você queria fazer uma série sobre santos católicos há décadas. Por que isso está acontecendo agora e dessa forma? O mundo mudou. Hollywood mudou. Depois de fazer "Touro indomável" (em 1980), decidi que era hora de me dedicar à exploração da vida dos santos. Tínhamos um acordo para fazer essa série, mas ainda não estava definido. Eu não sabia onde e como fazer isso. Se um santo é alguém que é designado como especial, muitos de nós, quando crianças, pensávamos que, portanto, os santos devem ser sobre-humanos. Mas não. O ponto principal é que são humanos. O ponto é que todos somos capazes de certos atributos. Sempre quis fazer algo sobre diferentes santos ao longo dos anos. Cerca de 10 anos atrás, chegamos a alguns roteiros, mas (o projeto) nunca se desenvolveu. Cerca de cinco anos atrás, Matti Leshem (e os produtores) Julie Yorn e Chris Donnelly me disseram: "Agora realmente pode acontecer. Você ainda está interessado?" Claro que sim, mas nesse caso eu precisava determinar: Terei liberdade para explorar essas figuras históricas como quiser? Achei que estávamos em boas mãos. No mundo de hoje, é bom ter exemplos de pessoas que viveram suas vidas por compaixão e amor. Alguns são mártires; alguns morreram por isso. Alguns dos oito escolhidos envolvem lendas, mas a lenda vem de um ou dois fatos. Ela surgem a partir de ações que realmente significaram o sacrifício de alguém. É tudo sobre fé, algo pelo que se luta. Sempre foi importante para mim. Você pode simplesmente voltar e assistir meus primeiros filmes e está tudo lá. Entretenimento inspirado na fé e histórias que lidam com temas e personagens de tradições religiosas podem ter associações partidárias para o público. A série será transmitida pela Fox Nation. O que você acha desse contexto, tanto para este trabalho quanto para essas histórias? Meu pensamento foi: "Enquanto tivermos liberdade", o que tivemos. Se eu fosse me envolver com algo voltado para pessoas que concordam comigo, de que adiantaria? Também vem da experiência, de estar na América e passar um tempo em lugares diferentes fora de Manhattan. Passar um tempo na Itália, na França, na Inglaterra. Muito também nos últimos 10 anos pelo país, incluindo uma experiência profunda em Oklahoma, onde vi claramente a diferença entre o rural e o urbano. As pessoas que conheci lá eram excelentes, e podemos discordar politicamente, mas tive uma experiência muito boa e muito esclarecedora. Não vejo isso como uma situação limitante. Poderia fazer a versão de São Francisco de Assis que Michael Curtiz fez nos anos 1950, um filme biográfico direto para Hollywood. Ou "Flores de São Francisco" de Roberto Rossellini, que eu acho o melhor. Se alguém assistir ao Rossellini, vai achar esclarecedor. Minha pergunta é: se trata de algo que é basicamente uma ilustração do que você acredita? Simplesmente dizer, "É nisso que você acredita, é assim que parece. Não é legal?" E se fizer você pensar um pouco mais? E se fizer você pensar sobre como percebemos a vida em busca da certeza? Claro, não há nenhuma. Isso é fé? Você perde essa fé. Digamos que você não tem fé. Querer certeza e não ter nenhuma, cai na categoria de que a vida não vale a pena ser vivida. Então você faz com que valha a pena ser vivida. O que você procura em obras sobre fé? Algumas delas são ilustrações e podem ser bonitas de se olhar, mas eu espero algo mais profundo às vezes. A versão de Pasolini de "O Evangelho Segundo São Mateus" é mais profunda. Há um filme feito por Jessica Hausner chamado "Lourdes" com um final lindo que é profundamente espiritual e engraçado. Espero que assistam e de repente atinjam um nível de beleza que dê esperança para a vida, e parte disso é uma melhor apreciação do que a fé pode ser. Isso não significa que a vida será mais fácil, mas pelo menos você não cai da borda para o abismo. Como é sua relação com o catolicismo nesta fase da sua vida? Às vezes sou um católico praticante. Neste ponto, minha relação é um diálogo com certos clérigos e padres. Tenho interesse em pessoas que querem explorar mais profundamente e não apenas condenar, porque isso ainda está lá. Existem certas regras, é verdade. Talvez às vezes você quebre essas regras. Ser draconiano sobre isso é algo com que cresci no início dos anos 1950. Conforme você vive uma vida inteira, percebe que não é tão preto no branco. Costumo me relacionar mais com pessoas mais abertas em relação à igreja. Para mim, é hora de voltar aos valores perenes da igreja e, o que o Papa Francisco está tentando fazer, ajudá-la a evoluir para o mundo do próximo século. Qual é o verdadeiro sentido e qual é a verdadeira verdade do cristianismo? Muitas pessoas morreram por ele ao longo dos anos, e muitas pessoas viveram uma vida boa por causa disso. Existem valores lá. Quais são esses valores? Podemos explorar esses valores e talvez até tentar viver de acordo com eles? Como essa série é diferente da sua abordagem pensada na década de 1980, quando você a considerou pela primeira vez? Acho que precisei de tempo para lidar seriamente com as questões de fé, em vez de histórias interessantes sobre pessoas que viveram de uma certa maneira. Há histórias interessantes de Santa Lúcia. Essa é uma ótima história, mas também é parcialmente uma lenda. Vamos além da história e usar a história como uma estrutura para o que está acontecendo de verdade, em termos de sua fé. O que isso significa para nós?

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