Como os Estados Unidos desistiram de frear crise climática e fomentaram negacionismo

Documentário exibido em evento ligado ao G-20 mostra como agenda ambiental virou um tema polarizado entre direita e esquerda durante governo de George Bush Quando o meio ambiente se tornou uma causa desprezada por um lado do espectro político? Qual a origem do discurso negacionista que torna o republicano Donald Trump, reeleito na Presidência dos Estados Unidos, uma temeridade para o combate às mudanças climáticas? E por que uma boa parte do eleitorado chama de comunista qualquer pessoa preocupada com o aquecimento global? Donald Trump: Presidente eleito considera aquecimento global uma fraude Incerteza no G20: Com vitória de Trump, governo Lula teme mudanças de posição Acredite, nem sempre foi assim. Como mostra o esclarecedor documentário "Efeito Casa Branca", dos diretores Bonni Cohen, Jon Shenk, e Pedro Kos, nos anos 1980, um governante republicano esteve à beira de fazer do país mais rico do mundo uma liderança na área ambiental, mas pôs tudo a perder ao abraçar o questionamento da ciência para ceder a interesses econômicos. Exibido na mostra Time to Act, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, no Rio, o filme nos leva aos anos 1970 para mostrar o período em que o temor com o aquecimento global invade o debate político na terra do Tio Sam. Foi quando começaram a ganhar popularidade os alertas de cientistas como Stephen Schneider, que previam tragédias provocadas pelo aumento das temperaturas da Terra em meados do século XXI, caso o ritmo de emissões de gases do efeito estufa fosse mantido. Acervo OGLOBO: Todas as edições do jornal desde 1925 para você pesquisar O longa-metragem se debruça especialmente sobre a gestão de George H. W. Bush. Quando ele foi eleito o 41º chefe do Executivo americano, em 1988, a preocupação com o aquecimento global atingia o seu auge até então. Naquele ano, os Estados Unidos sofreram com ondas de calor e secas severas que arrasaram lavouras, enquanto, na imprensa, cientistas diziam que o país já vivia os sinais da crise no clima. Num futuro muito próximo, alertavam, a situação seria bem pior. George Bush: de presidente do meio ambiente a líder negacionista Ivo Gonzalez/Agência O GLOBO Como mostra o filme, os líderes políticos não contestavam aquelas previsões. Vice-presidente do país no governo Ronald Reagan (1981 a 1988), Bush se candidatou defendendo os valores conservadores do antecessor, mas se promoveu também como o governante que tornaria a pauta ambiental uma prioridade. O republicano chegou a garantir que seria o "presidente do meio ambiente" e afirmou que combateria o efeito dos gases-estufa com o que ele próprio chamou de "efeito Casa Branca". Festival do G-20: Zeca Pagodinho, Ney Matogrosso, Daniela Mercury e muito mais O transito do Rio: Veja o que vai mudar na cidade durante o encontro G-20 As intenções pareciam sérias. Como relembra o documentário, Bush nomeou para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) o respeitado ecologista William Riley. Ex-presidente da ONG World Wildlife Fund (WWF), Riley nasceu em uma família profundamente religiosa no Texas. Ele serviu no Exército e estudou História, Direito e Planejamento Urbano nas melhores universidades, antes de fazer parte do conselho ambiental do presidente Richard Nixon. Outro republicano, aliás. Riley abraçou a missão de reduzir emissões de gases-estufa no país e começou a costurar acordos que colocariam o Tio Sam na liderança do esforço global. Mas, então, o filme "Efeito Casa Branca" nos apresenta um personagem que pode ser considerado um grande culpado por disseminar a negação da ciência climática na época: o poderoso chefe de gabinete da Casa Branca, John Sununu. Donald Trump: A visita ao Brasil para assistir a torneio de turfe no Rio Sununu era um ex-governador "linha dura" do estado de New Hampshire. Alçado ao cargo de braço direito do presidente, ele mostrou que não estava nem aí para o meio ambiente. Com a economia dos EUA patinando, o chefe de gabinete desqualificava os alertas da ciência e trabalhava para baixar a bola de qualquer plano de tornar o governo americano mais comprometido com a agenda do clima. No longa, fica claro que havia um embate contínuo entre a visão dele e a de William Riley. O ecologista William Riley, chefe da área ambiental de George Bush Divulgação Com a autorização de Sununu, a equipe responsável pelo orçamento do governo chegou a alterar o depoimento do cientista James Hansen ao Senado americano. No testemunho original, o então diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da Nasa, dizia que as mudanças climáticas levariam a secas severas, tempestades e outros eventos extremos no "futuro". A equipe de orçamento, porém, alterou o texto, fazendo parecer que não havia uma certeza sobre aquelas previsões. Aborto nos EUA: Por que a mulher que deu origem a legalização se voltou contra a causa? O caso OJ Simpson: 'Julgamento do século', que inocentou ex-atleta por morte de modelo O filme "White House Effect" mostra o momento em que, duran

Nov 12, 2024 - 13:04
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Como os Estados Unidos desistiram de frear crise climática e fomentaram negacionismo

Documentário exibido em evento ligado ao G-20 mostra como agenda ambiental virou um tema polarizado entre direita e esquerda durante governo de George Bush Quando o meio ambiente se tornou uma causa desprezada por um lado do espectro político? Qual a origem do discurso negacionista que torna o republicano Donald Trump, reeleito na Presidência dos Estados Unidos, uma temeridade para o combate às mudanças climáticas? E por que uma boa parte do eleitorado chama de comunista qualquer pessoa preocupada com o aquecimento global? Donald Trump: Presidente eleito considera aquecimento global uma fraude Incerteza no G20: Com vitória de Trump, governo Lula teme mudanças de posição Acredite, nem sempre foi assim. Como mostra o esclarecedor documentário "Efeito Casa Branca", dos diretores Bonni Cohen, Jon Shenk, e Pedro Kos, nos anos 1980, um governante republicano esteve à beira de fazer do país mais rico do mundo uma liderança na área ambiental, mas pôs tudo a perder ao abraçar o questionamento da ciência para ceder a interesses econômicos. Exibido na mostra Time to Act, na Casa de Cultura Laura Alvim, em Ipanema, no Rio, o filme nos leva aos anos 1970 para mostrar o período em que o temor com o aquecimento global invade o debate político na terra do Tio Sam. Foi quando começaram a ganhar popularidade os alertas de cientistas como Stephen Schneider, que previam tragédias provocadas pelo aumento das temperaturas da Terra em meados do século XXI, caso o ritmo de emissões de gases do efeito estufa fosse mantido. Acervo OGLOBO: Todas as edições do jornal desde 1925 para você pesquisar O longa-metragem se debruça especialmente sobre a gestão de George H. W. Bush. Quando ele foi eleito o 41º chefe do Executivo americano, em 1988, a preocupação com o aquecimento global atingia o seu auge até então. Naquele ano, os Estados Unidos sofreram com ondas de calor e secas severas que arrasaram lavouras, enquanto, na imprensa, cientistas diziam que o país já vivia os sinais da crise no clima. Num futuro muito próximo, alertavam, a situação seria bem pior. George Bush: de presidente do meio ambiente a líder negacionista Ivo Gonzalez/Agência O GLOBO Como mostra o filme, os líderes políticos não contestavam aquelas previsões. Vice-presidente do país no governo Ronald Reagan (1981 a 1988), Bush se candidatou defendendo os valores conservadores do antecessor, mas se promoveu também como o governante que tornaria a pauta ambiental uma prioridade. O republicano chegou a garantir que seria o "presidente do meio ambiente" e afirmou que combateria o efeito dos gases-estufa com o que ele próprio chamou de "efeito Casa Branca". Festival do G-20: Zeca Pagodinho, Ney Matogrosso, Daniela Mercury e muito mais O transito do Rio: Veja o que vai mudar na cidade durante o encontro G-20 As intenções pareciam sérias. Como relembra o documentário, Bush nomeou para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês) o respeitado ecologista William Riley. Ex-presidente da ONG World Wildlife Fund (WWF), Riley nasceu em uma família profundamente religiosa no Texas. Ele serviu no Exército e estudou História, Direito e Planejamento Urbano nas melhores universidades, antes de fazer parte do conselho ambiental do presidente Richard Nixon. Outro republicano, aliás. Riley abraçou a missão de reduzir emissões de gases-estufa no país e começou a costurar acordos que colocariam o Tio Sam na liderança do esforço global. Mas, então, o filme "Efeito Casa Branca" nos apresenta um personagem que pode ser considerado um grande culpado por disseminar a negação da ciência climática na época: o poderoso chefe de gabinete da Casa Branca, John Sununu. Donald Trump: A visita ao Brasil para assistir a torneio de turfe no Rio Sununu era um ex-governador "linha dura" do estado de New Hampshire. Alçado ao cargo de braço direito do presidente, ele mostrou que não estava nem aí para o meio ambiente. Com a economia dos EUA patinando, o chefe de gabinete desqualificava os alertas da ciência e trabalhava para baixar a bola de qualquer plano de tornar o governo americano mais comprometido com a agenda do clima. No longa, fica claro que havia um embate contínuo entre a visão dele e a de William Riley. O ecologista William Riley, chefe da área ambiental de George Bush Divulgação Com a autorização de Sununu, a equipe responsável pelo orçamento do governo chegou a alterar o depoimento do cientista James Hansen ao Senado americano. No testemunho original, o então diretor do Instituto Goddard para Estudos Espaciais, da Nasa, dizia que as mudanças climáticas levariam a secas severas, tempestades e outros eventos extremos no "futuro". A equipe de orçamento, porém, alterou o texto, fazendo parecer que não havia uma certeza sobre aquelas previsões. Aborto nos EUA: Por que a mulher que deu origem a legalização se voltou contra a causa? O caso OJ Simpson: 'Julgamento do século', que inocentou ex-atleta por morte de modelo O filme "White House Effect" mostra o momento em que, durante a audiência da Comissão de Ciência, Tecnologia e Espaço, presidida pelo então senador Al Gore, Hansen explica que o testemunho dele fora modificado pela Casa Branca. E protesta: "É revoltante ver que colocaram palavras na minha boca". O episódio gerou constrangimento e pôs em dúvida a política ambiental do governo Bush. Engenheiro de formação, John Sununu acreditava que as previsões sobre mudanças climáticas eram movidas por uma doutrina "anti-desenvolvimento". Como chefe de gabinete, ele tinha grande influência no governo. Entre seus "fantoches" na Casa Branca, estava o físico Allan Bromley, conselheiro científico de George Bush, que ajudou o ex-governador a dar um banho de água gelada não apenas em William Riley, mas e em ambientalistas do mundo inteiro, durante um encontro multilateral na Holanda. Bonnie e Clyde: Como o famoso casal de bandidos foi morto em emboscada A Conferência do Clima em Noordwijk, em novembro de 1989, teve início cercada de expectativas e com muita cobertura da imprensa. O texto de rascunho elaborado no evento estabelecia um acordo global que tinha como meta reduzir as emissões de gases-estufa até o ano de 2000. Seria algo, de fato, revolucionário. Mais de 60 governos participantes do encontro se mostraram dispostos a assinar o documento, mas seis países, liderados pelos Estados Unidos, negaram-se a corroborar. John Sununu: Chefe de gabinete de George Bush avesso à pauta ambiental Reprodução Nas palavras de Bromley e Sununu, eram necessários mais estudos sobre o tema antes que houvesse um compromisso do governo americano para redução de emissões. Ficou evidente, na ocasião, que William Riley não estava no comando das decisões sobre o meio ambiente na Casa Branca. Pressionado, Sununu acusou os ambientalistas de atuar para acabar com o uso de carvão, petróleo e gás. "Acho que a América não quer ficar sem seus carros", afirmou ele numa entrevista. "Quero uma política ambiental que não seja anti-crescimento ou anti-América". O chefe de gabinete, então, passou a promover encontros reunindo cientistas céticos em relação às mudanças climáticas, alguns deles financiados pela indústria do petróleo, num esforço para dar respaldo a suas atitudes no governo. Alavancados pela Casa Branca e pelo setor dos combustíveis, cientistas desprestigiados ou mesmo comprometidos com o setor dos combustíveis fósseis ganharam espaço na mídia contestando os indicadores de uma crise no clima,, o que contribuiu para colocar um ponto de interrogação na opinião pública. Afinal, era ou não necessário tomar medidas para evitar eventos extremos no futuro? O próprio George Bush fomentou essa confusão para justificar sua falta de ação na área ambiental. Ao mesmo tempo, representantes da imprensa como o radialista Rush Limbaugh, famoso por suas posições racistas, homofóbicas e misóginas, alardeavam que a ação de ambientalistas fazia parte e uma agenda socialista de combate ao capitalismo americano. Uma emissora chegou a entrevistar um cientista que alegava que uma maior presença de dióxido de carbono na atmosfera fazia bem para o planeta porque ajudava na proliferação da cobertura vegetal da Terra. Pressionado pela ciência de um lado e por maus resultados na economia de outro, em ano de eleição, Bush foi à Conferência do Clima do Rio, em 1992, querendo convencer o mundo de que era preciso estabelecer um plano que combinasse preocupação ambiental e crescimento. No evento, mais uma vez, os EUA foram criticados por trabalhar contra metas ambiciosas de frear o caos no clima. Alguns jornalistas chegaram a dizer que o líder republicano saiu do Brasil considerado um "pária". Vendida como carro-chefe no começo do governo, a agenda ambiental havia se tornado ponto fraco de Bush. Também culpado pelo baixo crescimento econômico, ele virou um caso raro de presidente dos Estados Unidos que não foi reeleito, ao ser derrotado nas urnas pelo democrata Bill Clinton.

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