'A gente conseguia sentir o cheiro da morte', diz autor palestino Atef Abu Saif na Flip sobre a guerra em Gaza
Ex-ministro da Cultura da Autoridade Palestina, que ficou preso no território no início dos bombardeios em outubro do ano passado, falou sobre como o estado de Israel não respeita organismos internacionais como a ONU Atef Abu Saif era ministro da cultura da Autoridade Palestina e estava em Gaza no dia 7 de outubro, quando Israel começou a bombardear a cidade, em resposta à invasão do Estado Judeu e a tomada de reféns pelo grupo terrorista Hamas. Ele ficou por lá quase três meses — a guerra já dura um ano — e diariamente relatava num diário a destruição que testemunhava e o medo de morrer que sentia. Dessa experiência, saiu "Quero estar acordado quando morrer: diário do genocídio em Gaza" (Elefante), livro que ele lança agora no Brasil e sobre o qual falou na Flip 2024, numa mesa com a escritora gaúcha Julia Dantas. Na mesa "Não existe mais lá", mediada por Bianca Tavolato, o palestino e a brasileira compartilharam suas experiências de perda numa literatura de diário, algo que ela fez durante a pandemia e também nas enchentes em Porto Alegre, em maio. — A gente conseguia sentir o cheiro da morte — disse Atef, que é professor universitário e já escreveu nove livros, mas nunca uma obra em forma de diário. —E eu pensei: "caso eu morra, e não pensei isso de forma metafórica, eu vou deixar esse registro". Caso eu morra, não serei esquecido. Como nos tratam? Como números. E eu não queria ser um número. Julia, por sua vez, disse que o senso de urgência impôs o formato de suas narrativas em diário: — Primeiro na pandemia e depois na enchente, não havia aquele tempo da literatura de escrever e elaborar, que é como eu geralmente escrevo. E aqueles eram momentos que eu senti que não havia tempo, as coisas precisavam ser ditas naquele instante, até porque no começo da pandemia a gente tinha a ilusão de que ela duraria pouco e no começo da enchente, porque acho que todo o Estado e todas as cidades estavam absolutamente perdidos. Eu estava muito desesperada, mas eu sei que todos estavam, então sentia essa urgência de fazer aquilo que acho que é o que eu sei fazer. A forma como as tragédias impactam os territórios - os bombardeios em Gaza; a enchente nas cidades do Rio Grande do Sul - foi um tema que Bianca Tavolato instigou os dois autores a compartilhar, não sem antes ler um trecho do livro do palestino. "Na Cidade de Deus isso acontece toda hora", disse uma pessoa da plateia, que se retirou da sala durante a leitura da mediadora. Mas, durante sua resposta, Julia retomou a crítica. — Isso acontece em muitos lugares. Porto Alegre inundou 30% do território, mas a Vila Farrapos inunda todo ano. O Arquipélago, bairro das ilhas, passa por problemas todo ano. E só agora que chegou na gente, na classe média, a gente começa a pensar em fazer alguma coisa para impedir que esses lugares sejam esvaziados — disse a autora, que mostrou como as cidades passam por um processo de gentrificação que se beneficia das catástrofes. Alef complementou com a experiência palestina. — O principal alvo do conflito tem sido o lugar. Não existe mais Gaza. A cidade foi totalmente demolida. Por que destruir nove museus? Alguns com estatuas com seis mil anos de idade. Essas estátuas eram a história da humanidade. Nós perdemos nossa herança cultural. O meu povo está vivendo uma demolição sistemática. O escritor não poupou críticas ao estado de Israel, que, segundo ele, não respeita organismos internacionais. —Isso reflete como o direito internacional é escrito para certas pessoas e não para todos nós. É a primeira vez na história que um chefe da ONU é considerado persona non grata em Israel. Se outro país fizesse isso, seria expulso das Nações Unidas — disse ele, sobre a atitude de Benjamin Netanyahu em relação a António Guterres. —Israel é o único pais feito por uma resolução da ONU e que nunca aplicou nenhuma resolução da ONU.
Ex-ministro da Cultura da Autoridade Palestina, que ficou preso no território no início dos bombardeios em outubro do ano passado, falou sobre como o estado de Israel não respeita organismos internacionais como a ONU Atef Abu Saif era ministro da cultura da Autoridade Palestina e estava em Gaza no dia 7 de outubro, quando Israel começou a bombardear a cidade, em resposta à invasão do Estado Judeu e a tomada de reféns pelo grupo terrorista Hamas. Ele ficou por lá quase três meses — a guerra já dura um ano — e diariamente relatava num diário a destruição que testemunhava e o medo de morrer que sentia. Dessa experiência, saiu "Quero estar acordado quando morrer: diário do genocídio em Gaza" (Elefante), livro que ele lança agora no Brasil e sobre o qual falou na Flip 2024, numa mesa com a escritora gaúcha Julia Dantas. Na mesa "Não existe mais lá", mediada por Bianca Tavolato, o palestino e a brasileira compartilharam suas experiências de perda numa literatura de diário, algo que ela fez durante a pandemia e também nas enchentes em Porto Alegre, em maio. — A gente conseguia sentir o cheiro da morte — disse Atef, que é professor universitário e já escreveu nove livros, mas nunca uma obra em forma de diário. —E eu pensei: "caso eu morra, e não pensei isso de forma metafórica, eu vou deixar esse registro". Caso eu morra, não serei esquecido. Como nos tratam? Como números. E eu não queria ser um número. Julia, por sua vez, disse que o senso de urgência impôs o formato de suas narrativas em diário: — Primeiro na pandemia e depois na enchente, não havia aquele tempo da literatura de escrever e elaborar, que é como eu geralmente escrevo. E aqueles eram momentos que eu senti que não havia tempo, as coisas precisavam ser ditas naquele instante, até porque no começo da pandemia a gente tinha a ilusão de que ela duraria pouco e no começo da enchente, porque acho que todo o Estado e todas as cidades estavam absolutamente perdidos. Eu estava muito desesperada, mas eu sei que todos estavam, então sentia essa urgência de fazer aquilo que acho que é o que eu sei fazer. A forma como as tragédias impactam os territórios - os bombardeios em Gaza; a enchente nas cidades do Rio Grande do Sul - foi um tema que Bianca Tavolato instigou os dois autores a compartilhar, não sem antes ler um trecho do livro do palestino. "Na Cidade de Deus isso acontece toda hora", disse uma pessoa da plateia, que se retirou da sala durante a leitura da mediadora. Mas, durante sua resposta, Julia retomou a crítica. — Isso acontece em muitos lugares. Porto Alegre inundou 30% do território, mas a Vila Farrapos inunda todo ano. O Arquipélago, bairro das ilhas, passa por problemas todo ano. E só agora que chegou na gente, na classe média, a gente começa a pensar em fazer alguma coisa para impedir que esses lugares sejam esvaziados — disse a autora, que mostrou como as cidades passam por um processo de gentrificação que se beneficia das catástrofes. Alef complementou com a experiência palestina. — O principal alvo do conflito tem sido o lugar. Não existe mais Gaza. A cidade foi totalmente demolida. Por que destruir nove museus? Alguns com estatuas com seis mil anos de idade. Essas estátuas eram a história da humanidade. Nós perdemos nossa herança cultural. O meu povo está vivendo uma demolição sistemática. O escritor não poupou críticas ao estado de Israel, que, segundo ele, não respeita organismos internacionais. —Isso reflete como o direito internacional é escrito para certas pessoas e não para todos nós. É a primeira vez na história que um chefe da ONU é considerado persona non grata em Israel. Se outro país fizesse isso, seria expulso das Nações Unidas — disse ele, sobre a atitude de Benjamin Netanyahu em relação a António Guterres. —Israel é o único pais feito por uma resolução da ONU e que nunca aplicou nenhuma resolução da ONU.
Qual é a sua reação?