Vitória de Trump com ajuda de latinos confirma profecia do início do século
Boca de urna ABC News/Washington Post aponta migração de votos do eleitorado em quatro anos, especialmente entre homens hispânicos A brasileira Keila Melo, de 40 anos, comanda um negócio na área de limpeza em Derry, cidade de 35 mil habitantes em New Hampshire. Há duas décadas nos Estados Unidos, ela votou no presidente eleito Donald Trump esta semana e se define como uma mulher conservadora. Vive no estado da progressista Nova Inglaterra em que seu escolhido chegou mais perto da vitória — teve 48,2% dos votos, contra 50,8% da vice-presidente Kamala Harris. Entenda: Por que as pesquisas não captaram a vitória de Trump nos EUA? Contexto: Em entrevista após vitória, Trump diz que ‘não há preço alto demais’ para seu plano de deportação em massa nos EUA Mas no condado de Hillsborough, que concentra a comunidade latina local, e onde vive a mineira de Ipatinga, o ex-presidente venceu com 56% dos votos. Há quatro anos, o presidente Joe Biden derrotou aqui seu antecessor por 53% a 45%. E o que aconteceu com a área em torno de Nashua, a maior cidade da zona eleitoral de Keila, repetiu-se país afora. A migração mais veloz de latinos para a direita é uma das explicações para a vitória mais contundente do republicano do que apontavam as pesquisas. — Votei por uma economia melhor. E não foi um problema ele bater na tecla da imigração ilegal. Primeiro, porque ninguém deportou mais gente, desde que vivo aqui, do que o governo de Barack Obama. Segundo porque a porteira aberta deixa gente boa e ruim entrar no país, e temo pela minha segurança, do meu marido e de meus dois filhos. E, terceiro, por não achar justo ter de pagar impostos mais caros para fechar a conta dos gastos com tanta gente entrando aqui — diz Keila. A brasileira Keila Melo, de 40 anos, que vive nos EUA Arquivo pessoal Dados oficiais mostram que, nos oito anos de Obama, 5,2 milhões de pessoas foram deportadas, contra 1,6 milhão nos quatro de Trump. O republicano, no entanto, em sua primeira entrevista após ser eleito novamente presidente, na sexta-feira, afirmou que priorizará a deportação de 11 milhões de pessoas sem documentação regularizada no começo de seu segundo governo. Durante a campanha, ele os classificou de “animais”, “vindos de cadeias e sanatórios”, que “envenenam o sangue dos americanos”. Initial plugin text ‘Doce ilusão’ A brasileira entrou no país de forma irregular, pela fronteira com o México. Passou uma década e gastou “muito dinheiro” até conseguir a cidadania. Não acha justa uma reforma da política migratória que acelere o processo de quem percorreu o mesmo caminho. — Um comportamento comum na história da imigração nos EUA, e não apenas na dos latinos, é de quem se estabelece legalmente passar a defender mais rigor para os que tentam seguir seus caminhos. No país símbolo do capitalismo, há o cacoete social de se perceber “vencedor” em comparação com quem está em situação mais difícil — afirma Silvia Pedraza, professora de Sociologia e História da Universidade de Michigan. A acadêmica se debruça há décadas sobre o comportamento dos eleitores latinos. No plural, pois cubano-americanos, como ela, estabeleceram lugares na cultura e no engajamento com os dois partidos majoritários dos EUA diversos dos de mexicano-americanos e porto-riquenhos, por exemplo. Os primeiros, anticastristas, votam tradicionalmente com os republicanos; os outros dois grupos foram absorvidos em sua maioria pela coalizão democrata desde a luta pelos direitos civis, nos anos 1960. É factível? Quais obstáculos Trump terá de superar para cumprir plano de deportação em massa nos EUA? Mas outra transformação, iniciada ainda nos governos George W. Bush (2001-2009), parece ter se consolidado este ano. O mago de suas campanhas vitoriosas ao governo do Texas e à Presidência, Karl Rove, foi uma das primeiras vozes de peso a duvidar do cálculo demográfico dos democratas de que os hispânicos, grupo que mais se multiplicou no país desde a virada do século, garantiriam o domínio do partido por anos. Rove os rebateu com duas palavras: “doce ilusão”. E comprovou esta semana sua profecia da virada do século: “Os latinos são conservadores, em sua maioria, e a casa natural deles é o Partido Republicano. Eles apenas ainda não encontraram o caminho.” As primas Maria e Justina Sánchez, 32 e 30 anos, foram juntas ao último evento público de Trump no Arizona, na semana passada, em um subúrbio de Phoenix. No estado, 25% dos eleitores são de origem latina, e um quinhão deles cabia na estratégia republicana de buscar eleitores ocasionais insatisfeitos com o rumo do país. Galerias Relacionadas Netas de mexicanos, as Sánchez defendem, como Keila, a entrada legal de imigrantes nos EUA, mas também a importância de estancar a “hemorragia de ilegais que entram no país, em grande parte, pelo Arizona”. As duas são católicas praticantes e contam que a ênfase na defesa do direito ao aborto por Kamala as motivou, pela primeira vez, a fazer campanha por um candidato. De família historicamente democrat
Boca de urna ABC News/Washington Post aponta migração de votos do eleitorado em quatro anos, especialmente entre homens hispânicos A brasileira Keila Melo, de 40 anos, comanda um negócio na área de limpeza em Derry, cidade de 35 mil habitantes em New Hampshire. Há duas décadas nos Estados Unidos, ela votou no presidente eleito Donald Trump esta semana e se define como uma mulher conservadora. Vive no estado da progressista Nova Inglaterra em que seu escolhido chegou mais perto da vitória — teve 48,2% dos votos, contra 50,8% da vice-presidente Kamala Harris. Entenda: Por que as pesquisas não captaram a vitória de Trump nos EUA? Contexto: Em entrevista após vitória, Trump diz que ‘não há preço alto demais’ para seu plano de deportação em massa nos EUA Mas no condado de Hillsborough, que concentra a comunidade latina local, e onde vive a mineira de Ipatinga, o ex-presidente venceu com 56% dos votos. Há quatro anos, o presidente Joe Biden derrotou aqui seu antecessor por 53% a 45%. E o que aconteceu com a área em torno de Nashua, a maior cidade da zona eleitoral de Keila, repetiu-se país afora. A migração mais veloz de latinos para a direita é uma das explicações para a vitória mais contundente do republicano do que apontavam as pesquisas. — Votei por uma economia melhor. E não foi um problema ele bater na tecla da imigração ilegal. Primeiro, porque ninguém deportou mais gente, desde que vivo aqui, do que o governo de Barack Obama. Segundo porque a porteira aberta deixa gente boa e ruim entrar no país, e temo pela minha segurança, do meu marido e de meus dois filhos. E, terceiro, por não achar justo ter de pagar impostos mais caros para fechar a conta dos gastos com tanta gente entrando aqui — diz Keila. A brasileira Keila Melo, de 40 anos, que vive nos EUA Arquivo pessoal Dados oficiais mostram que, nos oito anos de Obama, 5,2 milhões de pessoas foram deportadas, contra 1,6 milhão nos quatro de Trump. O republicano, no entanto, em sua primeira entrevista após ser eleito novamente presidente, na sexta-feira, afirmou que priorizará a deportação de 11 milhões de pessoas sem documentação regularizada no começo de seu segundo governo. Durante a campanha, ele os classificou de “animais”, “vindos de cadeias e sanatórios”, que “envenenam o sangue dos americanos”. Initial plugin text ‘Doce ilusão’ A brasileira entrou no país de forma irregular, pela fronteira com o México. Passou uma década e gastou “muito dinheiro” até conseguir a cidadania. Não acha justa uma reforma da política migratória que acelere o processo de quem percorreu o mesmo caminho. — Um comportamento comum na história da imigração nos EUA, e não apenas na dos latinos, é de quem se estabelece legalmente passar a defender mais rigor para os que tentam seguir seus caminhos. No país símbolo do capitalismo, há o cacoete social de se perceber “vencedor” em comparação com quem está em situação mais difícil — afirma Silvia Pedraza, professora de Sociologia e História da Universidade de Michigan. A acadêmica se debruça há décadas sobre o comportamento dos eleitores latinos. No plural, pois cubano-americanos, como ela, estabeleceram lugares na cultura e no engajamento com os dois partidos majoritários dos EUA diversos dos de mexicano-americanos e porto-riquenhos, por exemplo. Os primeiros, anticastristas, votam tradicionalmente com os republicanos; os outros dois grupos foram absorvidos em sua maioria pela coalizão democrata desde a luta pelos direitos civis, nos anos 1960. É factível? Quais obstáculos Trump terá de superar para cumprir plano de deportação em massa nos EUA? Mas outra transformação, iniciada ainda nos governos George W. Bush (2001-2009), parece ter se consolidado este ano. O mago de suas campanhas vitoriosas ao governo do Texas e à Presidência, Karl Rove, foi uma das primeiras vozes de peso a duvidar do cálculo demográfico dos democratas de que os hispânicos, grupo que mais se multiplicou no país desde a virada do século, garantiriam o domínio do partido por anos. Rove os rebateu com duas palavras: “doce ilusão”. E comprovou esta semana sua profecia da virada do século: “Os latinos são conservadores, em sua maioria, e a casa natural deles é o Partido Republicano. Eles apenas ainda não encontraram o caminho.” As primas Maria e Justina Sánchez, 32 e 30 anos, foram juntas ao último evento público de Trump no Arizona, na semana passada, em um subúrbio de Phoenix. No estado, 25% dos eleitores são de origem latina, e um quinhão deles cabia na estratégia republicana de buscar eleitores ocasionais insatisfeitos com o rumo do país. Galerias Relacionadas Netas de mexicanos, as Sánchez defendem, como Keila, a entrada legal de imigrantes nos EUA, mas também a importância de estancar a “hemorragia de ilegais que entram no país, em grande parte, pelo Arizona”. As duas são católicas praticantes e contam que a ênfase na defesa do direito ao aborto por Kamala as motivou, pela primeira vez, a fazer campanha por um candidato. De família historicamente democrata, as duas votaram na reeleição de Obama em 2012, mas ficaram em casa em 2016 e 2020. Não este ano. — Nossos valores não estão representados por um partido que fala em direito de pessoas trans de competir em esportes de mulheres, mas não explica por que os preços no supermercado triplicaram. Essa, a do bolso, é a discussão que me interessa — diz Maria, com a concordância de Justina no balançar da cabeça. Impacto global: Planos de Trump para saúde e ciência acendem alerta nos EUA Machismo e pragmatismo Números da pesquisa de boca de urna ABC News/Washington Post escancaram a migração, em quatro anos, especialmente dos homens latinos, que votaram em sua maioria em Biden (63%) e agora em Trump (54%). Entre as mulheres a diferença foi menor, mas o republicano avançou 7 pontos percentuais em relação ao seu desempenho há quatro anos. — Há vários fatores nessa migração, e um deles é o machismo presente na cultura hispânica. Mas suspeito que o principal é a súbita impossibilidade para novas gerações, daí a curva se alargar entre os mais jovens, de realizarem aquelas que são as duas representações centrais do sonho americano dos imigrantes latinos desde o século passado: a compra da casa própria e a conquista do curso superior. Conquistas que ficaram muito mais caras e impeditivas no governo Biden — diz Pedraza. Como os latinos votaram Arte/O GLOBO A percepção de que os democratas perderam o termômetro do país e a identificação com o outro lado na pauta cultural e de costumes — anunciada por Rove e facilitada pela linguagem populista do trumpismo — criaram, aponta a professora, terreno fértil para a migração de votos. Após vitória: Transição de poder já tem gargalos, e lealdade é fator básico para compor o 'team Trump' De volta a Nashua, a analista de risco Aisha Rivera, de 32 anos, conta que votou em Trump por dois motivos centrais: a economia e a oposição ao direito ao aborto. Católica de origem porto-riquenha, o insulto de um comediante, no evento das considerações finais de Trump, no Madison Square Garden, não foi um fator em sua escolha para quem comandará o país. —Foi uma piada ruim, no pior momento e local possíveis, mas não foi Trump quem disse e não influenciou no meu voto. Porto Rico de fato tem um problema com a coleta de lixo que eu, inclusive, espero que ele ajude a resolver. Ninguém gostou da piada, mas foi só isso. Creio em Jesus Cristo, não acredito em outro salvador, especialmente políticos. Ninguém é perfeito, mas ele vai me ajudar, como em 2016, a ter mais dinheiro para viver melhor — afirmou. A porto-riquenha trumpista Aisha Rivera Eduardo Graça O arquiteto Justin Sapareto, 28, de ascendência italiana e hispânica, considera-se um centrista que escolheu Trump este ano por identificar no ex-presidente o “mal menor”. Em 2020, ele ficou em casa. — A retórica dos candidatos é muito menos importante para mim. Estou cansado da ditadura do politicamente correto e votei de maneira pragmática, pensando em quem tinha capacidade de resolver melhor os problemas econômicos do país. Justin Sapareto, italo-hispanico que votou no “menor dos males”, Trump Eduardo Graça
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