3 lições para Lula da vitória de Trump
Presidente brasileiro tem dois anos para evitar que Brasil replique EUA pela terceira eleição presidencial consecutiva São inúmeras as diferenças entre os sistemas político e eleitoral, o funcionamento das instituições e a história democrática de Brasil e Estados Unidos. Mas o fato é que, desde 2016, os dois países têm vivido ciclos eleitorais semelhantes. A vitória inesperada de Donald Trump naquele ano foi sucedida pela ascensão metórica de Jair Bolsonaro dois anos depois. A derrota apertada do republicano em 2020 teve características muito semelhantes à sofrida pelo capitão reformado por aqui dois anos mais tarde. Agora, os Estados Unidos elegeram novamente Trump por uma margem maior que a prevista pelas pesquisas, e com crescimento do republicano em praticamente todo o país, não só nos ditos Estados vermelhos. O assanhamento dos bolsonaristas com o feito inédito e ousado de Trump --reconduzido à Casa Branca sem esconder uma plataforma divisiva, revanchista, persecutória em relação aos adversários ou aos eleitores do outro lado e beligerante em relação a boa parte do mundo-- se deve a uma expectativa, que não deve se confirmar, de que sua vitória funcione como uma pressão sobre o Congresso e o STF brasileiros para livrar Bolsonaro da inelegibilidade. Mas esse é um assunto para outro texto. Leia também: Os 4 eixos da agenda pós-eleições A despeito da pouca chance de que a volta de Trump anistie Bolsonaro, dadas as diferenças da Justiça dos dois países, há, sim, lições no campo da política que deveriam ser tiradas por Lula, o governo e o PT a respeito de como os ciclos eleitorais parecem menos duradouros e apenas os bons indicadores macroeconômicos não são mais um garantidor de vitórias nas urnas. Três desses recados que parecem mais urgentes. 1. Não é só a (macro)economia. Nos Estados Unidos como aqui, os indicadores macroeconômicos são em sua maioria positivos. A taxa de desemprego orbita na casa dos 4%, baixa, e o crescimento médio trimestral dos anos Biden foi acima de 3%. São dois indicadores que "batem" com o que Lula vem experimentando no Brasil. Lá como aqui a preocupação é com a inflação alta e o déficit crescente. E o que as urnas mostram é que, a despeito de índices positivos de emprego e crescimento, esse bem-estar não é percebido pela maioria da população, o que ajuda a explicar a decisão pela volta de Trump e a derrota da vice-presidente Kamala Harris. Uma explicação recorrente é que, no pós-pandemia, mesmo quando estabilizam os preços ficam em patamares muito maiores que os de 2019, o que explica a dificuldade de as pessoas sentirem que a economia vai bem. No caso do Brasil, deveria haver uma análise profunda de como se organiza o mundo do trabalho e de que forma os benefícios sociais criados e incrementados por Lula ainda são um catalisador de votos importante, capaz de decidir eleições, como têm sido desde 2002. 2. Os mapas de votação estão em mutação. Os votos nos Estados Unidos chacoalharam as poucas certezas que havia sobre como votam certos estados e condados dentro deles. Mesmo os estados "azuis", de tradição democrata, foram azuis menos vibrantes em 2024. Nos chamados estados-pêndulo, a gravidade puxou todos para a direita. Portanto, ancorar políticas públicas e estratégias eleitorais com base em mapas de eleições passadas não parece ser mais garantia de nada. As eleições municipais já haviam deixado isso bem nítido, mas boa parte do governo e da esquerda achou mais cômodo empurrar as evidências para debaixo do tapete e repetir o mantra de que eleições municipais e nacionais são coisas completamente distintas. São diferentes, mas não são dissociadas completamente. E as eleições americanas estão aí para mostrar que num mundo amplamente conectado, suscetível ao poder avassalador das redes sociais, em que a informação credenciada é relativa e os consensos estão sendo permanentemente revistos os mantras não servem mais de nada. O Nordeste brasileiro não é mais uma região impermeável a candidatos da direita, como já foi. Isso pode representar que, em 2026, o Nordeste não tenha um papel central para garantir uma vitória apertada do PT, como foi em 2014 e 2022. Da mesma forma, Minas Gerais está em transe, como estado-pêndulo que é. Lula ganhou por pouco em Minas, mas quem observou o mapa das votações municipais no estado já aposta que a bússola pode virar daqui a dois anos. 3. A defesa da democracia, por si só, não ganha voto. Kamala Harris e os democratas, amparados ainda pela imensa maioria da imprensa e da classe artística e intelectual americana, bateram o tempo todo na correta tecla de que Trump já desafiou a democracia uma vez e estava avisando em alto e bom som que o faria novamente se eleito. Ele foi eleito com o cidadão americano tendo plena ciência disso. Portanto, a defesa da democracia, que foi um tema essencial inclusive na formação da frente ampla que garantiu a vitória para lá de apertada de Lula, não parece ser mais suficiente para sensibilizar os eleitores. A ce
Presidente brasileiro tem dois anos para evitar que Brasil replique EUA pela terceira eleição presidencial consecutiva São inúmeras as diferenças entre os sistemas político e eleitoral, o funcionamento das instituições e a história democrática de Brasil e Estados Unidos. Mas o fato é que, desde 2016, os dois países têm vivido ciclos eleitorais semelhantes. A vitória inesperada de Donald Trump naquele ano foi sucedida pela ascensão metórica de Jair Bolsonaro dois anos depois. A derrota apertada do republicano em 2020 teve características muito semelhantes à sofrida pelo capitão reformado por aqui dois anos mais tarde. Agora, os Estados Unidos elegeram novamente Trump por uma margem maior que a prevista pelas pesquisas, e com crescimento do republicano em praticamente todo o país, não só nos ditos Estados vermelhos. O assanhamento dos bolsonaristas com o feito inédito e ousado de Trump --reconduzido à Casa Branca sem esconder uma plataforma divisiva, revanchista, persecutória em relação aos adversários ou aos eleitores do outro lado e beligerante em relação a boa parte do mundo-- se deve a uma expectativa, que não deve se confirmar, de que sua vitória funcione como uma pressão sobre o Congresso e o STF brasileiros para livrar Bolsonaro da inelegibilidade. Mas esse é um assunto para outro texto. Leia também: Os 4 eixos da agenda pós-eleições A despeito da pouca chance de que a volta de Trump anistie Bolsonaro, dadas as diferenças da Justiça dos dois países, há, sim, lições no campo da política que deveriam ser tiradas por Lula, o governo e o PT a respeito de como os ciclos eleitorais parecem menos duradouros e apenas os bons indicadores macroeconômicos não são mais um garantidor de vitórias nas urnas. Três desses recados que parecem mais urgentes. 1. Não é só a (macro)economia. Nos Estados Unidos como aqui, os indicadores macroeconômicos são em sua maioria positivos. A taxa de desemprego orbita na casa dos 4%, baixa, e o crescimento médio trimestral dos anos Biden foi acima de 3%. São dois indicadores que "batem" com o que Lula vem experimentando no Brasil. Lá como aqui a preocupação é com a inflação alta e o déficit crescente. E o que as urnas mostram é que, a despeito de índices positivos de emprego e crescimento, esse bem-estar não é percebido pela maioria da população, o que ajuda a explicar a decisão pela volta de Trump e a derrota da vice-presidente Kamala Harris. Uma explicação recorrente é que, no pós-pandemia, mesmo quando estabilizam os preços ficam em patamares muito maiores que os de 2019, o que explica a dificuldade de as pessoas sentirem que a economia vai bem. No caso do Brasil, deveria haver uma análise profunda de como se organiza o mundo do trabalho e de que forma os benefícios sociais criados e incrementados por Lula ainda são um catalisador de votos importante, capaz de decidir eleições, como têm sido desde 2002. 2. Os mapas de votação estão em mutação. Os votos nos Estados Unidos chacoalharam as poucas certezas que havia sobre como votam certos estados e condados dentro deles. Mesmo os estados "azuis", de tradição democrata, foram azuis menos vibrantes em 2024. Nos chamados estados-pêndulo, a gravidade puxou todos para a direita. Portanto, ancorar políticas públicas e estratégias eleitorais com base em mapas de eleições passadas não parece ser mais garantia de nada. As eleições municipais já haviam deixado isso bem nítido, mas boa parte do governo e da esquerda achou mais cômodo empurrar as evidências para debaixo do tapete e repetir o mantra de que eleições municipais e nacionais são coisas completamente distintas. São diferentes, mas não são dissociadas completamente. E as eleições americanas estão aí para mostrar que num mundo amplamente conectado, suscetível ao poder avassalador das redes sociais, em que a informação credenciada é relativa e os consensos estão sendo permanentemente revistos os mantras não servem mais de nada. O Nordeste brasileiro não é mais uma região impermeável a candidatos da direita, como já foi. Isso pode representar que, em 2026, o Nordeste não tenha um papel central para garantir uma vitória apertada do PT, como foi em 2014 e 2022. Da mesma forma, Minas Gerais está em transe, como estado-pêndulo que é. Lula ganhou por pouco em Minas, mas quem observou o mapa das votações municipais no estado já aposta que a bússola pode virar daqui a dois anos. 3. A defesa da democracia, por si só, não ganha voto. Kamala Harris e os democratas, amparados ainda pela imensa maioria da imprensa e da classe artística e intelectual americana, bateram o tempo todo na correta tecla de que Trump já desafiou a democracia uma vez e estava avisando em alto e bom som que o faria novamente se eleito. Ele foi eleito com o cidadão americano tendo plena ciência disso. Portanto, a defesa da democracia, que foi um tema essencial inclusive na formação da frente ampla que garantiu a vitória para lá de apertada de Lula, não parece ser mais suficiente para sensibilizar os eleitores. A centro-esquerda, lá e cá, precisa definir um novo discurso que alie as pautas sociais e democráticas a outras de cunho mais pragmático, que digam respeito ao dia a dia dos cidadãos e dialoguem com suas insatisfações mais imediatas. E atenção: ninguém está dizendo que o eleitor esteja certo em ignorar o risco de Trump para os Estados Unidos e o mundo. Aqui apenas se está constatando o que as urnas disseram. O eleitorado também se mostrou refratário à corajosa defesa pela campanha democrata de temas como liberdade reprodutiva, e de forma assustadora comprou a defesa de Trump de uma plataforma anti-imigração e antifeminista, bem como negacionista em relação à crise climática. Isso também coloca para a esquerda brasileira uma tarefa de encontrar uma maneira de sensibilizar a sociedade para esses temas sem que haja uma resistência dos que classificam indistintamente todos esses importantes temas sociais como "pautas identitárias", estigmatizando-as. Leia também: Nos EUA e aqui, eleições viram guerra dos sexos
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