Análise: O estranho mundo de M

Ainda se adaptando à condição de ex-candidato, ex-coach se isenta de responsabilidade em erros de campanha e insiste em culpar políticos da direita por sua derrota Quando naquela manhã, M acordou de sonhos inquietos, viu-se, na sua cama, transformado. Talvez resultado do longo jejum da semana anterior ou da intensa maratona pelas ruas da capital paulista, o fato é que não havia dormido bem. Na verdade, ao despertar, M havia se metamorfoseado. Agora, além de ex-coach, era um ex-candidato. A nova condição, no entanto, não impediu que seguisse sua rotina diária de gerar factoides com objetivo de se manter em evidência. Logo percebeu que havia desenvolvido uma imensa dependência dos holofotes e, para satisfazer seu vício, nada melhor do que convocar uma coletiva de imprensa. E assim o fez. Bela Megale: Campanha de Nunes corta contato com Marçal Voto em Boulos: Marçal "libera" votos de seus eleitores Dessa vez escolheu Alphaville, terra que tão bem o acolheu em sua chegada a São Paulo, optando por montar o púlpito na entrada de seu conglomerado de empresas virtuais. Quando chegou a bordo de uma Ferrari, símbolo máximo do seu conceito de prosperidade, imprensa e assessores já o aguardavam com os celulares em punho. Em segundos tudo estaria na rede, exatamente como antes. No seu discurso, mostrou uma certa confusão, talvez advinda da sua nova condição de ex, culpando a todos (menos a si mesmo) pela derrota. "Canalhas!", bradou. Exigiu, em troca de um eventual apoio ao candidato N no segundo turno, que este se desculpasse publicamente por tê-lo ofendido. Também pediu, em tom de ameaça futura, retratações do ex-presidente Bolsonaro, do deputado Eduardo Bolsonaro, do governador Tarcísio, do pastor Malafaia e do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Obteve o silêncio como resposta. Ainda que anteriormente tenha dito mais de uma vez que não era "dono do voto de ninguém", assumiu-se legítimo proprietário dos votos de 1.719.024 (28,14%) eleitores que o escolheram no primeiro turno, dizendo, de forma magnânima, que os liberaria para votar segundo suas "convicções, princípios e ideologia". Na sua conta, boa parte desses votos não irão para o candidato N, mas para o candidato B, que, segundo ele, deve ser o vitorioso. A culpa da vitória do candidato do PSOL seria da arrogância de todos aqueles que o sabotaram no lado direito do espectro político. Mais uma vez, a transmutação para a condição de ex pareceu turvar-lhe a mente. Em outro momento de sua fala, garantiu que nunca mais será candidato a prefeito ou a qualquer cargo legislativo. Para ele, agora só importa a Presidência, o que considera uma missão divina, como propagou logo depois da coletiva em Alphaville em palestra paga (R$ 97 por cabeça, com possibilidade de parcelamento em 12 vezes de R$ 9,70 com juros). Isso, no entanto, ao menos para 2026, não depende de Deus, mas da Justiça. O ex-coach responde a ações por suposto abuso de poder econômico relacionado ao financiamento de apoiadores nas redes sociais e também é alvo de processos por conta da divulgação de um laudo falso tentando atribuir Boulos ao uso de cocaína. Sua defesa ao TRE, de que ele estaria apenas exercendo o “direito à livre manifestação do pensamento”, não encontra eco nas decisões anteriores da Justiça Eleitoral. O mesmo argumento já foi utilizado, sem êxito, pelo o ex-presidente Bolsonaro, que, ao menos por ora, segue inelegível até 2030. E, a julgar pelo processo em andamento, esta seria a mesma punição imposta a M. Nesse meio tempo, uma sugestão para o ex-candidato M seria buscar mais conhecimento, deixando um pouco de lado o coachismo para, quem sabe, se aprimorar na alta arte da política. Um estágio com o senhor K, um mestre na arte dos sussurros palacianos, poderia ajudá-lo a entender que nem só de cadeiradas e xingamentos se faz um político. Basta ver o número recorde de prefeitos que seu PSD elegeu nesta eleição, deixando outros partidos na rabeira e ampliando ainda mais sua influência nos bastidores do poder. Uma metamorfose completa, sabe-se, não é algo simples. Trata-se de um aprendizado e muitas vezes leva tempo até que o indivíduo compreenda no que se converteu e qual é seu novo papel no mundo. O risco é escorregar durante o processo, cair de costas no chão e por ali ficar agitando pernas e braços implorando ajuda para se levantar. Ou, pior, ser esmagado por algum desavisado.

Oct 10, 2024 - 00:05
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Análise: O estranho mundo de M

Ainda se adaptando à condição de ex-candidato, ex-coach se isenta de responsabilidade em erros de campanha e insiste em culpar políticos da direita por sua derrota Quando naquela manhã, M acordou de sonhos inquietos, viu-se, na sua cama, transformado. Talvez resultado do longo jejum da semana anterior ou da intensa maratona pelas ruas da capital paulista, o fato é que não havia dormido bem. Na verdade, ao despertar, M havia se metamorfoseado. Agora, além de ex-coach, era um ex-candidato. A nova condição, no entanto, não impediu que seguisse sua rotina diária de gerar factoides com objetivo de se manter em evidência. Logo percebeu que havia desenvolvido uma imensa dependência dos holofotes e, para satisfazer seu vício, nada melhor do que convocar uma coletiva de imprensa. E assim o fez. Bela Megale: Campanha de Nunes corta contato com Marçal Voto em Boulos: Marçal "libera" votos de seus eleitores Dessa vez escolheu Alphaville, terra que tão bem o acolheu em sua chegada a São Paulo, optando por montar o púlpito na entrada de seu conglomerado de empresas virtuais. Quando chegou a bordo de uma Ferrari, símbolo máximo do seu conceito de prosperidade, imprensa e assessores já o aguardavam com os celulares em punho. Em segundos tudo estaria na rede, exatamente como antes. No seu discurso, mostrou uma certa confusão, talvez advinda da sua nova condição de ex, culpando a todos (menos a si mesmo) pela derrota. "Canalhas!", bradou. Exigiu, em troca de um eventual apoio ao candidato N no segundo turno, que este se desculpasse publicamente por tê-lo ofendido. Também pediu, em tom de ameaça futura, retratações do ex-presidente Bolsonaro, do deputado Eduardo Bolsonaro, do governador Tarcísio, do pastor Malafaia e do presidente do PL, Valdemar da Costa Neto. Obteve o silêncio como resposta. Ainda que anteriormente tenha dito mais de uma vez que não era "dono do voto de ninguém", assumiu-se legítimo proprietário dos votos de 1.719.024 (28,14%) eleitores que o escolheram no primeiro turno, dizendo, de forma magnânima, que os liberaria para votar segundo suas "convicções, princípios e ideologia". Na sua conta, boa parte desses votos não irão para o candidato N, mas para o candidato B, que, segundo ele, deve ser o vitorioso. A culpa da vitória do candidato do PSOL seria da arrogância de todos aqueles que o sabotaram no lado direito do espectro político. Mais uma vez, a transmutação para a condição de ex pareceu turvar-lhe a mente. Em outro momento de sua fala, garantiu que nunca mais será candidato a prefeito ou a qualquer cargo legislativo. Para ele, agora só importa a Presidência, o que considera uma missão divina, como propagou logo depois da coletiva em Alphaville em palestra paga (R$ 97 por cabeça, com possibilidade de parcelamento em 12 vezes de R$ 9,70 com juros). Isso, no entanto, ao menos para 2026, não depende de Deus, mas da Justiça. O ex-coach responde a ações por suposto abuso de poder econômico relacionado ao financiamento de apoiadores nas redes sociais e também é alvo de processos por conta da divulgação de um laudo falso tentando atribuir Boulos ao uso de cocaína. Sua defesa ao TRE, de que ele estaria apenas exercendo o “direito à livre manifestação do pensamento”, não encontra eco nas decisões anteriores da Justiça Eleitoral. O mesmo argumento já foi utilizado, sem êxito, pelo o ex-presidente Bolsonaro, que, ao menos por ora, segue inelegível até 2030. E, a julgar pelo processo em andamento, esta seria a mesma punição imposta a M. Nesse meio tempo, uma sugestão para o ex-candidato M seria buscar mais conhecimento, deixando um pouco de lado o coachismo para, quem sabe, se aprimorar na alta arte da política. Um estágio com o senhor K, um mestre na arte dos sussurros palacianos, poderia ajudá-lo a entender que nem só de cadeiradas e xingamentos se faz um político. Basta ver o número recorde de prefeitos que seu PSD elegeu nesta eleição, deixando outros partidos na rabeira e ampliando ainda mais sua influência nos bastidores do poder. Uma metamorfose completa, sabe-se, não é algo simples. Trata-se de um aprendizado e muitas vezes leva tempo até que o indivíduo compreenda no que se converteu e qual é seu novo papel no mundo. O risco é escorregar durante o processo, cair de costas no chão e por ali ficar agitando pernas e braços implorando ajuda para se levantar. Ou, pior, ser esmagado por algum desavisado.

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