Celebridades como Beyoncé e Taylor Swift tiram ou rendem votos em campanhas políticas? Especialistas respondem
Mesmo apoiada por famosos, Kamala Harris perdeu eleição nos EUA; no Rio, Eduardo Paes venceu com endosso de artistas No meio das eleições presidenciais de 2022, Caetano Veloso gravou um vídeo citando o velho líder trabalhista Leonel Brizola: “Brizola dizia que artista não dá voto, mas tira, então...” O objetivo do tropicalista era convencer os eleitores de Ciro Gomes, do PDT, mesmo partido de Brizola, a votarem no petista Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno. Não dá para saber se Caetano conseguiu tirar votos de Ciro, mas as últimas eleições, tanto para a Presidência dos Estados Unidos quanto para as prefeituras e câmaras de vereadores brasileiras, parecem indicar que Brizola tinha razão: artista não dá voto. 'Bota na boca, bota na cara': Após show de Anitta, intérprete de Libras viraliza com performances empolgadas Donald Trump: Venda de livros de ficção distópica e sobre a crise da democracia cresce após eleição do republicano Guilherme Boulos que o diga. Na corrida pela Prefeitura de São Paulo, o deputado federal do PSOL ostentou o apoio de artistas como Chico Buarque, Emicida e Malu Mader — e foi derrotado pelo atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB). Reeleito no primeiro turno com o voto de Fernanda Montenegro, Anitta e Tico Santa Cruz, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), pode ser considerado uma das exceções que confirmam as palavras que Caetano atribuiu a Brizola. ‘Elite de Hollywood’ Segundo uma pesquisa da YouGov realizada em agosto, 87% dos americanos jamais escolheram um candidato motivados pelo endosso de uma celebridade. Não à toa, o republicano Donald Trump, que não perde uma oportunidade de achincalhar a “elite liberal de Hollywood”, venceu a democrata Kamala Harris, que contou com o apoio de um exército de famosos: das cantoras Taylor Swift e Beyoncé aos atores George Clooney e Harrison Ford. Professora de Ciência política e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (Lappcom) da UFRJ, Mayra Goulart afirma que é preciso cautela ao analisar o desempenho decepcionante de candidatos apoiados por artistas. Não é que o endosso de uma celebridade não tenha efeito nenhum, diz ela. É que hoje, graças às mudanças na esfera pública provocadas pela internet, o mercado de formadores de opinião é muito mais concorrido. — No passado recente, o impacto das celebridades, dos intelectuais e da mídia tradicional na formação da opinião pública era muito maior. Com a emergência das novas tecnologias, mais horizontais e pulverizadas, esses antigos formadores de opinião perderam a centralidade — diz a cientista política. — As redes sociais se organizam em nichos que dão voz e visibilidade a camadas da população que nunca se conectaram ao ideário liberal propagado pelas mídias tradicionais. Professor da PUC-Rio e diretor de metodologia do Instituto Democracia em Xeque, Marcelo Alves aponta que mesmo artistas cujo público se espalha pelo espectro ideológico penam para transformar seu capital midiático em votos para seus candidatos. Já youtubers e influenciadores que falam para nichos específicos têm sido mais bem-sucedidos em convencer eleitores. — No caso de Trump, houve uma mobilização significativa de um ecossistema de influenciadores digitais para criar um universo midiático capaz de se contrapor à mídia de massas, dominada pela classe artística — diz Alves, acrescentando que o debate de ideias acaba em segundo plano quando a disputa é por apoio midiático. — A política perde um pouco de substância, é pautada não pelo debate racional, mas por uma lógica afetiva, de construção de imagem e marketing. O marqueteiro Pedro Simões afirma que o grande desafio dos políticos é se conectar com o povo, convencê-lo de que são capazes de resolver os problemas que eles enfrentam no dia a dia. E o apoio das celebridades conta tão pouco justamente porque elas não passam pelas mesmas dificuldades que as pessoas comuns e dependem menos de serviços públicos. Abusar de cabos eleitorais famosos poderia então, na verdade, afastar ainda mais os políticos da população, que não vê suas prioridades encampadas pelos candidatos: — O que Beyoncé sabe de saúde pública? Ela já usou a saúde pública alguma vez? O mesmo vale para os artistas que frequentam o apartamento do Caetano Veloso. Isso ainda dá força ao discurso da direita de que a esquerda não tem conexão com a população — aponta o marqueteiro, que trabalhou na recente campanha de Tabata Amaral (PSB) à Prefeitura de São Paulo. O endosso de celebridades vem a calhar a políticos que precisam ser mais conhecidos, principalmente se o famoso topar mostrá-los em suas redes sociais (o que nem sempre acontece, por medo de rejeição dos fãs). Se o objetivo é apresentar propostas, é importante se aliar a artistas que, aos olhos do eleitor, tenham legitimidade para falar de determinados temas. Esse é um perfil raro, porém. Mayra Goulart, da UFRJ, acrescenta ainda que depender demais do endosso de celebridades pode gerar a impressão de que o candidato “só fa
Mesmo apoiada por famosos, Kamala Harris perdeu eleição nos EUA; no Rio, Eduardo Paes venceu com endosso de artistas No meio das eleições presidenciais de 2022, Caetano Veloso gravou um vídeo citando o velho líder trabalhista Leonel Brizola: “Brizola dizia que artista não dá voto, mas tira, então...” O objetivo do tropicalista era convencer os eleitores de Ciro Gomes, do PDT, mesmo partido de Brizola, a votarem no petista Luiz Inácio Lula da Silva já no primeiro turno. Não dá para saber se Caetano conseguiu tirar votos de Ciro, mas as últimas eleições, tanto para a Presidência dos Estados Unidos quanto para as prefeituras e câmaras de vereadores brasileiras, parecem indicar que Brizola tinha razão: artista não dá voto. 'Bota na boca, bota na cara': Após show de Anitta, intérprete de Libras viraliza com performances empolgadas Donald Trump: Venda de livros de ficção distópica e sobre a crise da democracia cresce após eleição do republicano Guilherme Boulos que o diga. Na corrida pela Prefeitura de São Paulo, o deputado federal do PSOL ostentou o apoio de artistas como Chico Buarque, Emicida e Malu Mader — e foi derrotado pelo atual prefeito, Ricardo Nunes (MDB). Reeleito no primeiro turno com o voto de Fernanda Montenegro, Anitta e Tico Santa Cruz, o prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), pode ser considerado uma das exceções que confirmam as palavras que Caetano atribuiu a Brizola. ‘Elite de Hollywood’ Segundo uma pesquisa da YouGov realizada em agosto, 87% dos americanos jamais escolheram um candidato motivados pelo endosso de uma celebridade. Não à toa, o republicano Donald Trump, que não perde uma oportunidade de achincalhar a “elite liberal de Hollywood”, venceu a democrata Kamala Harris, que contou com o apoio de um exército de famosos: das cantoras Taylor Swift e Beyoncé aos atores George Clooney e Harrison Ford. Professora de Ciência política e coordenadora do Laboratório de Partidos, Eleições e Política Comparada (Lappcom) da UFRJ, Mayra Goulart afirma que é preciso cautela ao analisar o desempenho decepcionante de candidatos apoiados por artistas. Não é que o endosso de uma celebridade não tenha efeito nenhum, diz ela. É que hoje, graças às mudanças na esfera pública provocadas pela internet, o mercado de formadores de opinião é muito mais concorrido. — No passado recente, o impacto das celebridades, dos intelectuais e da mídia tradicional na formação da opinião pública era muito maior. Com a emergência das novas tecnologias, mais horizontais e pulverizadas, esses antigos formadores de opinião perderam a centralidade — diz a cientista política. — As redes sociais se organizam em nichos que dão voz e visibilidade a camadas da população que nunca se conectaram ao ideário liberal propagado pelas mídias tradicionais. Professor da PUC-Rio e diretor de metodologia do Instituto Democracia em Xeque, Marcelo Alves aponta que mesmo artistas cujo público se espalha pelo espectro ideológico penam para transformar seu capital midiático em votos para seus candidatos. Já youtubers e influenciadores que falam para nichos específicos têm sido mais bem-sucedidos em convencer eleitores. — No caso de Trump, houve uma mobilização significativa de um ecossistema de influenciadores digitais para criar um universo midiático capaz de se contrapor à mídia de massas, dominada pela classe artística — diz Alves, acrescentando que o debate de ideias acaba em segundo plano quando a disputa é por apoio midiático. — A política perde um pouco de substância, é pautada não pelo debate racional, mas por uma lógica afetiva, de construção de imagem e marketing. O marqueteiro Pedro Simões afirma que o grande desafio dos políticos é se conectar com o povo, convencê-lo de que são capazes de resolver os problemas que eles enfrentam no dia a dia. E o apoio das celebridades conta tão pouco justamente porque elas não passam pelas mesmas dificuldades que as pessoas comuns e dependem menos de serviços públicos. Abusar de cabos eleitorais famosos poderia então, na verdade, afastar ainda mais os políticos da população, que não vê suas prioridades encampadas pelos candidatos: — O que Beyoncé sabe de saúde pública? Ela já usou a saúde pública alguma vez? O mesmo vale para os artistas que frequentam o apartamento do Caetano Veloso. Isso ainda dá força ao discurso da direita de que a esquerda não tem conexão com a população — aponta o marqueteiro, que trabalhou na recente campanha de Tabata Amaral (PSB) à Prefeitura de São Paulo. O endosso de celebridades vem a calhar a políticos que precisam ser mais conhecidos, principalmente se o famoso topar mostrá-los em suas redes sociais (o que nem sempre acontece, por medo de rejeição dos fãs). Se o objetivo é apresentar propostas, é importante se aliar a artistas que, aos olhos do eleitor, tenham legitimidade para falar de determinados temas. Esse é um perfil raro, porém. Mayra Goulart, da UFRJ, acrescenta ainda que depender demais do endosso de celebridades pode gerar a impressão de que o candidato “só fala para um nicho ou não tem ideias próprias”. Causas se beneficiam mais Pesquisadores ouvidos pelo GLOBO concordam que candidatos ao Legislativo se beneficiam mais do endosso de famosos, pois é possível se eleger vereador ou deputado com menos votos e representando apenas parte da sociedade. Nesses casos, basta escalar uma celebridade para que o público associe à mesma causa defendida pelo candidato. Aliás, o apoio de artistas tem se mostrado mais efetivo para promover causas do que políticos. Segundo a YouGov, apenas 8% dos eleitores cogitaram votar em Kamala Harris após o apoio de Taylor Swift (outros 20% disseram menos propensos a votar na democrata). A estrela pop também compartilhou um link pedindo ao público para se registrar para votar e, nas 24 horas seguintes, o site do governo teve mais de 400 mil acessos. Em 2022, artistas como Anitta, Luiza Sonza e até o ator hollywoodiano Mark Ruffalo se engajaram numa campanha para incentivar os jovens brasileiros a tirarem o título de eleitor. Naquelas eleições, o país ganhou mais de dois milhões de votantes entre 16 e 18 anos. Oprah favoreceu Obama Para o marqueteiro Pedro Simões, há um erro ainda maior do que acreditar que artista dá voto: supor a existência de uma fórmula infalível para conquistar o eleitor. Ainda que o desempenho de candidatos apoiados por famosos costume ser decepcionante, eventualmente pode funcionar. Um estudo da Universidade Northwestern, nos Estados Unidos, detectou que a apresentadora Oprah Winfrey rendeu cerca de um milhão de votos para Barack Obama em 2008.
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