Artigo: Escala 6x1, um ótimo debate

Cardápio mundial é rico em soluções possíveis para a questão da duração da jornada de trabalho É raro, mas acontece: um debate sobre um Projeto de Emenda Constitucional realmente útil, importante, e cujo resultado pode trazer mudanças relevantes para muitos. Das tribunas do Parlamento aos posts das redes sociais, a questão do fim da escala de seis dias de trabalho por um dia de descanso está onipresente. E que bom, pois é uma pauta necessária. Com tantas qualidades, só poderia mesmo ser algo relacionado ao Direito do Trabalho. Artigo: Processo versus Justiça Na verdade, só o fato de a contenda ter ganhado as ruas, as redes sociais e os grupos de Whatsapp já mostra, de certa forma, que o país está preparado, senão para a adoção de uma escala diferente, ao menos para o encaminhamento de uma mudança de parâmetros. No ringue, estão os duelistas de sempre: de um lado, aqueles para quem qualquer novo direito social, seja ele qual for, seja qual for o seu custo, é uma necessidade imperiosa sem a qual o país não avançará na justiça social, e com isso seguiremos em direção ao caos social; no corner oposto, aqueles para quem qualquer novo direito social, seja ele qual for, seja qual for o seu custo, vai encarecer ainda mais o preço final do produto, e vai levar inexoravelmente a demissões, fechamento de empresas e caos social. Como se vê, no fim das contas, há sempre o temor do caos social que, porém, pelo menos até aqui, temos conseguido evitar. Artigo: O STF e as plataformas digitais Aliás, é bom lembrar que no Brasil, nós não praticamos a escala 6 x 1. Os art. 66 e 67 da CLT preveem não só o intervalo de 24 horas por semana, mas também o intervalo de 11 horas entre uma jornada e outra. Da conjugação de ambas as regras, os tribunais do Trabalho têm entendido que os dois intervalos devem ser somados, de modo que, na verdade, deve-se conceder um intervalo de 35 horas consecutivas por semana. Ou seja, praticamos a escala de 5,54 x 1,46, para sermos rigorosos. Veja-se que com isso, a distância para a escala 5 x 2 já fica menor, e quem sabe os atores políticos não consigam chegar a um consenso. A regulamentação da duração do trabalho, a estipulação de períodos máximos, a imposição de intervalos e descansos são a própria origem histórica do Direito do Trabalho, ou melhor, é a própria origem do Direito Social, do Direito entendido como um instrumento de atuação na defesa de uma coletividade. Artigo: Regulação de mercados digitais: desafios institucionais à frente O cardápio mundial é rico em soluções possíveis para a questão da duração do trabalho. Na Argentina, por exemplo, de maneira parecida com o Brasil, eles usam em regra a escala 5,5 x 1,5: o período de descanso semanal começa às 13 horas de sábado e mais o domingo. Na China, embora haja limites de horas semanais, não há uma regra específica para o dia de repouso, salvo no caso de empregadas gestantes com mais de 7 meses de gestação ou que estejam amamentando filhos menores de 1 ano. Em Israel, os empregados têm direito a um descanso semanal de, pelo menos, 36 horas consecutivas. Se o empregado for judeu, essas horas devem incluir o sábado. Se o empregado não for judeu, ele pode escolher incluir essas horas na sexta-feira, no sábado ou no domingo. O Cazaquistão é mais avançado que nós. Lá eles praticam a escala 5 x 2. Já a Nova Zelândia escolheu uma solução que causaria arrepios a muitos colegas trabalhistas: não existe duração máxima de trabalho. Não existe limite. Porém, se a duração for maior do que 40 horas por semana, patrão e empregado devem ajustar um termo escrito e, nesse caso, a escala deve ser 5 x 2. É bastante incomum um país adotar uma escala de 5 x 2 de forma rígida. Na verdade, é bastante incomum encontrar dois países que tenham adotado uma mesma estratégia para lidar com esse problema. No esforço de tentar conjugar as justíssimas demandas sociais por menos horas de trabalho com a realidade da vida econômica e as igualmente justíssimas demandas por serviços e produtos disponíveis dia e noite, todos os dias da semana, e com preços acessíveis, os países costumam buscar sistemas flexíveis, normalmente privilegiando o papel dos sindicatos nos acordos de natureza coletiva. O cobertor é sempre curto, e por isso rigores maiores podem ser compensados com direitos ainda maiores. Por exemplo, para horror de qualquer patrão brasileiro, na Ucrânia, é praticamente proibido fazer horas extras. E na Coréia do Sul, a hora extra pode chegar a valer 250% da hora normal, se for hora extra realizada em dia de repouso e à noite. Se for uma hora extra “normal”, o adicional será “só” de 150%. Cada país, a seu jeito, tem buscado uma forma de conciliação para evitar o caos social. Até aqui, a maioria deles tem conseguido — graças, talvez, ao menos em alguma parte, ao Direito do Trabalho. *Nicolau Olivieri é advogado trabalhista.

Nov 18, 2024 - 08:55
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Artigo: Escala 6x1, um ótimo debate

Cardápio mundial é rico em soluções possíveis para a questão da duração da jornada de trabalho É raro, mas acontece: um debate sobre um Projeto de Emenda Constitucional realmente útil, importante, e cujo resultado pode trazer mudanças relevantes para muitos. Das tribunas do Parlamento aos posts das redes sociais, a questão do fim da escala de seis dias de trabalho por um dia de descanso está onipresente. E que bom, pois é uma pauta necessária. Com tantas qualidades, só poderia mesmo ser algo relacionado ao Direito do Trabalho. Artigo: Processo versus Justiça Na verdade, só o fato de a contenda ter ganhado as ruas, as redes sociais e os grupos de Whatsapp já mostra, de certa forma, que o país está preparado, senão para a adoção de uma escala diferente, ao menos para o encaminhamento de uma mudança de parâmetros. No ringue, estão os duelistas de sempre: de um lado, aqueles para quem qualquer novo direito social, seja ele qual for, seja qual for o seu custo, é uma necessidade imperiosa sem a qual o país não avançará na justiça social, e com isso seguiremos em direção ao caos social; no corner oposto, aqueles para quem qualquer novo direito social, seja ele qual for, seja qual for o seu custo, vai encarecer ainda mais o preço final do produto, e vai levar inexoravelmente a demissões, fechamento de empresas e caos social. Como se vê, no fim das contas, há sempre o temor do caos social que, porém, pelo menos até aqui, temos conseguido evitar. Artigo: O STF e as plataformas digitais Aliás, é bom lembrar que no Brasil, nós não praticamos a escala 6 x 1. Os art. 66 e 67 da CLT preveem não só o intervalo de 24 horas por semana, mas também o intervalo de 11 horas entre uma jornada e outra. Da conjugação de ambas as regras, os tribunais do Trabalho têm entendido que os dois intervalos devem ser somados, de modo que, na verdade, deve-se conceder um intervalo de 35 horas consecutivas por semana. Ou seja, praticamos a escala de 5,54 x 1,46, para sermos rigorosos. Veja-se que com isso, a distância para a escala 5 x 2 já fica menor, e quem sabe os atores políticos não consigam chegar a um consenso. A regulamentação da duração do trabalho, a estipulação de períodos máximos, a imposição de intervalos e descansos são a própria origem histórica do Direito do Trabalho, ou melhor, é a própria origem do Direito Social, do Direito entendido como um instrumento de atuação na defesa de uma coletividade. Artigo: Regulação de mercados digitais: desafios institucionais à frente O cardápio mundial é rico em soluções possíveis para a questão da duração do trabalho. Na Argentina, por exemplo, de maneira parecida com o Brasil, eles usam em regra a escala 5,5 x 1,5: o período de descanso semanal começa às 13 horas de sábado e mais o domingo. Na China, embora haja limites de horas semanais, não há uma regra específica para o dia de repouso, salvo no caso de empregadas gestantes com mais de 7 meses de gestação ou que estejam amamentando filhos menores de 1 ano. Em Israel, os empregados têm direito a um descanso semanal de, pelo menos, 36 horas consecutivas. Se o empregado for judeu, essas horas devem incluir o sábado. Se o empregado não for judeu, ele pode escolher incluir essas horas na sexta-feira, no sábado ou no domingo. O Cazaquistão é mais avançado que nós. Lá eles praticam a escala 5 x 2. Já a Nova Zelândia escolheu uma solução que causaria arrepios a muitos colegas trabalhistas: não existe duração máxima de trabalho. Não existe limite. Porém, se a duração for maior do que 40 horas por semana, patrão e empregado devem ajustar um termo escrito e, nesse caso, a escala deve ser 5 x 2. É bastante incomum um país adotar uma escala de 5 x 2 de forma rígida. Na verdade, é bastante incomum encontrar dois países que tenham adotado uma mesma estratégia para lidar com esse problema. No esforço de tentar conjugar as justíssimas demandas sociais por menos horas de trabalho com a realidade da vida econômica e as igualmente justíssimas demandas por serviços e produtos disponíveis dia e noite, todos os dias da semana, e com preços acessíveis, os países costumam buscar sistemas flexíveis, normalmente privilegiando o papel dos sindicatos nos acordos de natureza coletiva. O cobertor é sempre curto, e por isso rigores maiores podem ser compensados com direitos ainda maiores. Por exemplo, para horror de qualquer patrão brasileiro, na Ucrânia, é praticamente proibido fazer horas extras. E na Coréia do Sul, a hora extra pode chegar a valer 250% da hora normal, se for hora extra realizada em dia de repouso e à noite. Se for uma hora extra “normal”, o adicional será “só” de 150%. Cada país, a seu jeito, tem buscado uma forma de conciliação para evitar o caos social. Até aqui, a maioria deles tem conseguido — graças, talvez, ao menos em alguma parte, ao Direito do Trabalho. *Nicolau Olivieri é advogado trabalhista.

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