Guerra na Ucrânia: Armas nucleares são a definitiva moeda de troca da Rússia
Conflito não apenas destruiu milhões de vidas e abalou a Europa, mas também habituou os EUA ao uso de ameaças nucleares para alavancagem russa No momento em que a guerra da Ucrânia chegou a seu milésimo dia, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky aproveitou a nova disposição dos EUA de permitir que mísseis de longo alcance fossem disparados no coração do território da Rússia. Até o último fim de semana, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden havia se recusado a permitir tais ataques usando armas americanas, por medo de que pudessem desencadear a Terceira Guerra Mundial. Entenda: Como o uso de mísseis de longo alcance contra a Rússia pode afetar a guerra na Ucrânia G20 no Rio: Lula diz que orçamento de guerras é mil vezes superior ao da OMS, e critica verba de países ricos 'para destruir vidas' No mesmo dia, a Rússia anunciou formalmente uma nova doutrina nuclear, que havia sinalizado dois meses atrás. Os russos declararam pela primeira vez que usariam armas nucleares não apenas em resposta a um ataque que ameaçasse sua sobrevivência, mas também em resposta a qualquer ataque que representasse uma "ameaça crítica" à sua soberania e integridade territorial — uma situação muito semelhante ao que estava acontecendo na região de Kursk, quando mísseis balísticos de fabricação americana atingiram arsenais de armas russos. E havia outro detalhe nas diretrizes da Rússia para o uso nuclear: pela primeira vez, o país declarou ter o direito de usar armas nucleares contra um Estado que só possui armas convencionais, desde que este seja apoiado por uma potência nuclear. A Ucrânia, apoiada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França — três dos cinco estados originais com armas nucleares — parece ser o país que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tinha em mente. Leia também: No G20, premier japonês afirma buscar 'relação de sinergia' com Trump, mas defende multilateralismo Erdogan: Presidente da Turquia diz que já esperava declaração final do G20 sem condenação a Israel, mas avisa que 'mundo precisa agir' Não passou despercebido, no entanto, que a reação dos EUA a esta nova doutrina, na terça-feira, tenha sido quase um bocejo. Autoridades norte-americanos enxergaram a doutrina como algo irrelevante no universo das ameaças nucleares. Em vez disso, as atenções de Washington se concentravam na ocupação de cargos da nova administração de Donald Trump, como as especulações sobre quem assumirá a secretaria do Tesouro ou se Matt Gaetz sobreviverá ao processo de confirmação para se tornar procurador-geral. A guerra na Ucrânia mudou muitas coisas: acabou com centenas de milhares de vidas e destruiu outras milhões, abalou a Europa e aprofundou a inimizade entre a Rússia e os Estados Unidos. Mas também acostumou Washington e o mundo a um novo uso de armas nucleares, que se tornaram uma espécie de moeda de troca definitiva. Galerias Relacionadas Frente à ideia de que um dos nove países agora em posse de armas nucleares — com o Irã prestes a se tornar o décimo — possa apertar o botão, a reação mais provável é um sacudir de ombros, em vez de uma convocação do Conselho de Segurança da ONU. — Esta é uma estratégia de sinalização, tentando assustar o público na Europa e, em menor grau, os Estados Unidos, para que retirem o apoio à Ucrânia — disse Matthew Bunn, um professor de Harvard que monitora os riscos nucleares há décadas. — A probabilidade real de curto prazo do uso nuclear russo não aumentou. A probabilidade de longo prazo de guerra nuclear provavelmente aumentou ligeiramente. Isso porque a disposição dos EUA de apoiar ataques no coração da Rússia está reforçando o ódio e o medo de Putin pelo Ocidente, e provavelmente provocará respostas russas que aumentarão o medo e o ódio do Ocidente pela Rússia — completa Bunn. A decisão de Biden de permitir que os ucranianos usem os mísseis de longo alcance, conhecidos pelo acrônimo ATACMS (de “Army Tactical Missile Systems”), representou uma guinada na política dos EUA. Trump, que tomará posse em cerca de nove semanas, prometeu limitar o apoio dos EUA à Ucrânia. Para Putin, a nova doutrina nuclear é a mais recente de várias tentativas de transformar o maior arsenal nuclear do planeta em algo que o mundo pode realmente temer novamente, dando a ele a margem de manobra global que sua economia de gás e guerra não conseguiu até agpra. Em uma declaração do Conselho de Segurança Nacional, o governo Biden condenou a nova doutrina, mas não demonstrou qualquer alarme. A declaração observou que não houve mudança na postura nuclear da Rússia e, portanto, nenhuma necessidade de mudança nos níveis de alerta dos EUA. A sensação era de que eram tudo palavras, e de que Putin estava tentando criar para si mesmo novas justificativas para ameaçar o uso nuclear. — Independentemente do limite que ele possa tentar estabelecer, a decisão de Putin de empregar uma arma nuclear em qualquer lugar, a qualquer hora, em qualquer escala ainda seria recebida com consequências severas. Mesmo com essas
Conflito não apenas destruiu milhões de vidas e abalou a Europa, mas também habituou os EUA ao uso de ameaças nucleares para alavancagem russa No momento em que a guerra da Ucrânia chegou a seu milésimo dia, o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky aproveitou a nova disposição dos EUA de permitir que mísseis de longo alcance fossem disparados no coração do território da Rússia. Até o último fim de semana, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden havia se recusado a permitir tais ataques usando armas americanas, por medo de que pudessem desencadear a Terceira Guerra Mundial. Entenda: Como o uso de mísseis de longo alcance contra a Rússia pode afetar a guerra na Ucrânia G20 no Rio: Lula diz que orçamento de guerras é mil vezes superior ao da OMS, e critica verba de países ricos 'para destruir vidas' No mesmo dia, a Rússia anunciou formalmente uma nova doutrina nuclear, que havia sinalizado dois meses atrás. Os russos declararam pela primeira vez que usariam armas nucleares não apenas em resposta a um ataque que ameaçasse sua sobrevivência, mas também em resposta a qualquer ataque que representasse uma "ameaça crítica" à sua soberania e integridade territorial — uma situação muito semelhante ao que estava acontecendo na região de Kursk, quando mísseis balísticos de fabricação americana atingiram arsenais de armas russos. E havia outro detalhe nas diretrizes da Rússia para o uso nuclear: pela primeira vez, o país declarou ter o direito de usar armas nucleares contra um Estado que só possui armas convencionais, desde que este seja apoiado por uma potência nuclear. A Ucrânia, apoiada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e França — três dos cinco estados originais com armas nucleares — parece ser o país que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, tinha em mente. Leia também: No G20, premier japonês afirma buscar 'relação de sinergia' com Trump, mas defende multilateralismo Erdogan: Presidente da Turquia diz que já esperava declaração final do G20 sem condenação a Israel, mas avisa que 'mundo precisa agir' Não passou despercebido, no entanto, que a reação dos EUA a esta nova doutrina, na terça-feira, tenha sido quase um bocejo. Autoridades norte-americanos enxergaram a doutrina como algo irrelevante no universo das ameaças nucleares. Em vez disso, as atenções de Washington se concentravam na ocupação de cargos da nova administração de Donald Trump, como as especulações sobre quem assumirá a secretaria do Tesouro ou se Matt Gaetz sobreviverá ao processo de confirmação para se tornar procurador-geral. A guerra na Ucrânia mudou muitas coisas: acabou com centenas de milhares de vidas e destruiu outras milhões, abalou a Europa e aprofundou a inimizade entre a Rússia e os Estados Unidos. Mas também acostumou Washington e o mundo a um novo uso de armas nucleares, que se tornaram uma espécie de moeda de troca definitiva. Galerias Relacionadas Frente à ideia de que um dos nove países agora em posse de armas nucleares — com o Irã prestes a se tornar o décimo — possa apertar o botão, a reação mais provável é um sacudir de ombros, em vez de uma convocação do Conselho de Segurança da ONU. — Esta é uma estratégia de sinalização, tentando assustar o público na Europa e, em menor grau, os Estados Unidos, para que retirem o apoio à Ucrânia — disse Matthew Bunn, um professor de Harvard que monitora os riscos nucleares há décadas. — A probabilidade real de curto prazo do uso nuclear russo não aumentou. A probabilidade de longo prazo de guerra nuclear provavelmente aumentou ligeiramente. Isso porque a disposição dos EUA de apoiar ataques no coração da Rússia está reforçando o ódio e o medo de Putin pelo Ocidente, e provavelmente provocará respostas russas que aumentarão o medo e o ódio do Ocidente pela Rússia — completa Bunn. A decisão de Biden de permitir que os ucranianos usem os mísseis de longo alcance, conhecidos pelo acrônimo ATACMS (de “Army Tactical Missile Systems”), representou uma guinada na política dos EUA. Trump, que tomará posse em cerca de nove semanas, prometeu limitar o apoio dos EUA à Ucrânia. Para Putin, a nova doutrina nuclear é a mais recente de várias tentativas de transformar o maior arsenal nuclear do planeta em algo que o mundo pode realmente temer novamente, dando a ele a margem de manobra global que sua economia de gás e guerra não conseguiu até agpra. Em uma declaração do Conselho de Segurança Nacional, o governo Biden condenou a nova doutrina, mas não demonstrou qualquer alarme. A declaração observou que não houve mudança na postura nuclear da Rússia e, portanto, nenhuma necessidade de mudança nos níveis de alerta dos EUA. A sensação era de que eram tudo palavras, e de que Putin estava tentando criar para si mesmo novas justificativas para ameaçar o uso nuclear. — Independentemente do limite que ele possa tentar estabelecer, a decisão de Putin de empregar uma arma nuclear em qualquer lugar, a qualquer hora, em qualquer escala ainda seria recebida com consequências severas. Mesmo com essas revisões da doutrina russa, ainda estou muito confiante de que a postura convencional e nuclear dos EUA e da Otan são capazes de desencorajar o emprego nuclear russo ou de restabelecer a dissuasão, caso Putin erre seus cálculos — disse Vipin Narang, professor do MIT e especialista nuclear. A chance desse erro de cálculo parece baixa: Putin tem sido cauteloso durante toda a guerra sobre lançar qualquer ataque aberto às nações da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), que ele quer manter fora da guerra. Os EUA, por sua vez, têm demonstrado temores ocasionais de que a Rússia possa de fato detonar uma arma nuclear — como em outubro de 2022, quando oficiais de inteligência americanos captaram conversas entre generais russos sugerindo que Putin poderia usá-la contra uma base militar ucraniana ou outro alvo. Testando limites À época, Biden disse que os EUA estavam mais perto de uma troca nuclear do que em qualquer outro momento desde a crise dos mísseis cubanos. Mas no final, isso não se materializou. Na avaliação de Narang, “um limite nuclear não é determinado por palavras”, e as mudanças na doutrina nuclear russa “não alteram em nada o equilíbrio da capacidade de dissuasão entre EUA, Otan e Rússia”. Putin, no entanto, para sinalizar que tem um novo alcance, já instalou armas nucleares na Bielorrússia. Em breve, ele não enfrentará limites para suas armas nucleares mais poderosas, os mísseis balísticos intercontinentais que podem atingir os Estados Unidos: em 15 meses, o último tratado que limita o número dessas armas estratégicas que Washington e Moscou podem implantar — chamado de "New Start" — expira, e há pouca chance de que seja substituído. Nos EUA, democratas e republicanos já comentam a necessidade de expandir o arsenal americano para dar conta da nova parceria Rússia-China, e da possibilidade de que eles possam usar suas armas em conjunto. A verdadeira mensagem da nova doutrina nuclear de Putin não é que as armas nucleares estão de volta, mas sim que elas nunca desapareceram.
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