Musicais nacionais lançam novos nomes para contar histórias de artistas consagrados e da música brasileira

De 'Vital' a 'Rio Uphill', espetáculos reveem trajetórias de personagens como Paralamas e Tom Jobim e celebram a diversidade cultural do país Com um olho na ampliação do público e outro nas possibilidades de renovação dos seus próprios talentos, os espetáculos musicais brasileiros têm deixado um pouco de se orientar pelos valores da Broadway e apostado mais em histórias nacionais. Basta consultar a programação do Rio de Janeiro, que depois de temporadas recém-encerradas de “Viva o Povo Brasileiro” (no Teatro Carlos Gomes) e “Nossa história com Chico Buarque” (no Teatro Riachuelo, mas a caminho de São Paulo), ferve agora com “Vital, o musical dos Paralamas”, “Tom Jobim Musical”, “Rio Uphill” e “Aquele abraço”, o show que resume a história da música brasileira após os sofisticados jantares do Roxy Dinner Show. Etarismo: Alice Braga fala sobre dificuldades de atrizes com mais de 40 anos: 'Caras de 45 ainda fazem o gatinho' 'Star Wars' terá nova trilogia: veja linha do tempo para assistir a tudo na ordem cronológica e entender a saga Junte-se a esses o musical do Rock in Rio (da dupla Charles Möeller & Claudio Botelho, que estreou em setembro, no festival, e em 11 de janeiro próximo, dia em que o RiR completa 40 anos, começa temporada na Cidade das Artes) e tem-se um movimento com tudo para rivalizar com o do mercado de shows de artistas. Quer dizer: nem tanto assim rivalizar, mas complementar, como observa Gustavo Nunes, idealizador, junto com Marcelo Pires (parceiro na produtora Turbilhão de Ideias), de “Vital, o musical dos Paralamas”, que fica até dia 24 no Teatro Claro Mais e depois sai em turnê. Resistências Bem-sucedidos com “Cássia Eller – O musical” (que no fim de semana passado completou dez anos em cartaz, tendo passado por 26 estados do país, além do Distrito Federal) e preparando para o ano que vem um espetáculo baseado na vida e nas canções de Djavan (com direção de João Fonseca, o mesmo de “Tom Jobim Musical”), Gustavo e Marcelo enfrentaram reticências de Zé Fortes, empresário dos Paralamas do Sucesso, quando vieram com a ideia do musical sobre essa banda que ainda faz muitos shows Brasil afora. — Eu falei: “Mas é por isso mesmo (que a gente deve fazer esse musical)!” A gente tem que homenagear quem também está aqui, circulando. E não tem competição, porque show é uma coisa, e teatro musical é outra. Na verdade, um ajuda o outro — argumenta Gustavo Nunes. — Quando o público vai a um show do Paralamas, eles querem ouvir as músicas e ver os próprios Paralamas. Aqui, eles querem saber da história, do que aconteceu. São universos muito diferentes. Vital, o primeiro baterista dos Paralamas, que logo no começo da banda deu lugar a João Barone, é o personagem lúdico que, no musical, ajuda o cantor, guitarrista e compositor Herbert Vianna a contar as suas memórias. Assim como em “Cássia Eller”, Gustavo não quis contar com nomes consagrados do teatro musical para estrelar o espetáculo. Para viver os integrantes dos Paralamas, ele foi atrás de novos talentos. — A gente não estava nem tão preocupado de que o ator fosse exatamente igual ao personagem, nossa preocupação era mais a energia, da identificação com aquela figura que está ali no palco — conta Gustavo Nunes, que se espantou particularmente com o Herbert Vianna de Rodrigo Salva, ator de 36 anos, que participava de um coletivo independente de teatro e nunca achava que fosse participar de um musical. Grammy: Anitta é a primeira representante com disco de funk: 'história sendo feita' Por insistência de um amigo, Rodrigo fez um teste e acabou ganhando o papel do jovem Rei Arthur no musical “Merlin e Arthur, um sonho de liberdade”, estrelado pelo cantor Paulinho Moska. Foi isso (e o fato de já tocar guitarra em bandas desde os 12 anos) que o animou a participar das audições para “Vital”, que exigiam atores capazes de tocar instrumentos, já que a música do espetáculo seria feita em cena. — O bichinho do teatro me levou para fora da música a agora estou voltando (risos)! — comemora Rodrigo. — Procurei um Herbert que veio através da música, comecei a estudar as músicas dos Paralamas e tentei entender o estilo dele de cantar, que é um registro muito específico, dos anos 1980, que vem de muitas influências. Depois vieram os documentários, as histórias. O Herbert é taurino, um cara com personalidade forte. E depois teve o sotaque de Brasília, que é meio aberto, meio fechado. Bossa nova: cena de “Tom Jobim Musical” Caio Gallucci Apesar de ter o consagrado e conhecido Otávio Muller como o Vinicius de Moraes que narra a história, o “Tom Jobim Musical” (escrito por Nelson Motta e Pedro Brício, em cartaz no Teatro Casagrande até 23 de fevereiro) também optou por um nome pouco conhecido do grande público para viver o protagonista: Elton Towersey, de 29 anos, que começou aos 13 em “A noviça rebelde” e aí foi emendando um musical no outro, em pequenos papéis. ‘Síndrome do impostor’ Em 2019, aproveitando seus dotes musicais de pianista autodidata, Elton começou a c

Nov 10, 2024 - 04:05
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Musicais nacionais lançam novos nomes para contar histórias de artistas consagrados e da música brasileira

De 'Vital' a 'Rio Uphill', espetáculos reveem trajetórias de personagens como Paralamas e Tom Jobim e celebram a diversidade cultural do país Com um olho na ampliação do público e outro nas possibilidades de renovação dos seus próprios talentos, os espetáculos musicais brasileiros têm deixado um pouco de se orientar pelos valores da Broadway e apostado mais em histórias nacionais. Basta consultar a programação do Rio de Janeiro, que depois de temporadas recém-encerradas de “Viva o Povo Brasileiro” (no Teatro Carlos Gomes) e “Nossa história com Chico Buarque” (no Teatro Riachuelo, mas a caminho de São Paulo), ferve agora com “Vital, o musical dos Paralamas”, “Tom Jobim Musical”, “Rio Uphill” e “Aquele abraço”, o show que resume a história da música brasileira após os sofisticados jantares do Roxy Dinner Show. Etarismo: Alice Braga fala sobre dificuldades de atrizes com mais de 40 anos: 'Caras de 45 ainda fazem o gatinho' 'Star Wars' terá nova trilogia: veja linha do tempo para assistir a tudo na ordem cronológica e entender a saga Junte-se a esses o musical do Rock in Rio (da dupla Charles Möeller & Claudio Botelho, que estreou em setembro, no festival, e em 11 de janeiro próximo, dia em que o RiR completa 40 anos, começa temporada na Cidade das Artes) e tem-se um movimento com tudo para rivalizar com o do mercado de shows de artistas. Quer dizer: nem tanto assim rivalizar, mas complementar, como observa Gustavo Nunes, idealizador, junto com Marcelo Pires (parceiro na produtora Turbilhão de Ideias), de “Vital, o musical dos Paralamas”, que fica até dia 24 no Teatro Claro Mais e depois sai em turnê. Resistências Bem-sucedidos com “Cássia Eller – O musical” (que no fim de semana passado completou dez anos em cartaz, tendo passado por 26 estados do país, além do Distrito Federal) e preparando para o ano que vem um espetáculo baseado na vida e nas canções de Djavan (com direção de João Fonseca, o mesmo de “Tom Jobim Musical”), Gustavo e Marcelo enfrentaram reticências de Zé Fortes, empresário dos Paralamas do Sucesso, quando vieram com a ideia do musical sobre essa banda que ainda faz muitos shows Brasil afora. — Eu falei: “Mas é por isso mesmo (que a gente deve fazer esse musical)!” A gente tem que homenagear quem também está aqui, circulando. E não tem competição, porque show é uma coisa, e teatro musical é outra. Na verdade, um ajuda o outro — argumenta Gustavo Nunes. — Quando o público vai a um show do Paralamas, eles querem ouvir as músicas e ver os próprios Paralamas. Aqui, eles querem saber da história, do que aconteceu. São universos muito diferentes. Vital, o primeiro baterista dos Paralamas, que logo no começo da banda deu lugar a João Barone, é o personagem lúdico que, no musical, ajuda o cantor, guitarrista e compositor Herbert Vianna a contar as suas memórias. Assim como em “Cássia Eller”, Gustavo não quis contar com nomes consagrados do teatro musical para estrelar o espetáculo. Para viver os integrantes dos Paralamas, ele foi atrás de novos talentos. — A gente não estava nem tão preocupado de que o ator fosse exatamente igual ao personagem, nossa preocupação era mais a energia, da identificação com aquela figura que está ali no palco — conta Gustavo Nunes, que se espantou particularmente com o Herbert Vianna de Rodrigo Salva, ator de 36 anos, que participava de um coletivo independente de teatro e nunca achava que fosse participar de um musical. Grammy: Anitta é a primeira representante com disco de funk: 'história sendo feita' Por insistência de um amigo, Rodrigo fez um teste e acabou ganhando o papel do jovem Rei Arthur no musical “Merlin e Arthur, um sonho de liberdade”, estrelado pelo cantor Paulinho Moska. Foi isso (e o fato de já tocar guitarra em bandas desde os 12 anos) que o animou a participar das audições para “Vital”, que exigiam atores capazes de tocar instrumentos, já que a música do espetáculo seria feita em cena. — O bichinho do teatro me levou para fora da música a agora estou voltando (risos)! — comemora Rodrigo. — Procurei um Herbert que veio através da música, comecei a estudar as músicas dos Paralamas e tentei entender o estilo dele de cantar, que é um registro muito específico, dos anos 1980, que vem de muitas influências. Depois vieram os documentários, as histórias. O Herbert é taurino, um cara com personalidade forte. E depois teve o sotaque de Brasília, que é meio aberto, meio fechado. Bossa nova: cena de “Tom Jobim Musical” Caio Gallucci Apesar de ter o consagrado e conhecido Otávio Muller como o Vinicius de Moraes que narra a história, o “Tom Jobim Musical” (escrito por Nelson Motta e Pedro Brício, em cartaz no Teatro Casagrande até 23 de fevereiro) também optou por um nome pouco conhecido do grande público para viver o protagonista: Elton Towersey, de 29 anos, que começou aos 13 em “A noviça rebelde” e aí foi emendando um musical no outro, em pequenos papéis. ‘Síndrome do impostor’ Em 2019, aproveitando seus dotes musicais de pianista autodidata, Elton começou a compor para o teatro musical, em “Se essa lua fosse minha” e a electro-ópera “Iron – o homem da máscara de ferro” (que lhe valeu o prêmio Bibi Ferreira de melhor composição), e “Itapuca – o musical”. Desencantado do trabalho de ator, e empenhado em montar um musical, ele nem ia mandar material para a audição de Tom Jobim, que procurava para o Tom um ator que soubesse cantar e tocar piano e violão (“não sabia se tinha chance”, admite ele, que mesmo assim mandou o material e foi o escolhido). — Todo dia eu entro em cena com medo. Como dar vida a essa figura que todo mundo conhece e ama? Todo dia eu estou tentando achar o Tom, e peço muita ajuda para o Otávio Muller. E aí bate aquela síndrome do impostor: “Você só está aí porque sabe tocar piano!” (risos) — diz Elton, que fica em cena por quase todo o tempo do longo espetáculo. — “Tom Jobim Musical” é um híbrido da beleza e da potência explosiva da Broadway, que é de onde eu vim, com a elegância do Tom. É bom, porque ele consegue agradar todo mundo, até quem tem preguiça de musical. Para Barbara Guerra, que produz o musical junto com o sócio Júlio Figueiredo e o empresário Luiz Oscar Niemeyer, da produtora Bonus Track, “quando o musical, seja internacional ou nacional, envolve a figura de um artista da música que fez história, isso acaba trazendo um público que não está acostumado a ir ao teatro”. — É uma forma de furar a bolha — diz ela, que já tinha feito musicais sobre os 50 anos da Tropicália e sobre a apresentadora Hebe Camargo. — A gente estava buscando novos nomes e novos conteúdos para voltar com um musical e resolvemos pensar em alguma coisa brasileira. E aí lembramos do Tom Jobim, que é representado em alguns musicais, mas ninguém nunca tinha contado a história dele com protagonismo. A ideia era que fosse algo grandioso, de alto nível, que representasse a sofisticação de Tom. Receita da Broadway e tempero nacional Por caminhos diferentes dos de “Vital” e “Tom Jobim”, vai “Rio Uphill”, musical que segue temporada até dia 17 no Teatro Adolfo Bloch, e depois vai a São Paulo, para uma temporada entre janeiro e fevereiro. Dirigido por Gustavo Barchilon (figura por trás de musicais de sucesso como “Alguma coisa podre”, “Barnum — O rei do show”, “Bob Esponja” e “Funny Girl”), ele aposta na estética luminosa e bombástica da Broadway (e em uma série de canções especialmente compostas para a cena) a fim de contar uma história de amor que ora une, ora separa favela e asfalto no Rio de Janeiro. Favela e asfalto: cena do musical Rio Uphill, que conta uma história de amor Caio Gallucci — Depois da pandemia, eu achava que, não só por causa do aumento do dólar, mas pela valorização de um sentimento brasileiro, a gente veria o início de muitos musicais autorais nacionais, assim como foi na Broadway, que importava os musicais de Londres e, depois da Depressão, começou a produzir musicais americanos — analisa Gustavo. — Então, o “Rio Uphill” veio de um momento em que os autores estavam tentando fazer esse musical nos EUA, e eu achei que poderia dar muito certo aqui, bebendo da Broadway, mas com as nossas temáticas. Então, na hora de montar, a gente chamou pessoas que realmente fazem parte desse universo, da comunidade. Das audições, vieram atores como Bhener Carvalho, 27, que ficou com o papel de um dos protagonistas, o sensível e atormentado jovem de favela Miguel. Nascido em uma família humilde em São Gonçalo, filho de um sambista-pedreiro, Bhener começou a cantar aos 6 anos, na igreja, e descobriu o teatro aos 12, na Lona Cultural do Jardim Catarina (em SG). Participou de musicais como “Luther King” e “Passarim” (homenagem a Tom Jobim) e, de tanto fazer audições para outros musicais e não passar, nem ia fazer a de “Rio Uphill”. — Mas ali foi diferente, muito inclusivo, com os corpos periféricos, a galera com que eu vivo — conta ele. — Muitas vezes eu levei o Miguel para casa, também tenho essa coisa de às vezes ter que responder as perguntas, mas não saber como. Agora, as pessoas estão se identificando com o “Rio Uphill”, dizendo: “estão falando sobre a nossa realidade!” Não estamos acostumados a exigir protagonismo na sociedade, isso ainda mexe muito comigo. Mas é algo que precisamos começar a normalizar. Sem diálogos Espetáculo permanente do Roxy Dinner Show (evento gastronômico-cultural que acontece de quinta a domingo no espaço reformado do antigo cinema Roxy, em Copacabana), “Aquele abraço” nasceu de uma encomenda para o jornalista, pesquisador musical e dramaturgo Leonardo Bruno de “um espetáculo que mostre para brasileiros e estrangeiros do que é a cultura brasileira”. Em cartaz no Rio até algumas semanas atrás com o musical “Leci Brandão na palma da mão”, ele criou uma viagem de uma hora e meia com escalas por samba, bossa, forró, funk, música nativista gaúcha e até o Boi de Parintins. Cena do musical Roxy Dinner Show: história da cultura brasileira contada através das músicas Vera Donato — O primeiro desafio era entender se esse seria um espetáculo com falas, ou se a história seria contada através das músicas, que foi o que eu acabei escolhendo. Isso traz um pouco da forma brasileira de fazer um musical — explica Leonardo. — Quando a gente abre o espetáculo com os atores vestidos de garçons tocando copos, facas e balde de gelo, isso é muito uma característica nossa. A gente está mostrando a cultura brasileira em todos os seus aspectos, inclusive na forma de fazer música. Em seu formato incomum, “Aquele abraço” conta com um telão de 26 metros de largura e mais de 50 artistas em cena — os quais, segundo Leonardo, “são os protagonistas, para manter a corporeidade do espetáculo, afinal a cultura brasileira é o toque, é o riso, é o arrepio, é a dança, é o jogo de cintura”. Um time montado a partir de audições com mais de 550 inscritos, de todo o Brasil, para que se pudesse atender a todas as regionalidades e todas as especialidades — de dança, de canto e de instrumental (o espetáculo tem uma base musical, concebida e gravada por Pretinho da Serrinha, mas também muitas intervenções ao vivo de atores-músicos). Parte do elenco de “Aquele abraço” veio da cena dos musicais. Mas há estreantes, como Jaque Gomes, 29, nascida em Bangu, que cantava samba em bares das Zonas Norte e Oeste do Rio de Janeiro. Aprovada na audição, ela ganhou o papel do Garantido na sequência do Boi de Parintins e ficou responsável por uma das partes do samba, cantando “Canto de Ossanha” e “Não deixe o samba morrer”. — É tudo muito novo para mim. É uma experiência para além do que eu imaginei — comemora Jaque, sem deixar de lembrar dos imprevistos que enfrentou nessa nova vida de estrela de musical. — Ali, a gente tem que estar preparado para tudo. Na segunda semana de espetáculo eu tive um problema com meu figurino, a minha roupa de garçom acabou descolando, e fiquei muito assustada. Mas fui no truque e deu certo!

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