STF volta a discutir operações em favelas do Rio e deve manter medidas para evitar alta letalidade de ações
Cinco anos após chegar à Corte, processo volta à pauta para análise do mérito O Supremo Tribunal Federal (STF) julga na próxima quarta-feira um dos mais polêmicos processos envolvendo a segurança pública, a ação que ficou conhecida como "ADPF das Favelas". Em meio a críticas do governo do Rio de Janeiro, a Corte deve manter medidas para evitar os excessos em operações policiais nas comunidades. Embora o julgamento comece apenas com as manifestações das partes envolvidas — segundo um novo modelo em funcionamento no STF — há a expectativa entre ministros de que o mérito da questão tenha ao menos o debate iniciado. 'A sociedade chegou ao fundo poço': advogado do caso Ágatha Félix contesta absolvição de PM e diz que haverá recurso Veja também: Rio tenta transformar espaços da ditadura em centros de memória enquanto Brasil lota cinemas por 'Ainda estou aqui' Segundo três ministros e dois auxiliares ouvidos de forma reservada pelo GLOBO, há um clima favorável para que se dê o aval a medidas que já foram determinadas de forma liminar pelo ministro Edson Fachin, e confirmadas pelo colegiado, em 2022 — ainda que possa haver "uma ou outra" adaptação ou modificação ao que foi determinado na decisão do relator. A ação foi movida em 2019 pelo PSB, por entidades dos direitos humanos e por movimentos sociais. As organizações e o partido pedem que seja reconhecido pelo STF a situação de graves violações aos direitos cometidos pelas forças de segurança nas favelas cariocas. Também querem que seja determinada a tomada de medidas para reduzir esse quadro. Ao atender o pedido, a Corte determinou medidas para reduzir a letalidade durante operações realizadas por forças de segurança contra o crime organizado nas comunidades da capital fluminense. Entre os procedimentos relacionados à ADPF, a Corte obrigou o uso de câmeras corporais nas fardas dos policiais e nas viaturas, além do aviso antecipado das operações para autoridades das áreas de saúde e educação para proteger escolas de tiroteios e garantir atendimento médico à população. Em junho do ano passado, Fachin reiterou a decisão, determinando o estabelecimento de um cronograma para a efetivação da ordem em todas as unidades policiais, com prioridade para as que realizem operações em favelas. "Com a decisão de mérito, abre-se a oportunidade de inauguração de um novo e final ciclo de monitoramento que possa prenunciar o encerramento desta arguição de descumprimento de preceito fundamental, no sentido de consolidação de medidas estruturais com resultados comprovadamente positivos ao bem comum, ao interesse público, à segurança pública e à proteção de direitos fundamentais", disse Fachin ao concluir o relatório final da ação e liberar o processo para julgamento. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que os padrões de letalidade policial no Rio de Janeiro “seguem muito altos e acima da média nacional”. Em 2023, a taxa foi de 5,4 mortes em confronto com a polícia para cada grupo de 100 mil habitantes. A média nacional é de 1,8 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. O relatório concluiu que houve queda de ocorrências como homicídios e assassinatos de policiais desde a decisão do STF na ADPF das Favelas que restringiu operações policiais em comunidades da capital fluminense. Em 2019, ano anterior à decisão, foram registradas 1.814 Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIPs) no estado. Já em 2023, as mortes por intervenções policiais resultaram em 871, uma queda de 52% na comparação com 2019. A diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, aponta para a ocorrência de problemas "graves" de gestão da informação, no controle da atividade policial e de governança na área de segurança pública do estado do Rio de Janeiro – e que é por isso que o Supremo precisa agir. – Os números derrubam os argumentos de que a ADPF favoreceu o crime organizado ou resultou no crescimento da criminalidade. De 2019 a 2023 houve queda em ocorrências de homicídios, nos assassinatos de policiais, crimes patrimoniais, roubo de carga e roubo a transeuntes; as apreensões de drogas mantiveram-se estáveis e as prisões em flagrante cresceram – observa a pesquisadora ao GLOBO. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, vem afirmando em uma série de entrevistas que a ADPF impõe "limitações" à atuação da polícia, aumentando o poder da criminalidade. Segundo ele, todo o policiamento que antes acontecia dentro das comunidades, agora passou a ser feito fora delas, por conta das limitações impostas. — O que dava resultado era a polícia entrando todo dia nas comunidades. A polícia agora não pode entrar mais todo dia, tem que avisar. É um pouco daquela metáfora: quando você não poda, o mato cresce — disse Castro, que defendeu o fim da ação: — Enquanto a ADPF continuar, ficamos limitados e o crime organizado segue ganhando forças. Propostas apresentadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ao Supremo em julho deste ano também reforçam o entendimento de que as medi
Cinco anos após chegar à Corte, processo volta à pauta para análise do mérito O Supremo Tribunal Federal (STF) julga na próxima quarta-feira um dos mais polêmicos processos envolvendo a segurança pública, a ação que ficou conhecida como "ADPF das Favelas". Em meio a críticas do governo do Rio de Janeiro, a Corte deve manter medidas para evitar os excessos em operações policiais nas comunidades. Embora o julgamento comece apenas com as manifestações das partes envolvidas — segundo um novo modelo em funcionamento no STF — há a expectativa entre ministros de que o mérito da questão tenha ao menos o debate iniciado. 'A sociedade chegou ao fundo poço': advogado do caso Ágatha Félix contesta absolvição de PM e diz que haverá recurso Veja também: Rio tenta transformar espaços da ditadura em centros de memória enquanto Brasil lota cinemas por 'Ainda estou aqui' Segundo três ministros e dois auxiliares ouvidos de forma reservada pelo GLOBO, há um clima favorável para que se dê o aval a medidas que já foram determinadas de forma liminar pelo ministro Edson Fachin, e confirmadas pelo colegiado, em 2022 — ainda que possa haver "uma ou outra" adaptação ou modificação ao que foi determinado na decisão do relator. A ação foi movida em 2019 pelo PSB, por entidades dos direitos humanos e por movimentos sociais. As organizações e o partido pedem que seja reconhecido pelo STF a situação de graves violações aos direitos cometidos pelas forças de segurança nas favelas cariocas. Também querem que seja determinada a tomada de medidas para reduzir esse quadro. Ao atender o pedido, a Corte determinou medidas para reduzir a letalidade durante operações realizadas por forças de segurança contra o crime organizado nas comunidades da capital fluminense. Entre os procedimentos relacionados à ADPF, a Corte obrigou o uso de câmeras corporais nas fardas dos policiais e nas viaturas, além do aviso antecipado das operações para autoridades das áreas de saúde e educação para proteger escolas de tiroteios e garantir atendimento médico à população. Em junho do ano passado, Fachin reiterou a decisão, determinando o estabelecimento de um cronograma para a efetivação da ordem em todas as unidades policiais, com prioridade para as que realizem operações em favelas. "Com a decisão de mérito, abre-se a oportunidade de inauguração de um novo e final ciclo de monitoramento que possa prenunciar o encerramento desta arguição de descumprimento de preceito fundamental, no sentido de consolidação de medidas estruturais com resultados comprovadamente positivos ao bem comum, ao interesse público, à segurança pública e à proteção de direitos fundamentais", disse Fachin ao concluir o relatório final da ação e liberar o processo para julgamento. Dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostram que os padrões de letalidade policial no Rio de Janeiro “seguem muito altos e acima da média nacional”. Em 2023, a taxa foi de 5,4 mortes em confronto com a polícia para cada grupo de 100 mil habitantes. A média nacional é de 1,8 mortes para cada grupo de 100 mil habitantes. O relatório concluiu que houve queda de ocorrências como homicídios e assassinatos de policiais desde a decisão do STF na ADPF das Favelas que restringiu operações policiais em comunidades da capital fluminense. Em 2019, ano anterior à decisão, foram registradas 1.814 Mortes Decorrentes de Intervenção Policial (MDIPs) no estado. Já em 2023, as mortes por intervenções policiais resultaram em 871, uma queda de 52% na comparação com 2019. A diretora-executiva do FBSP, Samira Bueno, aponta para a ocorrência de problemas "graves" de gestão da informação, no controle da atividade policial e de governança na área de segurança pública do estado do Rio de Janeiro – e que é por isso que o Supremo precisa agir. – Os números derrubam os argumentos de que a ADPF favoreceu o crime organizado ou resultou no crescimento da criminalidade. De 2019 a 2023 houve queda em ocorrências de homicídios, nos assassinatos de policiais, crimes patrimoniais, roubo de carga e roubo a transeuntes; as apreensões de drogas mantiveram-se estáveis e as prisões em flagrante cresceram – observa a pesquisadora ao GLOBO. O governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, vem afirmando em uma série de entrevistas que a ADPF impõe "limitações" à atuação da polícia, aumentando o poder da criminalidade. Segundo ele, todo o policiamento que antes acontecia dentro das comunidades, agora passou a ser feito fora delas, por conta das limitações impostas. — O que dava resultado era a polícia entrando todo dia nas comunidades. A polícia agora não pode entrar mais todo dia, tem que avisar. É um pouco daquela metáfora: quando você não poda, o mato cresce — disse Castro, que defendeu o fim da ação: — Enquanto a ADPF continuar, ficamos limitados e o crime organizado segue ganhando forças. Propostas apresentadas pelo Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) ao Supremo em julho deste ano também reforçam o entendimento de que as medidas impostas pela Corte funcionam. Segundo o órgão, entre 2021 e 2024, o número de operações aumentou e a letalidade caiu. Na manifestação, o MP diz que houve uma efetiva redução na letalidade nesse período e defendeu algumas mudanças no sistema. Ainda de acordo com o MP, nos primeiros 4 meses de 2019 o RJ teve 560 mortes por intervenção do estado, enquanto em 2024 os números são de 205 – menos da metade. Por isso, o órgão defende que o conceito de excepcionalidade nas operações seja encerrado e substituído pela manutenção e aperfeiçoamento de protocolos de controle; que seja criada uma perícia independente nacional, que colabore com os estados membros e acionada nas hipóteses de crimes envolvendo policiais. Para o Ministério Público do Rio, a perícia nacional ajudaria ainda a fornecer subsídios em matéria de polícia técnica e científica ao MP em investigações independentes. “Tais etapas de checagem, no entendimento deste Parquet, garantirão, a um só tempo, a superação do atual estado de incerteza e insegurança que envolvem o alcance do conceito de ‘excepcionalidade’, promovendo a adoção de medidas concretas de redução de riscos, mitigação de danos e contenção de letalidade em operações policiais”, disse o procurador-geral de Justiça, Luciano Mattos. — O discurso do governo do Rio não está alinhado com os dados produzidos pelo próprio governo, que mostram redução na letalidade policial, apreensão recorde de fuzis, redução no roubo de cargas — explica Leonardo Carvalho, pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Quando o caso começar a ser julgado pelo Supremo, falarão, ao todo, 13 entidades, entre partes autoras e interessadas, e os chamados "amigos" da Corte. O PSB, que ajuizou a ação, deve ser o primeiro a falar, seguido do estado do Rio de Janeiro, do Ministério Público e da Defensoria Pública. Uma definição sobre os demais oradores ainda será elaborada pelo STF.
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