Escassez de meias: posição é a menos exportada pelo Brasil para Europa, com impactos até na seleção
Pressão por resultados na base e popularização de esquema com pontas estão entre causas Há 17 anos, um jogador brasileiro era eleito o melhor do mundo pela última vez, com as vitórias de Kaká no prêmio da Fifa e na Bola de Ouro. Meio-campista, o ex-camisa 22 ficou conhecido pelas arrancadas em direção ao gol. Hoje, o atacante Vinicius Junior é o principal candidato às premiações e pode encerrar o jejum nacional. Coincidência ou não, a diferença de posição dos dois representantes de gerações distintas coincide com uma nova dinâmica: o meio-campista é a posição de linha menos exportada pelo Brasil para as principais ligas da Europa. De Ronaldo a Mbappé: veja 6 astros do futebol que se tornaram donos de clubes 'Merece ganhar, sem dúvidas': Técnico do Real Madrid, Ancelotti defende Vini Jr. como vencedor da Bola de Ouro Um levantamento do site Bolavip Brasil com O GLOBO mostra que há 262 brasileiros nos times das 12 principais ligas do Velho Continente (Inglaterra, Espanha, Itália, França, Alemanha, Portugal, Bélgica, Holanda, Turquia, Grécia, Dinamarca e Ucrânia). Desses, apenas 46 (ou 17,5%) são meio-campistas — categoria que engloba volantes, armadores e até meia-atacantes. A título de comparação, a Argentina tem 114 atletas nesses mesmos torneios e vê seus meio-campistas serem menos cobiçados apenas que seus atacantes: 33 a 38. Os dois setores estão à frente de zagueiros (20), laterais (14) e goleiros (nove). Distribuição de jogadores brasileiros nas principais ligas do futebol europeu em 2024/25 Editoria de Arte Ascensão dos pontas Na seleção brasileira, o setor tem representado um problema, apesar de alguns de seus representantes atuarem na badalada Premier League, da Inglaterra. André (Wolverhampton) tenta se firmar na vaga que já foi de seu companheiro de clube João Gomes — hoje fora da seleção —, ao lado de Lucas Paquetá (West Ham) e Bruno Guimarães (Newcastle). Todavia, o técnico Dorival Júnior segue em busca de opções e, na sexta-feira, convocou Rodrygo, atacante do Real Madrid, como meia. Gerson, do Flamengo, completou o quinteto. Técnico do primeiro ouro olímpico do país, em 2016, no Rio, e hoje comandante da seleção olímpica do Egito, Rogério Micale explica que os meias modernos precisam reunir mais de uma característica da função, entre chegada ofensiva, poder de marcação e controle de jogo — o que cria desafios para a formação de talentos. — Sob pressão por resultados, muitos treinadores de base migram para jogadores mais fortes, até com menos recursos, mas que ajudam a equipe a ser equilibrada defensivamente — pondera Micale. — O jogador mais talentoso geralmente tem dificuldade de marcação, e há a migração desse meia para a ponta. Ali se cria outra dificuldade: esses meias têm que se adaptar a esse formato que hoje é moda no mundo e no Brasil, com três atacantes. Geralmente, um meia caindo pela beirada tem que mudar características, ter mais atributos. Lucas Paquetá durante a partida entre Manchester City e West Ham Oli SCARFF / AFP Um dado reforça essa tendência mundial: nas primeiras seis rodadas desta edição da Premier League, considerada a principal liga do futebol mundial, 17 dos 20 times privilegiaram formações, entre variações ofensivas e defensivas, com três meio-campistas, no máximo, visando a ter dois jogadores abertos no ataque. Só Manchester City (que também costuma jogar com pontas abertos), Crystal Palace e Southampton foram por outros caminhos em relação ao setor. Já no Brasileirão deste ano, Bahia, Atlético-MG e Criciúma foram os que mais fugiram dessa configuração. — O Brasil está passando por essa adaptação, estamos em transição. E tudo fica mais complexo. A gente perde variedade de “mão de obra” com algumas características que a gente tinha no passado — analisa Micale. Entenda em 5 pontos: como temporada 2024 do Flamengo se transformou em desastre Isso não significa, porém, que a posição está em baixa: dos 25 jogadores mais valiosos do mundo segundo estimativa do site Transfermakrt, 13 atuam pelo centro do campo. E, dentre os 25 mais cobiçados desse setor, sete defendem seleções de fora da Europa. Paquetá, Bruno Guimarães e Douglas Luiz estão nessa lista. Vinicius Zanocelo, meia ex-Santos, chegou à Europa via Estoril (Portugal) Reprodução / Instagram Experiência portuguesa Quem já joga por lá explica o que o futebol europeu busca. Ex-Santos, o volante Vinicius Zanocelo, de 23 anos, está desde janeiro no Estoril, de Portugal, cuja liga é a que tem mais brasileiros. Atuando como primeiro homem do meio, ele “chegou jogando” e hoje é titular. — Sinto o futebol de Portugal mais organizado, mais tático, e isso traz mais dificuldade. Em compensação, no Brasil, os jogadores são mais técnicos. Sempre estudei taticamente o jogo, então foi mais fácil me adaptar. E a técnica do futebol brasileiro acabou me ajudando. Foi um bom casamento — avalia Zanocelo, que mudou de função e hoje atua num meio de mais segurança defensiva e transição.— O jogador precisa vir aqui com a mente mais a
Pressão por resultados na base e popularização de esquema com pontas estão entre causas Há 17 anos, um jogador brasileiro era eleito o melhor do mundo pela última vez, com as vitórias de Kaká no prêmio da Fifa e na Bola de Ouro. Meio-campista, o ex-camisa 22 ficou conhecido pelas arrancadas em direção ao gol. Hoje, o atacante Vinicius Junior é o principal candidato às premiações e pode encerrar o jejum nacional. Coincidência ou não, a diferença de posição dos dois representantes de gerações distintas coincide com uma nova dinâmica: o meio-campista é a posição de linha menos exportada pelo Brasil para as principais ligas da Europa. De Ronaldo a Mbappé: veja 6 astros do futebol que se tornaram donos de clubes 'Merece ganhar, sem dúvidas': Técnico do Real Madrid, Ancelotti defende Vini Jr. como vencedor da Bola de Ouro Um levantamento do site Bolavip Brasil com O GLOBO mostra que há 262 brasileiros nos times das 12 principais ligas do Velho Continente (Inglaterra, Espanha, Itália, França, Alemanha, Portugal, Bélgica, Holanda, Turquia, Grécia, Dinamarca e Ucrânia). Desses, apenas 46 (ou 17,5%) são meio-campistas — categoria que engloba volantes, armadores e até meia-atacantes. A título de comparação, a Argentina tem 114 atletas nesses mesmos torneios e vê seus meio-campistas serem menos cobiçados apenas que seus atacantes: 33 a 38. Os dois setores estão à frente de zagueiros (20), laterais (14) e goleiros (nove). Distribuição de jogadores brasileiros nas principais ligas do futebol europeu em 2024/25 Editoria de Arte Ascensão dos pontas Na seleção brasileira, o setor tem representado um problema, apesar de alguns de seus representantes atuarem na badalada Premier League, da Inglaterra. André (Wolverhampton) tenta se firmar na vaga que já foi de seu companheiro de clube João Gomes — hoje fora da seleção —, ao lado de Lucas Paquetá (West Ham) e Bruno Guimarães (Newcastle). Todavia, o técnico Dorival Júnior segue em busca de opções e, na sexta-feira, convocou Rodrygo, atacante do Real Madrid, como meia. Gerson, do Flamengo, completou o quinteto. Técnico do primeiro ouro olímpico do país, em 2016, no Rio, e hoje comandante da seleção olímpica do Egito, Rogério Micale explica que os meias modernos precisam reunir mais de uma característica da função, entre chegada ofensiva, poder de marcação e controle de jogo — o que cria desafios para a formação de talentos. — Sob pressão por resultados, muitos treinadores de base migram para jogadores mais fortes, até com menos recursos, mas que ajudam a equipe a ser equilibrada defensivamente — pondera Micale. — O jogador mais talentoso geralmente tem dificuldade de marcação, e há a migração desse meia para a ponta. Ali se cria outra dificuldade: esses meias têm que se adaptar a esse formato que hoje é moda no mundo e no Brasil, com três atacantes. Geralmente, um meia caindo pela beirada tem que mudar características, ter mais atributos. Lucas Paquetá durante a partida entre Manchester City e West Ham Oli SCARFF / AFP Um dado reforça essa tendência mundial: nas primeiras seis rodadas desta edição da Premier League, considerada a principal liga do futebol mundial, 17 dos 20 times privilegiaram formações, entre variações ofensivas e defensivas, com três meio-campistas, no máximo, visando a ter dois jogadores abertos no ataque. Só Manchester City (que também costuma jogar com pontas abertos), Crystal Palace e Southampton foram por outros caminhos em relação ao setor. Já no Brasileirão deste ano, Bahia, Atlético-MG e Criciúma foram os que mais fugiram dessa configuração. — O Brasil está passando por essa adaptação, estamos em transição. E tudo fica mais complexo. A gente perde variedade de “mão de obra” com algumas características que a gente tinha no passado — analisa Micale. Entenda em 5 pontos: como temporada 2024 do Flamengo se transformou em desastre Isso não significa, porém, que a posição está em baixa: dos 25 jogadores mais valiosos do mundo segundo estimativa do site Transfermakrt, 13 atuam pelo centro do campo. E, dentre os 25 mais cobiçados desse setor, sete defendem seleções de fora da Europa. Paquetá, Bruno Guimarães e Douglas Luiz estão nessa lista. Vinicius Zanocelo, meia ex-Santos, chegou à Europa via Estoril (Portugal) Reprodução / Instagram Experiência portuguesa Quem já joga por lá explica o que o futebol europeu busca. Ex-Santos, o volante Vinicius Zanocelo, de 23 anos, está desde janeiro no Estoril, de Portugal, cuja liga é a que tem mais brasileiros. Atuando como primeiro homem do meio, ele “chegou jogando” e hoje é titular. — Sinto o futebol de Portugal mais organizado, mais tático, e isso traz mais dificuldade. Em compensação, no Brasil, os jogadores são mais técnicos. Sempre estudei taticamente o jogo, então foi mais fácil me adaptar. E a técnica do futebol brasileiro acabou me ajudando. Foi um bom casamento — avalia Zanocelo, que mudou de função e hoje atua num meio de mais segurança defensiva e transição.— O jogador precisa vir aqui com a mente mais aberta, porque vai ter que se doar bastante taticamente.
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