Análise: 'Argumento final' de Trump na campanha inclui racismo, misoginia e discurso de ódio — e nenhuma incoerência
Comício de ex-presidente em Nova York, a oito dias da eleição, deixa aliados e analistas boquiabertos, mas insultos a judeus, negros, mulheres e imigrantes foi constante em sua tentativa de retornar à Casa Branca A sensação de alívio na campanha de Donald Trump não durou mais do que um par de horas. No domingo, suas novas peças de propaganda na tevê, rádios e redes sociais seguiam o roteiro indicado pelos marqueteiros: “Vote em mim, pois é a economia, estúpido eleitor com menos dinheiro no bolso hoje em relação aos anos pré-pandêmicos, quando eu comandava o país.” Qual o quê. No evento no fim do dia no Madison Square Garden, arena no coração de Manhattan, em Nova York, que recebe estrelas da música e do esporte e com significado simbólico para o empresário oriundo do Queens, do outro lado do rio East, a bebida oferecida foi veneno. Violação: Ministério Público da Filadélfia abre processo contra Elon Musk para impedir sorteio de US$ 1 milhão a eleitores de Trump 43 milhões já votaram: Biden vota antecipadamente nas eleições presidenciais dos EUA Pensado como o "argumento final" de sua campanha ao retorno à Casa Branca — embora outras ações estejam programadas até a eleição, que acontece em oito dias, entre eles o encontro, na tarde desta segunda-feira, com líderes evangélicos, imediatamente antes de comício na Universidade Georgia Tech, aqui em Atlanta —, os conteúdos de domingo incluíram racismo, misoginia, discurso de ódio e vulgaridades como o Garden, alcunha carinhosa dada à casa pelos nova-iorquinos, jamais viu em seus 56 anos de existência. Comentaristas boquiabertos criticaram, com razão, a apresentação, em espaço e horário nobres, de uma sequência de convidados com argumentos em tudo opostos à história, aos valores e mesmo às mesuras necessárias para a vida cotidiana mais ou menos harmônica dos moradores da capital informal do planeta — que celebra a diversidade e onde Trump se tornou neste ano, a poucos quilômetros do Garden, o primeiro ex-presidente condenado por um crime na História americana. Não aceitar a surpresa equivale a acusar Trump de incoerência, o que, definitivamente, não procede. À frente na Carolina do Norte, Arizona e Nevada: Voto antecipado mostra forte mobilização dos republicanos em estados-chave, que podem definir vencedor Há mais de um ano, nas primárias, nos debates, em aparições na tevê, entrevistas e comícios, o republicano se recusou a baixar o tom. Ao contrário, o volume só aumentou, até o uso da gramática macarthista dos anos 1950, acusando oponentes como a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi, democrata crucial para a articulação de seus dois processos de impeachment, de “inimiga interna dos EUA”. Ao repetir no Garden sua cartilha de xenofobia e mentiras sobre os imigrantes, o líder inconstante do Partido Republicano fechou as cortinas do palco político como as reabriu. Camelô esperto, jamais maquiou o que vende. Parte dos americanos se identifica com sua lábia, outros dão de ombros, tapam os ouvidos e farão o mesmo com seus narizes na próxima terça-feira. Daí o empate com a vice-presidente Kamala Harris, a candidata democrata à Casa Branca, em todas as pesquisas de opinião, nacionais e nos sete estados decisivos. 'On my mind': Trump aposta em reconquistar Geórgia, que Kamala quer manter com aliança progressista O show de horrores do Garden incluiu classificar o primeiro-esposo Doug Emhoff como “judeu de quinta categoria”. Kamala de “anti-Cristo”, “demônio”, “burra” e “prostituta que destruirá o país com seus gigolôs”. Os democratas de “um bando de degenerados, cada um deles”. Um homem negro na plateia foi vítima de gozação por conta de seu cabelo. Republicanos se arrepiaram ao lembrar o tiro no pé da ex-secretária de Estado Hillary Clinton em 2016, quando afirmou que parte dos eleitores de Trump, seu então adversário à Casa Branca, eram "um bando de execráveis". Deu no que deu. Candidatos da direita em disputas apertadas para Governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados (nos EUA, a casa baixa do Legislativo é decidida de forma distrital, em confrontos diretos, diferentemente do que acontece no Brasil) país afora terminaram a noite de domingo furiosos. Alguns se manifestaram publicamente com horror, como se tivessem condenado desde sempre cartilha do trumpismo apresentada no Garden. Eleição nos EUA: Confiança de Trump pressiona Kamala na reta final da campanha Mas não foi só. Um dos comediantes convidados pessoalmente por Trump, “sou amigo dele”, desceu até o inacessível chão ao criticar estrato que a campanha republicana busca seduzir, para diminuir a vantagem da democrata, os eleitores de origem latino-americana. Do modo mais rasteiro possível, disse que eles se tornaram relevantes por não entenderem como funcionam contraceptivos. E classificou Porto Rico, colônia transformada em território-associado dos EUA, de “ilha do lixo no meio do Oceano”. Milhares de porto-riquenhos que migraram para os EUA votam na terça-feira, e um contingente robusto vive na Pensilvân
Comício de ex-presidente em Nova York, a oito dias da eleição, deixa aliados e analistas boquiabertos, mas insultos a judeus, negros, mulheres e imigrantes foi constante em sua tentativa de retornar à Casa Branca A sensação de alívio na campanha de Donald Trump não durou mais do que um par de horas. No domingo, suas novas peças de propaganda na tevê, rádios e redes sociais seguiam o roteiro indicado pelos marqueteiros: “Vote em mim, pois é a economia, estúpido eleitor com menos dinheiro no bolso hoje em relação aos anos pré-pandêmicos, quando eu comandava o país.” Qual o quê. No evento no fim do dia no Madison Square Garden, arena no coração de Manhattan, em Nova York, que recebe estrelas da música e do esporte e com significado simbólico para o empresário oriundo do Queens, do outro lado do rio East, a bebida oferecida foi veneno. Violação: Ministério Público da Filadélfia abre processo contra Elon Musk para impedir sorteio de US$ 1 milhão a eleitores de Trump 43 milhões já votaram: Biden vota antecipadamente nas eleições presidenciais dos EUA Pensado como o "argumento final" de sua campanha ao retorno à Casa Branca — embora outras ações estejam programadas até a eleição, que acontece em oito dias, entre eles o encontro, na tarde desta segunda-feira, com líderes evangélicos, imediatamente antes de comício na Universidade Georgia Tech, aqui em Atlanta —, os conteúdos de domingo incluíram racismo, misoginia, discurso de ódio e vulgaridades como o Garden, alcunha carinhosa dada à casa pelos nova-iorquinos, jamais viu em seus 56 anos de existência. Comentaristas boquiabertos criticaram, com razão, a apresentação, em espaço e horário nobres, de uma sequência de convidados com argumentos em tudo opostos à história, aos valores e mesmo às mesuras necessárias para a vida cotidiana mais ou menos harmônica dos moradores da capital informal do planeta — que celebra a diversidade e onde Trump se tornou neste ano, a poucos quilômetros do Garden, o primeiro ex-presidente condenado por um crime na História americana. Não aceitar a surpresa equivale a acusar Trump de incoerência, o que, definitivamente, não procede. À frente na Carolina do Norte, Arizona e Nevada: Voto antecipado mostra forte mobilização dos republicanos em estados-chave, que podem definir vencedor Há mais de um ano, nas primárias, nos debates, em aparições na tevê, entrevistas e comícios, o republicano se recusou a baixar o tom. Ao contrário, o volume só aumentou, até o uso da gramática macarthista dos anos 1950, acusando oponentes como a ex-presidente da Câmara Nancy Pelosi, democrata crucial para a articulação de seus dois processos de impeachment, de “inimiga interna dos EUA”. Ao repetir no Garden sua cartilha de xenofobia e mentiras sobre os imigrantes, o líder inconstante do Partido Republicano fechou as cortinas do palco político como as reabriu. Camelô esperto, jamais maquiou o que vende. Parte dos americanos se identifica com sua lábia, outros dão de ombros, tapam os ouvidos e farão o mesmo com seus narizes na próxima terça-feira. Daí o empate com a vice-presidente Kamala Harris, a candidata democrata à Casa Branca, em todas as pesquisas de opinião, nacionais e nos sete estados decisivos. 'On my mind': Trump aposta em reconquistar Geórgia, que Kamala quer manter com aliança progressista O show de horrores do Garden incluiu classificar o primeiro-esposo Doug Emhoff como “judeu de quinta categoria”. Kamala de “anti-Cristo”, “demônio”, “burra” e “prostituta que destruirá o país com seus gigolôs”. Os democratas de “um bando de degenerados, cada um deles”. Um homem negro na plateia foi vítima de gozação por conta de seu cabelo. Republicanos se arrepiaram ao lembrar o tiro no pé da ex-secretária de Estado Hillary Clinton em 2016, quando afirmou que parte dos eleitores de Trump, seu então adversário à Casa Branca, eram "um bando de execráveis". Deu no que deu. Candidatos da direita em disputas apertadas para Governos estaduais, Senado, Câmara dos Deputados (nos EUA, a casa baixa do Legislativo é decidida de forma distrital, em confrontos diretos, diferentemente do que acontece no Brasil) país afora terminaram a noite de domingo furiosos. Alguns se manifestaram publicamente com horror, como se tivessem condenado desde sempre cartilha do trumpismo apresentada no Garden. Eleição nos EUA: Confiança de Trump pressiona Kamala na reta final da campanha Mas não foi só. Um dos comediantes convidados pessoalmente por Trump, “sou amigo dele”, desceu até o inacessível chão ao criticar estrato que a campanha republicana busca seduzir, para diminuir a vantagem da democrata, os eleitores de origem latino-americana. Do modo mais rasteiro possível, disse que eles se tornaram relevantes por não entenderem como funcionam contraceptivos. E classificou Porto Rico, colônia transformada em território-associado dos EUA, de “ilha do lixo no meio do Oceano”. Milhares de porto-riquenhos que migraram para os EUA votam na terça-feira, e um contingente robusto vive na Pensilvânia após ser desalojado pelo furacão Maria, em 2017. Podem decidir a disputa. À época, Trump estava na Casa Branca e foi duramente criticado pela demora em socorrer os moradores. Entre as revelações de altos funcionários que trabalharam no governo republicano estão os questionamentos do então presidente sobre se seria possível “vender a ilha” ou “trocá-la pela Groenlândia, que não tem moradores sujos nem pobres”. Ajustes: Como as pesquisas eleitorais mudaram para tentar evitar erros cometidos em 2020 Se fosse uma série, o espectador diria ser forçação de roteiro mequetrefe, mas no mesmo dia Kamala estava no estado mais decisivo das eleições em um evento justamente com a comunidade porto-riquenha da Pensilvânia. Sua fala central? “Porto Rico é o lar de algumas das pessoas mais talentosas, inovadoras e ambiciosas do nosso país, e os porto-riquenhos merecem um presidente que enxergue e invista nessa força.” Minutos depois dos ataques no Garden, a maior estrela pop hoje da ilha, o rapper Bad Bunny, reproduziu a fala da vice-presidente. Na sequência, vieram seus conterrâneos Jennifer Lopez, Ricky Martin e uma dezena de outros. Hoje foi dia de faxina na campanha de Trump. Reservadamente, repórteres foram abordados por republicanos com a argumentação de que o evento no Garden fora “tomado pela parte indisciplinada da campanha”. Nada além disso. Que piadas, afinal de contas, são só piadas, e Trump é, ora, Trump. Que chistes não refletem a percepção do ex-presidente sobre os temas abordados em mais uma noite de domingo em Nova York. Mas os “temas”, enfatizados pela própria campanha, não são de difícil complexidade. Em bom português, os chamamos de direitos humanos. Os americanos terminam de votar em oito dias.
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