'Os quatro da Candelária', na Netflix, tem elenco de talentos e narra tragédia de maneira original
Na madrugada de 23 de julho de 1993, policiais militares à paisana abriram fogo contra cerca de 40 pessoas que dormiam na escadaria da Igreja da Candelária, no Centro do Rio. Seis morreram. O mais novo tinha 11 anos e o mais velho, 19. A Chacina da Candelária marcou. Ela provocou protestos aqui e lá fora e houve algumas punições, mas os responsáveis hoje estão todos soltos. Mais de 30 anos depois, a Netflix lança “Os quatro da Candelária”. A minissérie aciona as piores memórias de quem viveu aquela época. E ensina algo importante às novas gerações. Recomendo para todas as idades. Há duas maneiras mais lineares de contar essa história. A primeira seria usando a linguagem de documentário e ouvindo especialistas. A outra reencenaria o que houve. O criador, Luis Lomenha (que também codirige com Márcia Faria), pega uma terceira via. Ele mistura ficção e realidade. O enredo retrata as 36 horas que antecederam à tragédia na vida de Jesus (Andrei Marques), Pipoca (Wendy Queiroz), Sete (Patrick Congo) e Douglas (Samuel Silva). São personagens inventados, mas construídos a partir de relatos de testemunhas que conheciam as vítimas. Samuel Silva/Douglas Netflix Cada episódio é centrado num dos meninos. Como eles são uma “turma” — dividem os degraus da igreja na hora de dormir, tomam banho no chafariz público e fazem pequenos roubos —, as histórias se cruzam e certos acontecimentos se repetem, mas de ângulos diversos. É uma dramaturgia criativa e inspirada (roteiro de Renata Di Carmo, João Santos, Luh Maza, Dodo Azevedo e Igor Verde). Os sonhos dos personagens ocupam o lugar principal. A Chacina da Candelária foi, ninguém discute, um acontecimento terrível, mas a amargura e a derrota não impulsionam a série. Ela não é otimista, nem poderia ser. Mas é lírica, delicada e trata de um futuro auspicioso que os garotos projetam para si. Sabemos esse futuro será interrompido. Mas ele existe nos meninos e na trama. Há um quê de “Capitães da Areia” (de Jorge Amado) nas aventuras que acompanhamos. Os diálogos, bem trabalhados, abordam temas como racismo e homofobia sem nunca escorregar para o panfletarismo. Clique aqui para me seguir no Instagram O Rio de 1993 não precisou de reconstituição. É uma observação que faz pensar: a geografia social parece a de hoje. Num dado momento, alguém pede a Douglas seu endereço e ele responde: "Candelária". O interlocutor pergunta: "Mas onde? Você pode acaso é filho do padre?"; e ele: "Na escadaria". Mas o interior da igreja só é mostrado mais demoradamente no último episódio. É que os meninos, vivendo só na margem, não costumam entrar lá. A cena é só um exemplo da sutileza com que “Os quatro da Candelária” vai contando sua triste história de exclusão. Patrick Congo e Wendy Queiroz/Sete e Pipoca Netflix Finalmente, não se pode falar da série sem um elogio entusiasmado para o elenco. As interpretações arrebatam e isso, claro, também é mérito da direção e da escalação. No segundo episódio há uma ótima participação de Bruno Gagliasso, vale prestar atenção.
Na madrugada de 23 de julho de 1993, policiais militares à paisana abriram fogo contra cerca de 40 pessoas que dormiam na escadaria da Igreja da Candelária, no Centro do Rio. Seis morreram. O mais novo tinha 11 anos e o mais velho, 19. A Chacina da Candelária marcou. Ela provocou protestos aqui e lá fora e houve algumas punições, mas os responsáveis hoje estão todos soltos. Mais de 30 anos depois, a Netflix lança “Os quatro da Candelária”. A minissérie aciona as piores memórias de quem viveu aquela época. E ensina algo importante às novas gerações. Recomendo para todas as idades. Há duas maneiras mais lineares de contar essa história. A primeira seria usando a linguagem de documentário e ouvindo especialistas. A outra reencenaria o que houve. O criador, Luis Lomenha (que também codirige com Márcia Faria), pega uma terceira via. Ele mistura ficção e realidade. O enredo retrata as 36 horas que antecederam à tragédia na vida de Jesus (Andrei Marques), Pipoca (Wendy Queiroz), Sete (Patrick Congo) e Douglas (Samuel Silva). São personagens inventados, mas construídos a partir de relatos de testemunhas que conheciam as vítimas. Samuel Silva/Douglas Netflix Cada episódio é centrado num dos meninos. Como eles são uma “turma” — dividem os degraus da igreja na hora de dormir, tomam banho no chafariz público e fazem pequenos roubos —, as histórias se cruzam e certos acontecimentos se repetem, mas de ângulos diversos. É uma dramaturgia criativa e inspirada (roteiro de Renata Di Carmo, João Santos, Luh Maza, Dodo Azevedo e Igor Verde). Os sonhos dos personagens ocupam o lugar principal. A Chacina da Candelária foi, ninguém discute, um acontecimento terrível, mas a amargura e a derrota não impulsionam a série. Ela não é otimista, nem poderia ser. Mas é lírica, delicada e trata de um futuro auspicioso que os garotos projetam para si. Sabemos esse futuro será interrompido. Mas ele existe nos meninos e na trama. Há um quê de “Capitães da Areia” (de Jorge Amado) nas aventuras que acompanhamos. Os diálogos, bem trabalhados, abordam temas como racismo e homofobia sem nunca escorregar para o panfletarismo. Clique aqui para me seguir no Instagram O Rio de 1993 não precisou de reconstituição. É uma observação que faz pensar: a geografia social parece a de hoje. Num dado momento, alguém pede a Douglas seu endereço e ele responde: "Candelária". O interlocutor pergunta: "Mas onde? Você pode acaso é filho do padre?"; e ele: "Na escadaria". Mas o interior da igreja só é mostrado mais demoradamente no último episódio. É que os meninos, vivendo só na margem, não costumam entrar lá. A cena é só um exemplo da sutileza com que “Os quatro da Candelária” vai contando sua triste história de exclusão. Patrick Congo e Wendy Queiroz/Sete e Pipoca Netflix Finalmente, não se pode falar da série sem um elogio entusiasmado para o elenco. As interpretações arrebatam e isso, claro, também é mérito da direção e da escalação. No segundo episódio há uma ótima participação de Bruno Gagliasso, vale prestar atenção.
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