Policial que matou estudante de medicina tinha arma de choque disponível e não utilizou, diz SSP
Morte de estudante de medicina vem a reboque de uma PM cada vez mais violenta, dizem especialistas As imagens da morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, mostram que os PMs quebraram os protocolos de abordagem ensinados aos agentes na Academia de Polícia e fizeram uso excessivo de força sem necessidade, apontam especialistas ouvidos por O GLOBO. Para eles, a morte do jovem vem a reboque de um discurso mais enérgico para a segurança pública adotado pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário de segurança, Guilherme Derrite. Na opinião desses especialistas, essa mentalidade acaba por incentivar comportamentos mais violentos por parte da tropa. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que apura "toda a conduta" dos agentes, inclusive a não utilização da arma de choque, o taser, que, segundo a pasta, está disponível em todas as viaturas no estado. Em outubro do ano passado, no entanto, a secretaria havia dito que possuía cerca de 10.000 equipamentos do tipo taser disponíveis em radiopatrulhas para a tropa, que é de 80.000 agentes, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Vídeo obtido pelo g1 de uma câmera de segurança do hotel onde Acosta morreu, na Vila Mariana, zona Sul de São Paulo, mostra que o jovem entra em luta corporal com os dois agentes que o abordaram. O primeiro policial chega ao local com uma arma em punho e tenta agarrar o jovem pelo braço, que luta para se desvencilhar. O segundo policial, ao chegar, desfere um chute no estudante, que consegue segurar o pé do agente de segurança e o faz cair. É nesse momento que o primeiro policial dispara um tiro à queima roupa que atinge a região da barriga do jovem. — As imagens são claras. Mostram os policiais cometendo uma série de erros. Não adotaram os procedimentos operacionais do uso gradativo da força. Poderiam ter desembarcado da viatura ao ver um jovem sem camisa e desarmado com cassetetes, o que não houve. Tinham à disposição também spray de pimenta, taser, mas foram para o equipamento mais letal — observa o ouvidor das polícias de São Paulo, Claudio Silva. No boletim de ocorrência, é dito que o jovem teria tentado pegar a arma de um dos policiais, o que não é mostrado nas imagens das câmeras de segurança. Ex-secretário nacional de segurança pública e coronel da reserva da Polícia Militar, José Vicente afirma que os agentes são treinados na Academia de Polícia com um método para realizar as abordagens chamado Giraldi. — É um método inaugurado há 25 anos em que o policial é treinado para fazer ações seguras e empenhar todos os esforços possíveis para evitar a ação fatal. Mas existe um problema que é observado, que é (a falta de) retreinamento — diz Vicente, que aponta também que há um relaxamento na supervisão dos procedimentos de abordagem nos comandos operacionais. Em nota, a SSP afirma que as mortes decorrentes de intervenção policial são “rigorosamente apuradas com acompanhamento das Corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário. A instituição, que preza pelo rigor legal e não tolera desvios de conduta, mantém comissões permanentes para revisar e aprimorar os treinamentos oferecidos ao efetivo, assim como suas estruturas investigativas”. A pasta diz ainda que os policiais recebem formação e atualização constantes, com “disciplinas voltadas a direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero e ações antirracistas. Esses cursos são frequentemente aprimorados para garantir o alinhamento com os padrões éticos e legais”. O coronel Vicente afirma que a Polícia Militar faz, em média, cerca de 15.000 abordagens todos os dias em São Paulo. — É um caso excepcional (a morte do estudante), portanto. Contudo, neste ano tivemos também um incremento da letalidade policial, enquanto não houve um aumento criminal que justifique esse valor — afirma o coronel da reserva. Levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que entre janeiro e agosto deste ano as mortes cometidas por policiais em serviço aumentaram 78,5% em relação a 2023: mataram 441 pessoas, em uma média de 1,8 vítima por dia. — É importante dizer que São Paulo apresenta oscilações (na letalidade) em diferentes momentos ao longo das últimas décadas e isso reflete a linha política do governo. Temos um retrocesso em um estado que é pioneiro na produção de dados de segurança pública e na criação de programas para o uso adequado da força, como o das câmeras corporais — diz Cristina Neme, coordenadora de projetos do Sou da Paz. — Minha experiência de mais de 60 anos na PM mostra o seguinte: se o discurso está mais para contenção, com punições e afastamentos, a letalidade cai. Se vai mais para o lado da repressão ou do discurso de força, a tendência é que os policiais decidam por ações mais assertivas, até atirar, o que é um problema sério — diz o coronel José Vicente. O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, aponta que os recordes negativo
Morte de estudante de medicina vem a reboque de uma PM cada vez mais violenta, dizem especialistas As imagens da morte do estudante de medicina Marco Aurélio Cardenas Acosta, de 22 anos, mostram que os PMs quebraram os protocolos de abordagem ensinados aos agentes na Academia de Polícia e fizeram uso excessivo de força sem necessidade, apontam especialistas ouvidos por O GLOBO. Para eles, a morte do jovem vem a reboque de um discurso mais enérgico para a segurança pública adotado pela gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos) e do secretário de segurança, Guilherme Derrite. Na opinião desses especialistas, essa mentalidade acaba por incentivar comportamentos mais violentos por parte da tropa. A Secretaria de Segurança Pública (SSP) informou que apura "toda a conduta" dos agentes, inclusive a não utilização da arma de choque, o taser, que, segundo a pasta, está disponível em todas as viaturas no estado. Em outubro do ano passado, no entanto, a secretaria havia dito que possuía cerca de 10.000 equipamentos do tipo taser disponíveis em radiopatrulhas para a tropa, que é de 80.000 agentes, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Vídeo obtido pelo g1 de uma câmera de segurança do hotel onde Acosta morreu, na Vila Mariana, zona Sul de São Paulo, mostra que o jovem entra em luta corporal com os dois agentes que o abordaram. O primeiro policial chega ao local com uma arma em punho e tenta agarrar o jovem pelo braço, que luta para se desvencilhar. O segundo policial, ao chegar, desfere um chute no estudante, que consegue segurar o pé do agente de segurança e o faz cair. É nesse momento que o primeiro policial dispara um tiro à queima roupa que atinge a região da barriga do jovem. — As imagens são claras. Mostram os policiais cometendo uma série de erros. Não adotaram os procedimentos operacionais do uso gradativo da força. Poderiam ter desembarcado da viatura ao ver um jovem sem camisa e desarmado com cassetetes, o que não houve. Tinham à disposição também spray de pimenta, taser, mas foram para o equipamento mais letal — observa o ouvidor das polícias de São Paulo, Claudio Silva. No boletim de ocorrência, é dito que o jovem teria tentado pegar a arma de um dos policiais, o que não é mostrado nas imagens das câmeras de segurança. Ex-secretário nacional de segurança pública e coronel da reserva da Polícia Militar, José Vicente afirma que os agentes são treinados na Academia de Polícia com um método para realizar as abordagens chamado Giraldi. — É um método inaugurado há 25 anos em que o policial é treinado para fazer ações seguras e empenhar todos os esforços possíveis para evitar a ação fatal. Mas existe um problema que é observado, que é (a falta de) retreinamento — diz Vicente, que aponta também que há um relaxamento na supervisão dos procedimentos de abordagem nos comandos operacionais. Em nota, a SSP afirma que as mortes decorrentes de intervenção policial são “rigorosamente apuradas com acompanhamento das Corregedorias, Ministério Público e Poder Judiciário. A instituição, que preza pelo rigor legal e não tolera desvios de conduta, mantém comissões permanentes para revisar e aprimorar os treinamentos oferecidos ao efetivo, assim como suas estruturas investigativas”. A pasta diz ainda que os policiais recebem formação e atualização constantes, com “disciplinas voltadas a direitos humanos, igualdade social, diversidade de gênero e ações antirracistas. Esses cursos são frequentemente aprimorados para garantir o alinhamento com os padrões éticos e legais”. O coronel Vicente afirma que a Polícia Militar faz, em média, cerca de 15.000 abordagens todos os dias em São Paulo. — É um caso excepcional (a morte do estudante), portanto. Contudo, neste ano tivemos também um incremento da letalidade policial, enquanto não houve um aumento criminal que justifique esse valor — afirma o coronel da reserva. Levantamento do Instituto Sou da Paz aponta que entre janeiro e agosto deste ano as mortes cometidas por policiais em serviço aumentaram 78,5% em relação a 2023: mataram 441 pessoas, em uma média de 1,8 vítima por dia. — É importante dizer que São Paulo apresenta oscilações (na letalidade) em diferentes momentos ao longo das últimas décadas e isso reflete a linha política do governo. Temos um retrocesso em um estado que é pioneiro na produção de dados de segurança pública e na criação de programas para o uso adequado da força, como o das câmeras corporais — diz Cristina Neme, coordenadora de projetos do Sou da Paz. — Minha experiência de mais de 60 anos na PM mostra o seguinte: se o discurso está mais para contenção, com punições e afastamentos, a letalidade cai. Se vai mais para o lado da repressão ou do discurso de força, a tendência é que os policiais decidam por ações mais assertivas, até atirar, o que é um problema sério — diz o coronel José Vicente. O professor da FGV (Fundação Getúlio Vargas) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, Rafael Alcadipani, aponta que os recordes negativos de letalidade e casos como o da morte de Acosta e também outros, como o do menino Ryan Santos, de 4 anos, morto em Santos, e as dezenas de mortes nas operações policiais na Baixada Santista podem ser relacionados com a escolha de Tarcísio de Freitas para o cargo máximo da Segurança no estado. — Os sérios problemas na segurança pública, para mim, estão localizados no Guilherme Derrite (secretário da Segurança), que tem sinalizado que não tem mais controle da violência policial e faz um aproveitamento midiático da situação da segurança pública. A gente não tem um secretário técnico, com conhecimento na área, mas um político. A tropa está se sentindo solta (para agir de forma letal) e vivemos o momento que vivemos. Me parece que o prazo de validade do atual secretário passou — diz Alcadipani. — Temos agora um caso envolvendo um jovem de classe média, o que faz determinar que a insegurança na atuação da Força alcança todas as classes e raças da nossa sociedade. Isso deveria preocupar também aqueles que não se indignaram com a morte de uma criança de 4 anos com tiro de fuzil em uma comunidade em Santos — afirma o ouvidor Claudio Silva. Silva aponta que a reversão da situação atual está nas mãos do governador Tarcísio de Freitas, gestão que vem atingindo “ineditismos” na gestão da área. Tanto o ouvidor quanto o pesquisador do Alcadipani apontam que há uma crise na segurança pública, que também pode ser notada em episódios como a morte de Vinícius Lopes Gritzbach, delator do PCC morto no Aeroporto de Guarulhos. — Temos também a morte dos policiais da Rota (na Baixada) que há 20 anos não eram mortos em patrulhamento. São incríveis ineditismos. O governador precisa mudar a postura. Temos um banho de sangue que está sendo legitimado pelas forças de segurança do estado — diz Silva. — Não adianta que os agentes tenham todas as condições para atuar sem a necessidade de uso de força letal se quando o governador recebe a informação de que entidades vão para a ONU questionar as mortes na polícia, ele diz que não está ‘nem aí’ — aponta o ouvidor. Procurada sobre a alta da letalidade policial e se a gestão estuda uma mudança na postura da segurança pública, a SSP não respondeu.
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