'Ainda estou aqui': Eunice Paiva e a 'sensação esquisita' com atestado de óbito de Rubens
Como advogada obteve o reconhecimento oficial da morte do marido, 25 anos após assassinato de ex-deputado na ditadura militar Foram cinco minutos atrás do balcão no Cartório do 1º Ofício do Registro Civil de São Paulo até que a advogada Eunice Paiva conseguisse, enfim, ter nas mãos o atestado de óbito de seu marido, Rubens Paiva. Deputado federal cassado pela ditadura militar, o engenheiro foi torturado e assassinado por agentes da repressão em janeiro de 1971. Mas somente no dia 23 de fevereiro de 1996, exatamente 25 anos e 31 dias depois, a viúva obteve o reconhecimento oficial da morte dele. Rubens Paiva: A morte do ex-deputado e a luta de uma mulher pela verdade Anos de chumbo: O sequestro que levou agentes da ditadura a torturar Paiva "O não reconhecimento da morte de Rubens Paiva foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa família", disse Eunice, com lágrimas no rosto. "Estou emocionada e reconheço que é uma sensação esquisita essa de ficar aliviada com um atestado de óbito". O momento, resgatado no já aclamado "Ainda estou aqui", novo filme de Walter Salles, deu fim à uma angústia da família e a uma série de constrangimentos. Com o atestado na mão, Eunice relembrou em uma entrevista que, quando o filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva, alistara-se no Exército, deixou em branco o campo no qual deveria dizer se o pai era vivo ou morto. No papel, deveria ser indicado ainda a causa mortis, caso o pai fosse falecido. Quando o oficial quis saber o por quê da lacuna: Acervo O GLOBO: Todas as edições do jornal desde 1925 digitalizadas para sua pesquisa "Respondi que eles, os militares, deveriam saber melhor que eu o paradeiro e a causa da morte do meu pai", contou, na época, o autor do livro "Ainda estou aqui" (2015), que dá origem à produção em cartaz nos cinemas. "Acabei dispensado do serviço militar", concluiu o escritor, que tinha 37 anos em 1996. O escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens, em imagem de 1996 Sérgio Andrade O engenheiro Rubens Paiva foi um deputado federal que teve seu mandato cassado pela ditadura após o golpe militar de 1964. Ele chegou a viver no exílio durante alguns meses, mas voltou para sua casa, na Praia do Leblon, no Rio, passou anos felizes com a sua família. Até que, em janeiro de 1971, Paiva foi levado para prestar depoimento em um quartel do Exército, onde agentes da repressão o torturaram até a morte e esconderam seu corpo, que nunca mais foi encontrado. Bomba no Riocentro: O que aconteceu com militares envolvidos no infame atentado Comando Vermelho: Como um decreto da ditadura levou à formação da facção criminosa Na versão do regime militar, o engenheiro havia sido resgatado por um "grupo terrorista" quando estava a bordo de um veículo do Exército. Mas a família não engoliu o relato. Atrás da verdade, Eunice acionou o Congresso, o governo e a Justiça. Ela se formou em Direito e se tornou uma ativista social. Mas as respostas só apareceram depois do fim da ditadura, em 1985. No ano seguinte, o ex-tenente médico Amílcar Lobo contou à revista "Veja" ter visto Paiva gravemente ferido após uma sessão de tortura. Rubens Paiva: Deputado cassado foi torturado e morto pela ditadura militar Arquivo da família Mesmo assim, o atestado de óbito só foi emitido após entrar em vigor a Lei dos Desparecidos, em 1996, reconhecendo como mortas pessoas que "sumiram" em circunstâncias políticas entre 1961 e 1979. O texto garantiu também uma indenização às famílias de 136 vítimas do regime militar e criou uma comissão para analisar outros casos levados à tona por parentes de mortos. Eunice era uma das integrantes desse colegiado, presidido pelo advogado Miguel Reale Júnior. José Jobim: O diplomata morto depois de dizer que revelaria corrupção na ditadura Edson Luís: Como o assassinato do estudante de 18 anos mudou a História do Brasil A gestação da lei fora promovida pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Em agosto de 1995, ele recebeu em seu gabinete no Palácio do Planalto uma cerimônia para apresentar o projeto, com a presença de Eunice, representando as famílias dos desparecidos, e o general Alberto Cardoso, chefe da Casa Militar. Em seu discurso, FH pediu conciliação na sociedade, mas também foi o primeiro presidente a assumir a culpa do Estado pela tortura e morte de presos na ditadura. "Se o Estado erro quando reagiu aos que contra ele se levantaram, cabe reparação. Vale menos a reparação material que a reparação moral. Hoje, como chefe de Estado e de governo, comandante supremo das Forças Armadas, cabe a mim assumir, pelo Estado, a responsabilidade de transgressões cometidas à lei e aos direitos humanos", disse o então presidente, que chegou a viver no exílio para fugir da perseguição do regime e perdeu amigos mortos nos porões da ditadura. Eunice Paiva com o general Alberto Cardoso e o então presidente, Fernando Henrique, em 1995 Ailton de Freitas
Como advogada obteve o reconhecimento oficial da morte do marido, 25 anos após assassinato de ex-deputado na ditadura militar Foram cinco minutos atrás do balcão no Cartório do 1º Ofício do Registro Civil de São Paulo até que a advogada Eunice Paiva conseguisse, enfim, ter nas mãos o atestado de óbito de seu marido, Rubens Paiva. Deputado federal cassado pela ditadura militar, o engenheiro foi torturado e assassinado por agentes da repressão em janeiro de 1971. Mas somente no dia 23 de fevereiro de 1996, exatamente 25 anos e 31 dias depois, a viúva obteve o reconhecimento oficial da morte dele. Rubens Paiva: A morte do ex-deputado e a luta de uma mulher pela verdade Anos de chumbo: O sequestro que levou agentes da ditadura a torturar Paiva "O não reconhecimento da morte de Rubens Paiva foi a forma de tortura mais violenta a que eles poderiam submeter nossa família", disse Eunice, com lágrimas no rosto. "Estou emocionada e reconheço que é uma sensação esquisita essa de ficar aliviada com um atestado de óbito". O momento, resgatado no já aclamado "Ainda estou aqui", novo filme de Walter Salles, deu fim à uma angústia da família e a uma série de constrangimentos. Com o atestado na mão, Eunice relembrou em uma entrevista que, quando o filho, o escritor Marcelo Rubens Paiva, alistara-se no Exército, deixou em branco o campo no qual deveria dizer se o pai era vivo ou morto. No papel, deveria ser indicado ainda a causa mortis, caso o pai fosse falecido. Quando o oficial quis saber o por quê da lacuna: Acervo O GLOBO: Todas as edições do jornal desde 1925 digitalizadas para sua pesquisa "Respondi que eles, os militares, deveriam saber melhor que eu o paradeiro e a causa da morte do meu pai", contou, na época, o autor do livro "Ainda estou aqui" (2015), que dá origem à produção em cartaz nos cinemas. "Acabei dispensado do serviço militar", concluiu o escritor, que tinha 37 anos em 1996. O escritor Marcelo Rubens Paiva, filho de Eunice e Rubens, em imagem de 1996 Sérgio Andrade O engenheiro Rubens Paiva foi um deputado federal que teve seu mandato cassado pela ditadura após o golpe militar de 1964. Ele chegou a viver no exílio durante alguns meses, mas voltou para sua casa, na Praia do Leblon, no Rio, passou anos felizes com a sua família. Até que, em janeiro de 1971, Paiva foi levado para prestar depoimento em um quartel do Exército, onde agentes da repressão o torturaram até a morte e esconderam seu corpo, que nunca mais foi encontrado. Bomba no Riocentro: O que aconteceu com militares envolvidos no infame atentado Comando Vermelho: Como um decreto da ditadura levou à formação da facção criminosa Na versão do regime militar, o engenheiro havia sido resgatado por um "grupo terrorista" quando estava a bordo de um veículo do Exército. Mas a família não engoliu o relato. Atrás da verdade, Eunice acionou o Congresso, o governo e a Justiça. Ela se formou em Direito e se tornou uma ativista social. Mas as respostas só apareceram depois do fim da ditadura, em 1985. No ano seguinte, o ex-tenente médico Amílcar Lobo contou à revista "Veja" ter visto Paiva gravemente ferido após uma sessão de tortura. Rubens Paiva: Deputado cassado foi torturado e morto pela ditadura militar Arquivo da família Mesmo assim, o atestado de óbito só foi emitido após entrar em vigor a Lei dos Desparecidos, em 1996, reconhecendo como mortas pessoas que "sumiram" em circunstâncias políticas entre 1961 e 1979. O texto garantiu também uma indenização às famílias de 136 vítimas do regime militar e criou uma comissão para analisar outros casos levados à tona por parentes de mortos. Eunice era uma das integrantes desse colegiado, presidido pelo advogado Miguel Reale Júnior. José Jobim: O diplomata morto depois de dizer que revelaria corrupção na ditadura Edson Luís: Como o assassinato do estudante de 18 anos mudou a História do Brasil A gestação da lei fora promovida pelo então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso. Em agosto de 1995, ele recebeu em seu gabinete no Palácio do Planalto uma cerimônia para apresentar o projeto, com a presença de Eunice, representando as famílias dos desparecidos, e o general Alberto Cardoso, chefe da Casa Militar. Em seu discurso, FH pediu conciliação na sociedade, mas também foi o primeiro presidente a assumir a culpa do Estado pela tortura e morte de presos na ditadura. "Se o Estado erro quando reagiu aos que contra ele se levantaram, cabe reparação. Vale menos a reparação material que a reparação moral. Hoje, como chefe de Estado e de governo, comandante supremo das Forças Armadas, cabe a mim assumir, pelo Estado, a responsabilidade de transgressões cometidas à lei e aos direitos humanos", disse o então presidente, que chegou a viver no exílio para fugir da perseguição do regime e perdeu amigos mortos nos porões da ditadura. Eunice Paiva com o general Alberto Cardoso e o então presidente, Fernando Henrique, em 1995 Ailton de Freitas
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