Nos Estados Unidos, clubes de férias prometem hospedagens de luxo, mas deixam viajantes afundados em dívidas

Empresas ligadas a grandes redes de hotéis atraem clientes com promessas de vantagens que não saem do papel Hope e William Gagnon saíram de Detroit, nos EUA, com destino a Cancún, no México, e, assim que chegaram, foram abordados pelo vendedor de um clube de férias. Menos de 24 horas depois, tinham concordado em pagar US$ 27 mil pela adesão — compromisso e tanto para ela, que era especialista em opinião dos clientes, e para ele, que era entregador hospitalar. Roma: Fontana di Trevi ganha passarela, e turistas podem visitar o monumento durante restauração Do Rio à Antártida: conheça navio com tecnologia para realizar expedições nos mares mais perigosos do mundo Eles compraram o que acreditavam ser o que o Unlimited Vacation Club (UVC, ou Clube de Férias Ilimitadas) estava vendendo: semanas inteiras de estadas em resorts de luxo com suítes opulentas, situados em praias impecáveis, com direito a bar à beira da piscina e concierge particular — e tudo de graça, ou pelo menos com enormes descontos. Entretanto, descobriram depois da assinatura do contrato que as restrições eram inúmeras. A inacessibilidade de muitos hotéis, as taxas embutidas e a exigência de pagamentos extras para garantir o luxo dos quartos mais descolados impossibilitavam a reserva para o tipo de experiência que tanto os impressionara no encontro com o representante. — Foi quando caiu a ficha de que tínhamos sido enganados — lamentou Hope. Hope e William Gagnon são dois dos muitos clientes que se sentiram lesados pelos clubes de viagem nos Estados Unidos Brittany Greeson/The New York Times Os clubes de férias são a nova versão do timeshare — programa muito criticado, e até ridicularizado, pelo uso de táticas de venda agressivas para convencer os membros do público a "comprar" parte de uma propriedade, conquistando com isso o direito de uso durante certo número de dias por ano. No novo formato, não há titularidade; em vez disso, a pessoa dá uma entrada na adesão e continua com pagamentos mensais para ter desconto em determinada seleção de hotéis. Embora o sistema tenha lá seus fãs, dezenas de membros antigos e atuais do UVC disseram ao "The New York Times" que as mordomias e os quartos luxuosos nunca se materializaram por causa das restrições de datas. Os benefícios são mais modestos que os descritos, ou pelo menos bem mais complicados: por exemplo, o desconto de 25% em relação ao preço de mercado de determinada suíte exige horas de pesquisa na internet para a comparação de preços. Muitos contaram que se viram presos a um contrato oneroso, assinado depois de um discurso longo, em um ambiente sedutor, com direito a quantidades copiosas de bebida alcoólica como cortesia. Acontece que as promessas que ouviram divergem drasticamente do documento — que descrevem como volumoso e complexo, e que nem tiveram a chance de ler, pois a assinatura é feita no tablet, onde as letras aparecem tão pequenas que lembram muito uma bula de remédio. Técnicas de vendas escusas e bebida farta não são os únicos fatores de manipulação; mais atraente é o nome que aparece como aval da transação: Hyatt. Segundo os registros públicos da companhia, é a cadeia que administra o clube, obtendo lucro com as taxas e os royalties — só que, entre tantas cláusulas escusas, há uma afirmando que a adesão é regida pelas leis do Panamá. — Só fui nessa porque minha filha joga softbol e tem de viajar pelo país. Já ficamos em todo tipo de acomodação que você pode imaginar. E, é claro, quando vê o nome Hyatt, você imagina que vai ser tudo nos conformes — disse Joe Robinson, dono de uma mecânica de caminhões na Louisiana que fechou negócio em meados deste ano em um resort mexicano da empresa. O Better Business Bureau deu sua nota mais alta para a Hyatt Hotels Corp., ou seja, "A+"; por outro lado, desde 2014 o clube vem recebendo nota "F", resultado do volume de reclamações e da inação da UVC em relação a um terço dessas queixas, como revelou Cinthya Lavin, vice-presidente de comunicações do grupo de proteção ao consumidor. Milhares de norte-americanos têm usado as redes sociais para alertar o público e pedir que não chegue nem perto do programa. Um grupo no Facebook, criado em 2015 por uma mulher que alega ter sido enganada, já tem mais de 12 mil membros. O "The Times" analisou 29 contratos de membros antigos e atuais e entrevistou 51 pessoas, inclusive Robinson e os Gagnon, que afirmam ter sido ludibriados. Normalmente, quando o recém-associado começa a questionar o investimento pesado que acabou de fazer, já é tarde para voltar atrás, pois tem apenas cinco dias úteis para o cancelamento, o que significa que o contrato passa a valer quando ainda está de férias. O Unlimited Vacation Club não atendeu a nossos inúmeros pedidos de entrevista e esclarecimentos para esta matéria. Em resposta à nossa lista bem minuciosa de perguntas, o representante do Hyatt se recusou a dar detalhes em relação ao oferecimento de bebidas alcoólicas, à ausência de contrato impresso e à preocupação de muitos c

Nov 11, 2024 - 04:16
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Nos Estados Unidos, clubes de férias prometem hospedagens de luxo, mas deixam viajantes afundados em dívidas

Empresas ligadas a grandes redes de hotéis atraem clientes com promessas de vantagens que não saem do papel Hope e William Gagnon saíram de Detroit, nos EUA, com destino a Cancún, no México, e, assim que chegaram, foram abordados pelo vendedor de um clube de férias. Menos de 24 horas depois, tinham concordado em pagar US$ 27 mil pela adesão — compromisso e tanto para ela, que era especialista em opinião dos clientes, e para ele, que era entregador hospitalar. Roma: Fontana di Trevi ganha passarela, e turistas podem visitar o monumento durante restauração Do Rio à Antártida: conheça navio com tecnologia para realizar expedições nos mares mais perigosos do mundo Eles compraram o que acreditavam ser o que o Unlimited Vacation Club (UVC, ou Clube de Férias Ilimitadas) estava vendendo: semanas inteiras de estadas em resorts de luxo com suítes opulentas, situados em praias impecáveis, com direito a bar à beira da piscina e concierge particular — e tudo de graça, ou pelo menos com enormes descontos. Entretanto, descobriram depois da assinatura do contrato que as restrições eram inúmeras. A inacessibilidade de muitos hotéis, as taxas embutidas e a exigência de pagamentos extras para garantir o luxo dos quartos mais descolados impossibilitavam a reserva para o tipo de experiência que tanto os impressionara no encontro com o representante. — Foi quando caiu a ficha de que tínhamos sido enganados — lamentou Hope. Hope e William Gagnon são dois dos muitos clientes que se sentiram lesados pelos clubes de viagem nos Estados Unidos Brittany Greeson/The New York Times Os clubes de férias são a nova versão do timeshare — programa muito criticado, e até ridicularizado, pelo uso de táticas de venda agressivas para convencer os membros do público a "comprar" parte de uma propriedade, conquistando com isso o direito de uso durante certo número de dias por ano. No novo formato, não há titularidade; em vez disso, a pessoa dá uma entrada na adesão e continua com pagamentos mensais para ter desconto em determinada seleção de hotéis. Embora o sistema tenha lá seus fãs, dezenas de membros antigos e atuais do UVC disseram ao "The New York Times" que as mordomias e os quartos luxuosos nunca se materializaram por causa das restrições de datas. Os benefícios são mais modestos que os descritos, ou pelo menos bem mais complicados: por exemplo, o desconto de 25% em relação ao preço de mercado de determinada suíte exige horas de pesquisa na internet para a comparação de preços. Muitos contaram que se viram presos a um contrato oneroso, assinado depois de um discurso longo, em um ambiente sedutor, com direito a quantidades copiosas de bebida alcoólica como cortesia. Acontece que as promessas que ouviram divergem drasticamente do documento — que descrevem como volumoso e complexo, e que nem tiveram a chance de ler, pois a assinatura é feita no tablet, onde as letras aparecem tão pequenas que lembram muito uma bula de remédio. Técnicas de vendas escusas e bebida farta não são os únicos fatores de manipulação; mais atraente é o nome que aparece como aval da transação: Hyatt. Segundo os registros públicos da companhia, é a cadeia que administra o clube, obtendo lucro com as taxas e os royalties — só que, entre tantas cláusulas escusas, há uma afirmando que a adesão é regida pelas leis do Panamá. — Só fui nessa porque minha filha joga softbol e tem de viajar pelo país. Já ficamos em todo tipo de acomodação que você pode imaginar. E, é claro, quando vê o nome Hyatt, você imagina que vai ser tudo nos conformes — disse Joe Robinson, dono de uma mecânica de caminhões na Louisiana que fechou negócio em meados deste ano em um resort mexicano da empresa. O Better Business Bureau deu sua nota mais alta para a Hyatt Hotels Corp., ou seja, "A+"; por outro lado, desde 2014 o clube vem recebendo nota "F", resultado do volume de reclamações e da inação da UVC em relação a um terço dessas queixas, como revelou Cinthya Lavin, vice-presidente de comunicações do grupo de proteção ao consumidor. Milhares de norte-americanos têm usado as redes sociais para alertar o público e pedir que não chegue nem perto do programa. Um grupo no Facebook, criado em 2015 por uma mulher que alega ter sido enganada, já tem mais de 12 mil membros. O "The Times" analisou 29 contratos de membros antigos e atuais e entrevistou 51 pessoas, inclusive Robinson e os Gagnon, que afirmam ter sido ludibriados. Normalmente, quando o recém-associado começa a questionar o investimento pesado que acabou de fazer, já é tarde para voltar atrás, pois tem apenas cinco dias úteis para o cancelamento, o que significa que o contrato passa a valer quando ainda está de férias. O Unlimited Vacation Club não atendeu a nossos inúmeros pedidos de entrevista e esclarecimentos para esta matéria. Em resposta à nossa lista bem minuciosa de perguntas, o representante do Hyatt se recusou a dar detalhes em relação ao oferecimento de bebidas alcoólicas, à ausência de contrato impresso e à preocupação de muitos clientes ao assinar algo que não conseguiam ler. "O Hyatt tem um compromisso inabalável com a responsabilidade na condução de negócios e se dedica a manter o nível mais alto de prestação de serviços. O UVC é alvo de todo tipo de reação do consumidor, inclusive os 20% de membros que optam por fazer upgrade do plano, baseados em experiências positivas", declarou Rodrigo Llaguno, presidente do grupo do Unlimited Vacation Club, Hyatt, por e-mail. Os problemas dos Gagnon começaram com um vendedor que lhes ofereceu primeiro uma excursão com desconto a uma ruína maia, ainda no aeroporto de Cancún — mas, para obter os ingressos, tinham de ir para o resort Secrets The Vine no dia seguinte. Eles iam se hospedar em um hotel mais em conta. Resorts como esse em que o casal tinha acabado de entrar fazem parte de um esquema estratégico do Hyat,t que, como outras grandes cadeias, incluindo Marriott e Hilton, está deixando de adquirir hotéis próprios para faturar apenas com a administração e a franquia, segundo analistas do setor. Com isso, uma imensa parte de seus lucros passou a ser resultado desses encargos depois da aquisição, em 2021, do Apple Leisure Group por US$ 2,7 bilhões, a maior de sua história. De acordo com apontamentos internos, o pacote inclui as marcas Secrets, Breathless e Dreams, proporcionando um espaço gigantesco de 99 resorts no México e no Caribe — e, de quebra, também o Unlimited Vacation Club. A empresa acabou vendendo sua participação majoritária abruptamente este ano, mas continua a administrá-lo. Os Gagnon foram salvos, em parte, pela promoção que os atraiu logo de cara: ainda na van, a caminho das ruínas de Chichén Itzá, Hope teve horas para fazer pesquisas, e os resultados que encontrou a deixaram com o coração na mão: primeiro, centenas de reclamações no Better Business Bureau; depois o grupo no Facebook "Clube de Férias Ilimitadas = Problemas Ilimitados". O casal conseguiu cancelar o contrato dentro do período de cinco dias — e, quando o UVC alegou que seria obrigado a pagar as duas diárias gratuitas e outros benefícios que desfrutaram no resort, Hope conseguiu fazer a denúncia com administradora do cartão e acabou sendo reembolsada. Apesar disso, o clube também tem uma cota de clientes satisfeitos, e o Hyatt identificou uma porção ao "The Times". Os fãs afirmaram ver vantagem em um dos principais benefícios da instituição: o desconto de 25% no valor de mercado de qualquer quarto de hotel, mesmo que tenham de penar para navegar o sistema de reservas. Como prova do sucesso do programa, o Hyatt mencionou vários clientes que optaram pelo upgrade, mas para muitos outros a opção de melhoria não passa de mais uma jogada de venda. É o caso de Shannon Hunter, de Meadow Vista, na Califórnia, que comprou o pacote inicial por US$ 19.980 em 2020 para um resort que visitaria com o noivo em Los Cabos, no México. O casal não pôde viajar por causa da pandemia, e, quando finalmente conseguiu tirar férias este ano, passou boa parte das noites livres tentando reservar um quarto básico no resort Secrets Akumal, a mais de uma hora de carro ao sul de Cancún. Pouco antes de chegar à sede luxuosa, pontilhada de palmeiras, os dois tiveram de pagar mais US$ 1.000 para ter direito a uma suíte que se abre para uma piscina particular. De acordo com a queixa em que deram entrada no departamento de garantia de qualidade do UVC, eles foram atraídos a uma segunda apresentação, na qual lhes prometeram, em troca do upgrade, acesso irrestrito à suíte com piscina própria... de graça. Com isso, ficaram atrelados a um contrato de 40 anos, no valor de US$ 51 mil — e o que já tinham pagado para amortizar o primeiro foi agregado ao segundo. Só que, quando tentaram reservar as férias seguintes, descobriram que não havia suítes com piscina privada disponíveis — pelo menos não de graça. Hunter, de 49 anos, que tem uma lojinha que vende cristais, gravou um vídeo mostrando a tela do laptop enquanto tentava reservar uma suíte, com a confirmação de que a disponibilidade para acomodação exigia um adicional de US$ 3 mil por semana. Se o casal cancelar o plano, vai perder mais de US$ 20 mil que já gastou, porque o título de adesão anterior foi cancelado quando fizeram o upgrade. — Eu me sinto como se tivesse sido completamente enganada e explorada — lamentou ela.

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