Viúvas de guerra revelam como lidam com a dor na Ucrânia: 'É como se você estivesse em um lado diferente da trincheira'

É impossível dizer quantas viúvas a guerra criou, porque Kiev guarda seus números de vítimas a sete chaves, mas estimativas sugerem que elas chegam a dezenas de milhares Enquanto os cemitérios da Ucrânia se enchem de soldados mortos, uma legião de viúvas de guerra cresce. É impossível dizer quantas viúvas a guerra criou, porque Kiev guarda seus números de vítimas a sete chaves. No entanto, estimativas sugerem que elas chegam a dezenas de milhares. Todas têm perdas em comum. Mas cada uma lida com a situação à sua maneira. Leia mais: Rússia entrega à Ucrânia corpos de 563 soldados mortos na guerra Entenda: O que motiva os soldados norte-coreanos enviados para as linhas de frente na Ucrânia? Iryna Sharhorodska, 29 anos, sempre contou tudo ao marido. Sua morte não mudou isso: há mais de um ano, ela visita seu túmulo diariamente para falar com ele. Seu marido, Oleksandr Sharhorodskyi, foi morto em maio de 2023, dias antes de as forças russas capturarem a cidade de Bakhmut. Sharhorodska disse que foi assombrada por perguntas depois de se deparar com um vídeo nas mídias sociais que mostrava médicos tentando salvá-lo. — Eu olhei e tentei imaginar como foi para ele — disse ela. — O que ele estava pensando? Ele estava sentindo dor? Seus dois — Sofiia, de 7 anos, e Tymofii, de 5 — falam com frequência sobre o pai. O passar do tempo não amenizou sua dor. — Dizem que o tempo ajuda, mas isso não é verdade — disse ela. — Eu diria o contrário: só piora.” Guga Chacra: Trump, Gaza e Ucrânia Iryna Sharhorodska com seu filho Tymofii toca em um grande retrato de seu falecido marido Oleksandr Sharhorodskyi, em Trebukiv, Ucrânia Nicole Tung/The New York Times Algumas viúvas procuram assistência por meio de grupos de apoio, que surgiram em toda a Ucrânia para oferecer terapia. Natalia Zvir achava que estava conseguindo lidar com sua própria dor depois que seu marido, Volodymyr, morreu. Preocupada com o fato de seus quatro filhos estarem sofrendo, ela se juntou a um grupo de apoio para o bem deles. Lá, ela percebeu que “realmente precisava de ajuda também”. Em uma sexta-feira de abril, Zvir sentou-se com cerca de duas dúzias de mulheres e seus filhos em um retiro de terapia de grupo organizado pelo projeto Unbroken Mother em Morshyn, na Ucrânia. — Nós nos aproximamos das pessoas que compartilham a mesma dor e damos conselhos umas às outras — disse Zvir. — Chorei durante toda a primeira sessão e, na terceira sessão, só chorei no final. Acho que isso é uma mudança positiva. Grupo de apoio para viúvas na Ucrânia Natalia Tung/NYT Viktoriia Zavhorodnia estava grávida de seis meses quando seu marido, Oleksandr, foi morto em março de 2023. — Não sei como sobrevivi àquele período — disse Zavhorodnia. — Não me lembro muito bem daquela primavera. Eu estava em uma espécie de estupor, e foi muito difícil. Ela voltou ao seu trabalho como designer de interiores depois de apenas cinco dias, buscando uma distração para a dor. Por mais difícil que tenha sido continuar, ela disse que sabia que “era necessário viver para o bem da criança”. — Eu chorei muito. Chorei um oceano de lágrimas — disse Zavhorodnia. Viktoriia Zavhorodnia olha pela janela com seu filho Roman em sua casa em Zaporíjia, Ucrânia Nicole Tung/The New York Times Ela se juntou a um grupo de apoio chamado My Love, I'm Alive (Meu amor, estou viva) na cidade de Zaporíjia, no sul da Ucrânia. — Elas me entenderam, e eu as entendi — disse Zavhorodnia. Ela ainda lamenta a perda do marido e os sonhos que eles tinham em comum — uma casa grande, uma família grande. Mas é grata por seu filho, Roman, que agora é um bebê. Initial plugin text Os grupos de apoio, no entanto, não são para todos. Muitas pessoas acham mais fácil processar sua perda sozinhas — ou pelo menos tentam. Esse é o caso de viúvos como Artem Bozhko, 31 anos. Sua esposa, Kateryna Shynkarenko, era uma atiradora de elite do Exército ucraniano. Ela morreu em fevereiro lutando contra as forças russas no leste da Ucrânia, deixando seu marido sozinho para criar seu filho de 7 anos, Denys. Anastasiia Blyshchyk lidou com a morte de seu noivo entrando para o Exército ucraniano e tornando-se assessora de imprensa na 47ª Brigada. Isso fez com que Blyshchyk, 25 anos, entrasse em um mundo que ela conhecia apenas por chamadas de vídeo de seu amado Oleksandr da linha de frente. — Comecei a me sentir melhor quando percebi que era útil, mas também que estava cercada por pessoas que vivem com a guerra — disse ela. Outras viúvas recebem apoio de maneiras menos formais. Kursk: Zelensky afirma que 11 mil soldados norte-coreanos estão na cidade russa invadida pela Ucrânia Kateryna Dementiy, 35 anos, e Oksana Tymchuk, 36 anos, já se conheciam antes da invasão total da Rússia, em 22 de fevereiro de 2022. Elas se encontravam esporadicamente em Zaporíjia, mas não tinham uma relação próxima. Depois que a guerra começou, elas descobriram que ambas tinha um marido na linha de frente através de uma publicação numa rede social. Foi então que passaram a s

Nov 15, 2024 - 05:28
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Viúvas de guerra revelam como lidam com a dor na Ucrânia: 'É como se você estivesse em um lado diferente da trincheira'

É impossível dizer quantas viúvas a guerra criou, porque Kiev guarda seus números de vítimas a sete chaves, mas estimativas sugerem que elas chegam a dezenas de milhares Enquanto os cemitérios da Ucrânia se enchem de soldados mortos, uma legião de viúvas de guerra cresce. É impossível dizer quantas viúvas a guerra criou, porque Kiev guarda seus números de vítimas a sete chaves. No entanto, estimativas sugerem que elas chegam a dezenas de milhares. Todas têm perdas em comum. Mas cada uma lida com a situação à sua maneira. Leia mais: Rússia entrega à Ucrânia corpos de 563 soldados mortos na guerra Entenda: O que motiva os soldados norte-coreanos enviados para as linhas de frente na Ucrânia? Iryna Sharhorodska, 29 anos, sempre contou tudo ao marido. Sua morte não mudou isso: há mais de um ano, ela visita seu túmulo diariamente para falar com ele. Seu marido, Oleksandr Sharhorodskyi, foi morto em maio de 2023, dias antes de as forças russas capturarem a cidade de Bakhmut. Sharhorodska disse que foi assombrada por perguntas depois de se deparar com um vídeo nas mídias sociais que mostrava médicos tentando salvá-lo. — Eu olhei e tentei imaginar como foi para ele — disse ela. — O que ele estava pensando? Ele estava sentindo dor? Seus dois — Sofiia, de 7 anos, e Tymofii, de 5 — falam com frequência sobre o pai. O passar do tempo não amenizou sua dor. — Dizem que o tempo ajuda, mas isso não é verdade — disse ela. — Eu diria o contrário: só piora.” Guga Chacra: Trump, Gaza e Ucrânia Iryna Sharhorodska com seu filho Tymofii toca em um grande retrato de seu falecido marido Oleksandr Sharhorodskyi, em Trebukiv, Ucrânia Nicole Tung/The New York Times Algumas viúvas procuram assistência por meio de grupos de apoio, que surgiram em toda a Ucrânia para oferecer terapia. Natalia Zvir achava que estava conseguindo lidar com sua própria dor depois que seu marido, Volodymyr, morreu. Preocupada com o fato de seus quatro filhos estarem sofrendo, ela se juntou a um grupo de apoio para o bem deles. Lá, ela percebeu que “realmente precisava de ajuda também”. Em uma sexta-feira de abril, Zvir sentou-se com cerca de duas dúzias de mulheres e seus filhos em um retiro de terapia de grupo organizado pelo projeto Unbroken Mother em Morshyn, na Ucrânia. — Nós nos aproximamos das pessoas que compartilham a mesma dor e damos conselhos umas às outras — disse Zvir. — Chorei durante toda a primeira sessão e, na terceira sessão, só chorei no final. Acho que isso é uma mudança positiva. Grupo de apoio para viúvas na Ucrânia Natalia Tung/NYT Viktoriia Zavhorodnia estava grávida de seis meses quando seu marido, Oleksandr, foi morto em março de 2023. — Não sei como sobrevivi àquele período — disse Zavhorodnia. — Não me lembro muito bem daquela primavera. Eu estava em uma espécie de estupor, e foi muito difícil. Ela voltou ao seu trabalho como designer de interiores depois de apenas cinco dias, buscando uma distração para a dor. Por mais difícil que tenha sido continuar, ela disse que sabia que “era necessário viver para o bem da criança”. — Eu chorei muito. Chorei um oceano de lágrimas — disse Zavhorodnia. Viktoriia Zavhorodnia olha pela janela com seu filho Roman em sua casa em Zaporíjia, Ucrânia Nicole Tung/The New York Times Ela se juntou a um grupo de apoio chamado My Love, I'm Alive (Meu amor, estou viva) na cidade de Zaporíjia, no sul da Ucrânia. — Elas me entenderam, e eu as entendi — disse Zavhorodnia. Ela ainda lamenta a perda do marido e os sonhos que eles tinham em comum — uma casa grande, uma família grande. Mas é grata por seu filho, Roman, que agora é um bebê. Initial plugin text Os grupos de apoio, no entanto, não são para todos. Muitas pessoas acham mais fácil processar sua perda sozinhas — ou pelo menos tentam. Esse é o caso de viúvos como Artem Bozhko, 31 anos. Sua esposa, Kateryna Shynkarenko, era uma atiradora de elite do Exército ucraniano. Ela morreu em fevereiro lutando contra as forças russas no leste da Ucrânia, deixando seu marido sozinho para criar seu filho de 7 anos, Denys. Anastasiia Blyshchyk lidou com a morte de seu noivo entrando para o Exército ucraniano e tornando-se assessora de imprensa na 47ª Brigada. Isso fez com que Blyshchyk, 25 anos, entrasse em um mundo que ela conhecia apenas por chamadas de vídeo de seu amado Oleksandr da linha de frente. — Comecei a me sentir melhor quando percebi que era útil, mas também que estava cercada por pessoas que vivem com a guerra — disse ela. Outras viúvas recebem apoio de maneiras menos formais. Kursk: Zelensky afirma que 11 mil soldados norte-coreanos estão na cidade russa invadida pela Ucrânia Kateryna Dementiy, 35 anos, e Oksana Tymchuk, 36 anos, já se conheciam antes da invasão total da Rússia, em 22 de fevereiro de 2022. Elas se encontravam esporadicamente em Zaporíjia, mas não tinham uma relação próxima. Depois que a guerra começou, elas descobriram que ambas tinha um marido na linha de frente através de uma publicação numa rede social. Foi então que passaram a se encontrar e se tornaram de conhecidas a amigas, criando laços com tudo o que tinham em comum, inclusive filhos da mesma idade, 3 e 8 anos. Kateryna Dementiy, à direita, e Oksana Tymchuk, no meio, caminham com seus filhos na praia em Zaporíjia, Ucrânia Nicole Tung/The New York Times As experiências compartilhadas aumentaram no decorrer da guerra. O marido de Oksana, Dmytro, foi morto em janeiro de 2023. O marido de Kateryna, Artem, morreu quatro meses depois. Os homens estão enterrados no mesmo cemitério, a uma pequena distância um do outro. Ambas as mulheres disseram que se aproximaram porque outros amigos não conseguiam se identificar com o que elas estavam passando. — Perdi meu marido e, então, passei a fazer parte de um grupo diferente de esposas — disse Tymchuk. — É como se você estivesse em lados diferentes das trincheiras em relação às outras pessoas. Por conta própria, as amigas desenvolveram seus próprios rituais para lidar com a dor: um telefonema diário às 9 horas da manhã, com café. Saídas para o cinema. Encontros regulares para brincar com seus filhos. — Nossa amizade é uma espécie de terapia — disse Dementiy. Yulia Zmiyevska, 35 anos, conta que teve dificuldades para manter sua rotina diária após a morte de seu marido, Anton. — Parece que um drone Shahed me atingiu e queimou tudo por dentro — disse ela, referindo-se a um drone iraniano usado pelas forças russas. Yulia Zmiyevska tira um momento após dar o café da manhã ao filho em sua casa em Zaporíjia, Ucrânia Nicole Tung/The New York Times Durante meses, ela tentou processar sua dor sem ajuda, mas recorreu ao grupo My Love, I'm Alive depois que pensamentos sombrios começaram a dominá-la. Entre a gama de emoções que acompanham a perda do marido, Zmiyevska lutou contra a culpa. Primeiro porque não tinha forças para cuidar do filho adolescente, Kiril. Segundo porque decidiu fazer um aborto depois de saber que seu marido havia morrido. Para ajudar a processar seus sentimentos, o grupo pediu a Zmiyevska e a outras viúvas que escrevessem cartas para seus maridos. Elas as dobraram em barcos e os colocaram para flutuar no rio Dnieper. Na sua, Zmiyevska pedia o perdão do marido. — Algumas mulheres perdem apenas o marido, mas eu perdi o bebê dele também — disse ela ao colocar o barco de papel branco na água. Assim como seu sentimento de culpa, o barco não foi embora facilmente. Ele ficava preso nas pedras perto da margem.

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