Facção mexicana, R$ 100 mil por travessia e aliciamento de asiáticos: como atuam os grupos que promovem migração ilegal
PF já abriu 133 inquéritos em 2024 para investigar os esquemas A Polícia Federal investiga uma série de grupos criminosos que promovem o contrabando de migrantes. Na semana passada, na operação mais recente, foi descoberto um esquema envolvendo asiáticos que passavam pelo Brasil e seguiam rumo aos Estados Unidos. Até meados de setembro, os dados mais recentes disponíveis, já foram abertos 133 inquéritos neste ano para apurar o crime. Na quinta-feira, a polícia mirou em um grupo que aliciava migrantes da Ásia, principalmente de Bangladesh e Nepal, para entrarem ilegalmente nos EUA. As vítimas eram cobradas em média em US$ 10 mil, cerca de R$ 57 mil, para fazer a rota. O esquema ocorria por meio de redes transnacionais que operam o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e em cidades de fronteira no norte do país, como Guajará-Mirim, em Rondônia, e Assis Brasil, no Acre. As vítimas saíam do Brasil por essas cidades e seguiam pela América Central até a fronteira mexicana com os EUA. O grupo era dividido por aqueles encarregados pelo apoio financeiro e os responsáveis pelo suporte logístico, o que incluía agentes de viagens, taxistas, hoteleiros e os chamados "coiotes", que fazem a travessia das vítimas entre países e na fronteira do México. A investigação descobriu ainda que o grupo fraudava pedidos de refúgio para permanência temporária no Brasil. O aumento desses pedidos de cidadãos sul-asiáticos acendeu um alerta na PF. Este não foi o único grupo na mira da PF neste ano. Em junho, por exemplo, a polícia prendeu em Goiás dois líderes de uma organização criminosa que atuou por mais de 20 anos na travessia ilegal de imigrantes do Brasil para os Estados Unidos. A organização cobrava até R$ 100 mil por pessoa e movimentou R$ 59,5 milhões de 2018 a 2023, segundo estimativa da polícia. — Consideramos que é uma das principais (organizações criminosas do país). Goiás está no cerne dessa questão a nível internacional — afirmou o delegado responsável pelo caso, Charles Lemes. Ele explicou que os suspeitos investigados neste caso atuavam apenas do Brasil, mas tinham uma conexão com um mexicano ligado à facção criminosa Los Zetas que concluía a travessia. De acordo com o delegado, a maioria dos grupos que atuam com migração ilegal agem desta maneira. A investigação, iniciada em abril de 2023, identificou que se a vítima não tivesse o valor para pagar pela travessia, os suspeitos pegavam carros, procuração de um imóvel, cobravam o pagamento do restante da dívida em solo norte-americano. A quebra de sigilo bancário mostrou que havia uma intensa movimentação financeira. — Essas pessoas são exploradas, acabam se tornando vítimas de trabalho escravo para pagar a travessia. Então, ficam alojadas em qualquer local e desempenham trabalhos braçais, como construção, jardinagem — disse o delegado. A polícia identificou ao menos 448 pessoas que fizeram a travessia com o grupo e que foram deportadas. Existem, ainda, vítimas que não foram detidas e que chegaram aos EUA. Segundo Lemes, a suspeita é de que o número seja três vezes maior. Em grupos públicos no Facebook, coiotes publicam anúncios para pessoas interessadas em chegar aos Estados Unidos e brasileiros trocam experiências e dicas de rotas. “Procura um coiote de confiança, com um bom custo benefício? Lhe ofereço a oportunidade”, diz o anúncio de um homem que diz ter 20 anos de experiência em travessia e que promete uma rota segura, sem risco de deportação — o que é inverídico. Em outros casos, anônimos publicam anúncios com data marcada para viagem: “Dia 28 temos vagas para a travessia Mex/EUA. Preço promocional”. Há, ainda, grupos de WhatsApp de pessoas que estão em trânsito no México e que ficam trocando dicas sobre os melhores lugares para passar e se entregar à polícia americana — um sistema que eles chamam de “cai cai”, em que as pessoas se entregam a policiais dos EUA e pedem asilo, com o objetivo de evitar o processo de deportação imediato. O brasileiro Lucas, de 30 anos, está nos Estados Unidos há quatro anos e conta que chegou por esse mesmo sistema. O jovem obteve da sogra, que já estava nos EUA, o contato de um coiote de Minas Gerais e o contratou para levar ele, sua ex-mulher e a filha do casal. Ele pediu para não ser identificado, porque ainda está no processo de imigração. — Não sei onde ele mora, não sei o nome. Fiquei 11 dias preso, e só eu e minha família conseguimos entrar. Os outros foram deportados. O brasileiro disse que pagou US$ 18 mil ao coiote pela travessia, sendo US$ 4 mil à vista e o resto parcelado. Ele conta que o mais difícil foi terminar de pagar o coiote, para quem fez pagamentos de US$ 1 mil por mês. De Minas para os EUA O estado de Minas Gerais é justamente o com mais registros de atuação dos grupos criminosos investigados pela PF. Coordenador-geral de Repressão a Crimes contra os Direitos Humanos, Daniel Daher explica que a situação de Minas é histórica. Segundo ele, algumas empresas que atuavam com mineração na região que eng
PF já abriu 133 inquéritos em 2024 para investigar os esquemas A Polícia Federal investiga uma série de grupos criminosos que promovem o contrabando de migrantes. Na semana passada, na operação mais recente, foi descoberto um esquema envolvendo asiáticos que passavam pelo Brasil e seguiam rumo aos Estados Unidos. Até meados de setembro, os dados mais recentes disponíveis, já foram abertos 133 inquéritos neste ano para apurar o crime. Na quinta-feira, a polícia mirou em um grupo que aliciava migrantes da Ásia, principalmente de Bangladesh e Nepal, para entrarem ilegalmente nos EUA. As vítimas eram cobradas em média em US$ 10 mil, cerca de R$ 57 mil, para fazer a rota. O esquema ocorria por meio de redes transnacionais que operam o Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, e em cidades de fronteira no norte do país, como Guajará-Mirim, em Rondônia, e Assis Brasil, no Acre. As vítimas saíam do Brasil por essas cidades e seguiam pela América Central até a fronteira mexicana com os EUA. O grupo era dividido por aqueles encarregados pelo apoio financeiro e os responsáveis pelo suporte logístico, o que incluía agentes de viagens, taxistas, hoteleiros e os chamados "coiotes", que fazem a travessia das vítimas entre países e na fronteira do México. A investigação descobriu ainda que o grupo fraudava pedidos de refúgio para permanência temporária no Brasil. O aumento desses pedidos de cidadãos sul-asiáticos acendeu um alerta na PF. Este não foi o único grupo na mira da PF neste ano. Em junho, por exemplo, a polícia prendeu em Goiás dois líderes de uma organização criminosa que atuou por mais de 20 anos na travessia ilegal de imigrantes do Brasil para os Estados Unidos. A organização cobrava até R$ 100 mil por pessoa e movimentou R$ 59,5 milhões de 2018 a 2023, segundo estimativa da polícia. — Consideramos que é uma das principais (organizações criminosas do país). Goiás está no cerne dessa questão a nível internacional — afirmou o delegado responsável pelo caso, Charles Lemes. Ele explicou que os suspeitos investigados neste caso atuavam apenas do Brasil, mas tinham uma conexão com um mexicano ligado à facção criminosa Los Zetas que concluía a travessia. De acordo com o delegado, a maioria dos grupos que atuam com migração ilegal agem desta maneira. A investigação, iniciada em abril de 2023, identificou que se a vítima não tivesse o valor para pagar pela travessia, os suspeitos pegavam carros, procuração de um imóvel, cobravam o pagamento do restante da dívida em solo norte-americano. A quebra de sigilo bancário mostrou que havia uma intensa movimentação financeira. — Essas pessoas são exploradas, acabam se tornando vítimas de trabalho escravo para pagar a travessia. Então, ficam alojadas em qualquer local e desempenham trabalhos braçais, como construção, jardinagem — disse o delegado. A polícia identificou ao menos 448 pessoas que fizeram a travessia com o grupo e que foram deportadas. Existem, ainda, vítimas que não foram detidas e que chegaram aos EUA. Segundo Lemes, a suspeita é de que o número seja três vezes maior. Em grupos públicos no Facebook, coiotes publicam anúncios para pessoas interessadas em chegar aos Estados Unidos e brasileiros trocam experiências e dicas de rotas. “Procura um coiote de confiança, com um bom custo benefício? Lhe ofereço a oportunidade”, diz o anúncio de um homem que diz ter 20 anos de experiência em travessia e que promete uma rota segura, sem risco de deportação — o que é inverídico. Em outros casos, anônimos publicam anúncios com data marcada para viagem: “Dia 28 temos vagas para a travessia Mex/EUA. Preço promocional”. Há, ainda, grupos de WhatsApp de pessoas que estão em trânsito no México e que ficam trocando dicas sobre os melhores lugares para passar e se entregar à polícia americana — um sistema que eles chamam de “cai cai”, em que as pessoas se entregam a policiais dos EUA e pedem asilo, com o objetivo de evitar o processo de deportação imediato. O brasileiro Lucas, de 30 anos, está nos Estados Unidos há quatro anos e conta que chegou por esse mesmo sistema. O jovem obteve da sogra, que já estava nos EUA, o contato de um coiote de Minas Gerais e o contratou para levar ele, sua ex-mulher e a filha do casal. Ele pediu para não ser identificado, porque ainda está no processo de imigração. — Não sei onde ele mora, não sei o nome. Fiquei 11 dias preso, e só eu e minha família conseguimos entrar. Os outros foram deportados. O brasileiro disse que pagou US$ 18 mil ao coiote pela travessia, sendo US$ 4 mil à vista e o resto parcelado. Ele conta que o mais difícil foi terminar de pagar o coiote, para quem fez pagamentos de US$ 1 mil por mês. De Minas para os EUA O estado de Minas Gerais é justamente o com mais registros de atuação dos grupos criminosos investigados pela PF. Coordenador-geral de Repressão a Crimes contra os Direitos Humanos, Daniel Daher explica que a situação de Minas é histórica. Segundo ele, algumas empresas que atuavam com mineração na região que engloba os municípios de Governador Valadares e Ipatinga eram norte-americanas. — Elas contratavam mão de obra local para poder fazer a exploração mineral e algumas convidavam seus funcionários para trabalhar nos Estados Unidos. A história começa aí. Essas pessoas iam com trabalho, casa, tudo legalizado. Mas isso começou a reverberar entre parentes, vizinhos e amigos e foi atraindo cada vez mais pessoas interessadas em se deslocar para os Estados Unidos — disse. Daher explica que as rotas migratórias são extremamente dinâmicas, porque envolvem uma série de fatores, como crise climática, política ou humanitária, e por isso a polícia precisa ficar sempre atenta às mudanças. Em determinado momento, o fluxo maior pode ser para um país e em outro momento isso pode mudar. "Organizações sofisticadas" O delegado Daniel Daher ressaltou que essas organizações criminosas são tão organizadas quanto os grupos que atuam com tráfico internacional de drogas. Além das dificuldades com a necessidade de buscar uma cooperação internacional, quando o crime envolve outros países, o delegado afirma que a PF precisa sempre estar atenta às novas tecnologias. — São organizações sofisticadas. Usam criptomoedas para lavar ativos, por exemplo. Então, precisamos estar antenados, porque não adianta combater uma organização criminosa altamente sofisticada com métodos e técnicas defasados ou tradicionais — afirmou. Exemplo de um caso que acabou em morte foi um registrado em 2021, no qual coiotes atuaram para levar um grupo de 17 brasileiros em um barco de Oiapoque (AP) para a Guiana Francesa. A embarcação naufragou no caminho e ao menos nove pessoas ficaram desaparecidas na época. Nem todos estavam de colete salva-vidas. Uma das sobreviventes contou que pagou R$ 1,5 mil pela travessia. Ela queria desembarcar com mais duas colegas em uma cidade na costa da Guiana e pegar um carro rumo a um garimpo. Quando o barco virou, as três ficaram à deriva. A sobrevivente contou que no terceiro dia, uma maré levou as duas colegas para outra rota e ela não as viu mais. Já ela, encontrou uma boia, onde ficou até o quarto dia, quando foi encontrada por pescadores. Brasil como rota O Ministério da Justiça e Segurança Pública mudou as regras para passageiros em trânsito que chegam ao Brasil. Desde o dia 26 de agosto, o governo passou a exigir visto de passageiro que passam pelo Brasil, mas cujo destino final é outro país. Quem não tiver visto, deve seguir viagem ou retornar à localidade de origem. A decisão ocorreu depois que a pasta identificou um aumento de fluxo migratório relacionado à rota ilegal, principalmente no Aeroporto de Guarulhos.
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