'A América Latina não será mais o quintal dos EUA', diz presidente da Bolívia em entrevista ao GLOBO
Convidado de Lula para participar da cúpula de líderes do G20, Luis Arce afirma que volta de Trump à Casa Branca acontece em novo contexto global, mas se esquiva de criticar reeleição na Venezuela A Bolívia, que acaba de se tornar membro pleno do Mercosul e “parceiro de diálogo” do Brics, foi um dos países convidados pelo Brasil para participar da cúpula de chefes de Estado e de governo do G20, no Rio, na semana passada. O presidente do país, Luis Arce, apoiou de forma contundente as propostas da presidência brasileira no grupo, entre elas a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em entrevista ao GLOBO, no último dia de debates, Arce assegurou que “o mundo está mudando”, e explicou: — A posição dos EUA hoje é completamente diferente da de outras épocas. A América Latina tem relações fortes com a China e a Rússia. Novos atores surgiram, o Brics (grupo formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e recentemente ampliado) está se fortalecendo. Saldo do G20: Eleição de Trump pode estimular novas alianças para o Brasil e fortalecer multilateralismo G20: Veja os 10 pontos principais da declaração final da cúpula Com esse pano de fundo, a volta de Donald Trump à Casa Branca, frisou o boliviano, acontecerá em um novo contexto global no qual os países da América Latina “querem ser sócios” e exigem que sua soberania seja respeitada. — Queremos ser tratados como iguais, porque somos Estados soberanos e merecemos respeito, como qualquer outro país. A Bolívia foi um dos países convidados pelo Brasil para participar da cúpula de chefes de Estado e de governo do G20. Qual sua opinião sobre as principais iniciativas apresentadas pela presidência brasileira no bloco? Nosso país aderiu à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Estamos há muito tempo lutando contra esses dois flagelos. A cúpula foi uma ótima oportunidade para apresentar nossas ideias e propostas àqueles que controlam 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta e de defender políticas redistributivas. O mundo está enfrentando muitas crises, crises multidimensionais, e é o momento de refletir, de nos corrigirmos e adotarmos políticas que mudem esses rumos. Uma das propostas do Brasil foi a taxação dos super-ricos… Nós já implementamos um imposto sobre grandes fortunas na Bolívia, um imposto que nos ajudou a reduzir a desigualdade e melhorar a distribuição da renda. Seu país acaba de se tornar membro pleno do Mercosul e parceiro de diálogo do Brics. Que expectativas tem em ambos os grupos? Quando o presidente Lula estava em campanha eleitoral, conversamos sobre a entrada da Bolívia no Mercosul, e ele disse que, se fosse eleito, concluiria esse processo. Ele cumpriu sua palavra. Estamos num período de adequação e com enormes expectativas sobre nossa incorporação. No caso do Brics, desde o início de nosso governo apostamos nessa adesão. Neste momento, existe uma luta de poderes no mundo, e o resultado dessa luta terá enorme impacto, como aconteceu em outros momentos da História. Entrevista: 'Um governo só termina quando outro toma posse', diz Marina Silva sobre compromissos assumidos pelos EUA pós-eleição de Trump Alguns analistas falam numa “guerra fria 2.0”. O senhor concorda? Não sei se gosto muito dessa expressão, mas algo semelhante deve acontecer. Existe um bloco em decadência e outro que deve se consolidar, como aconteceu quando o Reino Unido perdeu poder e os Estados Unidos assumiram a liderança, tornando-se uma grande potência. Desta vez, não será um único país que passará a ter hegemonia global, e acho que o Brics representa essa multipolaridade. Representa vários países que, reunidos em um bloco, estão ganhando força e poderão articular políticas para melhorar a qualidade de vida de suas populações. Felizmente, fomos aceitos como parceiros de diálogo do Brics. A Venezuela não conseguiu ser aceita, em grande medida pela oposição do Brasil, que não considerou oportuna sua incorporação. Como o senhor avalia essa posição do governo brasileiro? Sempre vamos respeitar os países fundadores dos blocos aos quais nos integramos. Eles têm seus mecanismos e critérios. Não nos corresponde opinar sobre a incorporação ou não da Venezuela ao Brics. Seu governo reconheceu o resultado da eleição presidencial venezuelana de 28 de julho, diferentemente do governo do presidente Lula... Sim, há uma diferença de critérios. Nós, na Bolívia, sofremos algo parecido ao que aconteceu na Venezuela. Quando a direita não ganha eleições, fala em fraude. Isso aconteceu em nosso país em 2019, e quase aconteceu em 2020, quando o Tribunal Supremo Eleitoral estava nas mãos da direita. Nossa vitória, naquele ano, foi com mais de 55% dos votos; era impossível não ser reconhecida porque foi contundente. Mas, claro, em alguns países o resultado pode não ser tão claro. Ministro: Apoio de Trump à taxação de super-ricos dependerá de escolha entre 'política de Estado ou ideologizada' O governo de Maduro nunca conseguiu provar a vitória anunciada pelo Conselho
Convidado de Lula para participar da cúpula de líderes do G20, Luis Arce afirma que volta de Trump à Casa Branca acontece em novo contexto global, mas se esquiva de criticar reeleição na Venezuela A Bolívia, que acaba de se tornar membro pleno do Mercosul e “parceiro de diálogo” do Brics, foi um dos países convidados pelo Brasil para participar da cúpula de chefes de Estado e de governo do G20, no Rio, na semana passada. O presidente do país, Luis Arce, apoiou de forma contundente as propostas da presidência brasileira no grupo, entre elas a Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Em entrevista ao GLOBO, no último dia de debates, Arce assegurou que “o mundo está mudando”, e explicou: — A posição dos EUA hoje é completamente diferente da de outras épocas. A América Latina tem relações fortes com a China e a Rússia. Novos atores surgiram, o Brics (grupo formado originalmente por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul, e recentemente ampliado) está se fortalecendo. Saldo do G20: Eleição de Trump pode estimular novas alianças para o Brasil e fortalecer multilateralismo G20: Veja os 10 pontos principais da declaração final da cúpula Com esse pano de fundo, a volta de Donald Trump à Casa Branca, frisou o boliviano, acontecerá em um novo contexto global no qual os países da América Latina “querem ser sócios” e exigem que sua soberania seja respeitada. — Queremos ser tratados como iguais, porque somos Estados soberanos e merecemos respeito, como qualquer outro país. A Bolívia foi um dos países convidados pelo Brasil para participar da cúpula de chefes de Estado e de governo do G20. Qual sua opinião sobre as principais iniciativas apresentadas pela presidência brasileira no bloco? Nosso país aderiu à Aliança Global contra a Fome e a Pobreza. Estamos há muito tempo lutando contra esses dois flagelos. A cúpula foi uma ótima oportunidade para apresentar nossas ideias e propostas àqueles que controlam 80% do Produto Interno Bruto (PIB) do planeta e de defender políticas redistributivas. O mundo está enfrentando muitas crises, crises multidimensionais, e é o momento de refletir, de nos corrigirmos e adotarmos políticas que mudem esses rumos. Uma das propostas do Brasil foi a taxação dos super-ricos… Nós já implementamos um imposto sobre grandes fortunas na Bolívia, um imposto que nos ajudou a reduzir a desigualdade e melhorar a distribuição da renda. Seu país acaba de se tornar membro pleno do Mercosul e parceiro de diálogo do Brics. Que expectativas tem em ambos os grupos? Quando o presidente Lula estava em campanha eleitoral, conversamos sobre a entrada da Bolívia no Mercosul, e ele disse que, se fosse eleito, concluiria esse processo. Ele cumpriu sua palavra. Estamos num período de adequação e com enormes expectativas sobre nossa incorporação. No caso do Brics, desde o início de nosso governo apostamos nessa adesão. Neste momento, existe uma luta de poderes no mundo, e o resultado dessa luta terá enorme impacto, como aconteceu em outros momentos da História. Entrevista: 'Um governo só termina quando outro toma posse', diz Marina Silva sobre compromissos assumidos pelos EUA pós-eleição de Trump Alguns analistas falam numa “guerra fria 2.0”. O senhor concorda? Não sei se gosto muito dessa expressão, mas algo semelhante deve acontecer. Existe um bloco em decadência e outro que deve se consolidar, como aconteceu quando o Reino Unido perdeu poder e os Estados Unidos assumiram a liderança, tornando-se uma grande potência. Desta vez, não será um único país que passará a ter hegemonia global, e acho que o Brics representa essa multipolaridade. Representa vários países que, reunidos em um bloco, estão ganhando força e poderão articular políticas para melhorar a qualidade de vida de suas populações. Felizmente, fomos aceitos como parceiros de diálogo do Brics. A Venezuela não conseguiu ser aceita, em grande medida pela oposição do Brasil, que não considerou oportuna sua incorporação. Como o senhor avalia essa posição do governo brasileiro? Sempre vamos respeitar os países fundadores dos blocos aos quais nos integramos. Eles têm seus mecanismos e critérios. Não nos corresponde opinar sobre a incorporação ou não da Venezuela ao Brics. Seu governo reconheceu o resultado da eleição presidencial venezuelana de 28 de julho, diferentemente do governo do presidente Lula... Sim, há uma diferença de critérios. Nós, na Bolívia, sofremos algo parecido ao que aconteceu na Venezuela. Quando a direita não ganha eleições, fala em fraude. Isso aconteceu em nosso país em 2019, e quase aconteceu em 2020, quando o Tribunal Supremo Eleitoral estava nas mãos da direita. Nossa vitória, naquele ano, foi com mais de 55% dos votos; era impossível não ser reconhecida porque foi contundente. Mas, claro, em alguns países o resultado pode não ser tão claro. Ministro: Apoio de Trump à taxação de super-ricos dependerá de escolha entre 'política de Estado ou ideologizada' O governo de Maduro nunca conseguiu provar a vitória anunciada pelo Conselho Nacional Eleitoral. O senhor conversou com Lula sobre a situação? Não, nunca conversamos sobre o tema. Falamos sobre nossa relação bilateral. Neste caso, da Venezuela, acho que cada um tem seus critérios. E respeitamos o critério do outro. Muitos governos da região, entre eles o seu, estão preocupados com a volta de Donald Trump ao poder nos Estados Unidos. Qual é o maior temor? Há muitos temas que nos preocupam, e um deles é a questão da migração. Temos uma grande quantidade de bolivianos nos EUA, e as políticas de migração adotadas pelo governo Trump no passado não foram as melhores; não apenas para a Bolívia, mas para todos os latino-americanos que migraram. Mas os tempos mudaram. Acredito que Trump tem a possibilidade de refletir sobre a América Latina em particular. Deve ficar claro para ele que a Bolívia e a América Latina não serão mais o quintal dos EUA, como foram durante muito tempo. Isso mudou, e todos os governos da região sabem disso; portanto, os EUA devem mudar sua maneira de agir em relação à América Latina. Queremos ser sócios e que nossa soberania seja respeitada. Queremos ser tratados como iguais, porque somos Estados soberanos e merecemos respeito, como qualquer outro país. Nesses termos, acredito que podemos nos aproximar. Mas, sempre com a condição de não ser mais uma relação de um pai que pretende dominar seu filho. Por que o senhor diz que os tempos mudaram? A posição dos EUA hoje é completamente diferente da de outras épocas. E a América Latina hoje tem relações fortes com a China e a Rússia. Novos atores surgiram, o Brics está se fortalecendo. As coisas mudaram. O Brasil, nesse contexto, é um ator muito relevante, por isso pedimos ao presidente Lula que sempre dê muita atenção à região.
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