Gurulândia
Em uma semana, eu garanto: sua vida vai estar diferente”. Assim começa o vídeo do guru-influenciador de dentes alvos e brilhantes. Ao fundo, um rock pesadão, trilha sonora de quem vai começar uma competição de UFC. Letras fortes e chamativas, soluções milagrosas e felicidade instantânea. O moço lota grandes teatros e até ginásios. É uma igreja sem santos, sem Deus. O deus, na verdade, é ele. Que cita todos os filósofos, dos gregos aos católicos, de cor. “Como dizia Platão...”, assim começa sua frase. E todos ficam boquiabertos. Nestes tempos de coaches, tenho pensado muito na figura dos professores e professoras. Daqueles de antigamente, os que formaram a nós, geração analógica que, de repente, foi apresentada ao mundo digital. Longe de mim querer romantizar o passado, afinal o mundo evolui, mas como eu admiro meus mestres. Mulheres e homens que, dia após dia, ano após ano, ficavam diante de nós em salas de aula modestas. Eles não tinham ternos sob medida nem PowerPoints elaborados. Seu palco era um simples quadro, seu público, uma trintena de alunos turbulentos. E, no entanto, sua influência em nossas vidas foi imensurável. Poderiam, mas não escreveram nenhum best-seller nem venderam seminários caros para compartilhar sua sabedoria. Não fariam sucesso, pois seu “produto” não é de fórmula fácil: a própria educação, que muitas vezes se baseia no desagrado, no não, na contrariedade. Eles não prometiam transformar nossa vida em sete dias, mas se engajavam em um processo longo e paciente de formação da nossa mente e do nosso caráter. Quando tocavam o coração de um aluno, ele não virava um seguidor, mas um discípulo. Sua influência não se media em curtidas ou compartilhamentos, mas em vidas transformadas. Muito loucos os meus professores: ao mesmo tempo que exigiam de nós comportamento, esperavam que fôssemos corações rebeldes para mudar este mundo insano. Eram mentores que não buscavam nos deslumbrar com citações pomposas ou teorias rebuscadas. Sua sabedoria estava ancorada no concreto, adaptada ao nosso nível de compreensão. Eles nos ensinavam a ler, contar, pensar por nós mesmos. O respeito, a curiosidade e o valor do trabalho árduo e da perseverança. Não nos ofereciam atalhos para o sucesso, mas as ferramentas para enfrentar os desafios da vida: resiliência e indignação. Ao mesmo tempo, eram cansados, impacientes — a grana era sempre curta — enfim, eram humanos. Os meus melhores professores e professoras não tentaram me fazer acreditar; eles me ensinaram a duvidar. A fazer perguntas. A rebater o inaceitável. A abraçar o estranho. A checar as fontes. Tudo isso com a mão imunda de giz, que arranhava o quadro sob aquela luz fria de necrotério. Mas quanta vida entrava em nós. O sopro da sabedoria. Tenho muito orgulho de ser filho de professores e de ter começado minha vida como um. Mas há de tudo nesta vida: bons gurus e maus professores; maus coaches e bons mestres; sábios no boteco e ignorantes na academia. Só que nunca vi os verdadeiros mestres se preocuparem em conquistar multidões. Pelo contrário; era uma dedicação artesanal, diária e sussurrada aos poucos espíritos que estavam ali, naqueles 50 minutos de aula. A educação não é plastificada, ela é esculpida. Quanto mais aparecem, no meu feed, gurus patrocinados por algoritmos, mais saudades tenho dos meus professores.
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