Sequência de mortes polêmicas envolvendo policiais pressiona Derrite em São Paulo

Para especialistas, escalada de casos reflete a linha política da gestão de Tarcísio de Freitas Uma escalada na letalidade policial, somada a uma sequência de casos ruidosos como a morte de um estudante de Medicina pela PM, na quarta-feira, coloca em xeque uma das principais figuras do governo de São Paulo: Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública conhecido por uma postura linha-dura e por declarações polêmicas. Estudante de Medicina: Policial que matou jovem tinha arma de choque disponível e não utilizou, diz SSP Assassinato em aeroporto: Matadores de delator do PCC fugiram de ônibus após execução em Guarulhos Na quarta, Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, morreu após ser baleado durante uma abordagem na Vila Mariana, zona sul da capital paulista. O caso se segue ao assassinato de Vinicios Gritzbach, delator do PCC, executado em plena luz do dia no Aeroporto de Guarulhos em uma trama que resultou no afastamento de policiais suspeitos, e à morte de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, durante uma ação policial em Santos, no litoral do estado — o enterro do menino provocou protestos devido à presença de PMs fortemente paramentados nos arredores da cerimônia. Entre janeiro e setembro, o estado registrou 496 mortes decorrentes de intervenções policiais, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). O número representa aumento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado. Somente na Baixada Santista, onde a polícia realizou seguidas operações ao longo do ano, foram 109 mortes, média de uma vítima a cada três dias. Na capital paulista, houve 130 vítimas. O cenário na Baixada atingiu repercussão internacional após entidades civis irem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU relatar ameaças, torturas e execuções sumárias nas operações. Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas (Republicano) deu uma das declarações mais polêmicas da atual gestão: “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não tô nem aí”. Sobre os casos de Ryan e Acosta, o governador e Derrite optaram pelo silêncio, tanto na frente das câmeras como longe delas. — São Paulo apresenta oscilações (na letalidade) em diferentes momentos ao longo das últimas décadas e isso reflete a linha política do governo. Temos um retrocesso em um estado que é pioneiro na produção de dados de segurança pública e na criação de programas para o uso adequado da força, como o das câmeras corporais — diz Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz. — Minha experiência de mais de 60 anos na PM mostra o seguinte: se o discurso está mais para contenção, com punições e afastamentos, a letalidade cai. Se muda mais para o lado da repressão ou discurso de força, a tendência é que os policiais decidam por ações mais assertivas, até atirar, o que é um problema sério — diz José Vicente, coronel da reserva da PM e ex-secretário nacional de segurança pública. Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também acredita que a alta na letalidade e casos como o de Acosta e Ryan podem estar relacionados a escolhas e posições políticas da atual gestão. — Os sérios problemas na segurança pública , para mim, estão localizados no Derrite, que tem sinalizado que não tem mais controle da violência policial e faz um aproveitamento midiático da situação da segurança pública. A gente não tem um secretário técnico, com conhecimento na área, mas um político (no cargo). A tropa está se sentindo solta (para agir) e vivemos o momento que vivemos. Me parece que o prazo de validade do atual secretário passou — diz Alcadipani. A questão embaralha o cenário político na capital. Apesar de Tarcísio dizer que pretende concorrer à reeleição em 2026, ele ganha cada vez mais espaço na corrida ao Palácio do Planalto — principalmente após Jair Bolsonaro, que já estava inelegível, ser indiciado por envolvimento na tentativa de golpe de Estado. Derrite já foi citado como um possível sucessor de Tarcísio no Palácio dos Bandeirantes. Após as polêmicas, porém, mesmo aliados que defenderam sua chegada à pasta reavaliam a posição, falando em “muitos erros sucessivos”, segundo apurou o Globo. Derrite foi um dos secretários indicados pela ala ideológica de Tarcísio. O secretário é egresso do efetivo da Rota, a tropa de elite em São Paulo, mas teria sido afastado do batalhão por excesso de mortes em serviço. Em entrevista a um canal do Youtube, em 2021, o então deputado federal afirmou: — Troquei tiro várias vezes, uma atrás da outra, e isso acabou incomodando, não sei quem, mas veio a ordem de cima para baixo, questão política: ‘tira o Derrite da Rota’. E fui convidado a me retirar. Derrite já foi investigado por 16 homicídios ocorridos durante operações policiais das quais participou, segundo reportagem da revista Piauí. O levantamento foi feito com base na certidão criminal do secretário, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando ele concorreu a deputado federal. O d

Nov 22, 2024 - 03:56
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Sequência de mortes polêmicas envolvendo policiais pressiona Derrite em São Paulo

Para especialistas, escalada de casos reflete a linha política da gestão de Tarcísio de Freitas Uma escalada na letalidade policial, somada a uma sequência de casos ruidosos como a morte de um estudante de Medicina pela PM, na quarta-feira, coloca em xeque uma das principais figuras do governo de São Paulo: Guilherme Derrite, secretário de Segurança Pública conhecido por uma postura linha-dura e por declarações polêmicas. Estudante de Medicina: Policial que matou jovem tinha arma de choque disponível e não utilizou, diz SSP Assassinato em aeroporto: Matadores de delator do PCC fugiram de ônibus após execução em Guarulhos Na quarta, Marco Aurélio Acosta, de 22 anos, morreu após ser baleado durante uma abordagem na Vila Mariana, zona sul da capital paulista. O caso se segue ao assassinato de Vinicios Gritzbach, delator do PCC, executado em plena luz do dia no Aeroporto de Guarulhos em uma trama que resultou no afastamento de policiais suspeitos, e à morte de Ryan da Silva Andrade Santos, de 4 anos, durante uma ação policial em Santos, no litoral do estado — o enterro do menino provocou protestos devido à presença de PMs fortemente paramentados nos arredores da cerimônia. Entre janeiro e setembro, o estado registrou 496 mortes decorrentes de intervenções policiais, de acordo com dados da Secretaria de Segurança Pública (SSP). O número representa aumento de 75% em relação ao mesmo período do ano passado. Somente na Baixada Santista, onde a polícia realizou seguidas operações ao longo do ano, foram 109 mortes, média de uma vítima a cada três dias. Na capital paulista, houve 130 vítimas. O cenário na Baixada atingiu repercussão internacional após entidades civis irem ao Conselho de Direitos Humanos da ONU relatar ameaças, torturas e execuções sumárias nas operações. Na ocasião, o governador Tarcísio de Freitas (Republicano) deu uma das declarações mais polêmicas da atual gestão: “O pessoal pode ir na ONU, na Liga da Justiça ou no raio que o parta, que eu não tô nem aí”. Sobre os casos de Ryan e Acosta, o governador e Derrite optaram pelo silêncio, tanto na frente das câmeras como longe delas. — São Paulo apresenta oscilações (na letalidade) em diferentes momentos ao longo das últimas décadas e isso reflete a linha política do governo. Temos um retrocesso em um estado que é pioneiro na produção de dados de segurança pública e na criação de programas para o uso adequado da força, como o das câmeras corporais — diz Cristina Neme, coordenadora de projetos do Instituto Sou da Paz. — Minha experiência de mais de 60 anos na PM mostra o seguinte: se o discurso está mais para contenção, com punições e afastamentos, a letalidade cai. Se muda mais para o lado da repressão ou discurso de força, a tendência é que os policiais decidam por ações mais assertivas, até atirar, o que é um problema sério — diz José Vicente, coronel da reserva da PM e ex-secretário nacional de segurança pública. Rafael Alcadipani, professor da FGV e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, também acredita que a alta na letalidade e casos como o de Acosta e Ryan podem estar relacionados a escolhas e posições políticas da atual gestão. — Os sérios problemas na segurança pública , para mim, estão localizados no Derrite, que tem sinalizado que não tem mais controle da violência policial e faz um aproveitamento midiático da situação da segurança pública. A gente não tem um secretário técnico, com conhecimento na área, mas um político (no cargo). A tropa está se sentindo solta (para agir) e vivemos o momento que vivemos. Me parece que o prazo de validade do atual secretário passou — diz Alcadipani. A questão embaralha o cenário político na capital. Apesar de Tarcísio dizer que pretende concorrer à reeleição em 2026, ele ganha cada vez mais espaço na corrida ao Palácio do Planalto — principalmente após Jair Bolsonaro, que já estava inelegível, ser indiciado por envolvimento na tentativa de golpe de Estado. Derrite já foi citado como um possível sucessor de Tarcísio no Palácio dos Bandeirantes. Após as polêmicas, porém, mesmo aliados que defenderam sua chegada à pasta reavaliam a posição, falando em “muitos erros sucessivos”, segundo apurou o Globo. Derrite foi um dos secretários indicados pela ala ideológica de Tarcísio. O secretário é egresso do efetivo da Rota, a tropa de elite em São Paulo, mas teria sido afastado do batalhão por excesso de mortes em serviço. Em entrevista a um canal do Youtube, em 2021, o então deputado federal afirmou: — Troquei tiro várias vezes, uma atrás da outra, e isso acabou incomodando, não sei quem, mas veio a ordem de cima para baixo, questão política: ‘tira o Derrite da Rota’. E fui convidado a me retirar. Derrite já foi investigado por 16 homicídios ocorridos durante operações policiais das quais participou, segundo reportagem da revista Piauí. O levantamento foi feito com base na certidão criminal do secretário, apresentada ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE) quando ele concorreu a deputado federal. O dado não significa que Derrite tenha matado 16 pessoas, uma vez que os inquéritos nem sempre apontam o autor do disparo fatal, mas mostra que o secretário estava presente nas ações que resultaram nesse saldo de mortes. Derrite foi investigado em sete inquéritos, mas nunca foi denunciado. — Um caso envolvendo um jovem de classe média (como Acosta) mostra que a insegurança na atuação da força policial alcança todas as classes e raças da sociedade. Isso deveria preocupar também aqueles que não se indignaram com a morte de uma criança de 4 anos com tiro de fuzil — afirma Claudio Silva, ouvidor da PM-SP. O GLOBO procurou Derrite e Tarcísio para comentar as questões levantadas pela reportagem, mas eles não se pronunciaram. Sobre a morte do estudante de medicina, a SSP afirma que “os policiais envolvidos na ocorrência prestaram depoimento e o agente responsável pelo disparo foi indiciado por homicídio doloso no Inquérito Policial Militar (IPM)”. Os dois policiais foram afastados. A SSP afirma ainda que as mortes decorrentes de intervenção policial são “rigorosamente apuradas” e que os policiais “recebem formação e atualização constantes, com disciplinas voltadas a direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero e ações antirracistas. Esses cursos são frequentemente aprimorados para garantir o alinhamento com os padrões éticos e legais”.

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