O que aconteceu com militares envolvidos no atentado do Riocentro

Explosão durante festival tinha o objetivo de incriminar oposição para justificar manutenção da ditadura e sabotar redemocratização Mais de dez mil pessoas assistiam a shows de Gonzaguinha, Gal Costa, Fagner, Clara Nunes e vários outros artistas em homenagem ao Dia do Trabalhador, no Riocentro, quando uma bomba explodiu no interior de um automóvel modelo Puma no estacionamento do local, em Jacarepaguá. A detonação, naquele dia 30 de abril de 1981, matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que estava no banco do carona, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, no assento do motorista. Dez minutos depois, uma outra bomba explodiu na casa de força do Riocentro, sem ferir ninguém. Plano de golpe: Como militares pretendiam matar Lula, Alckmin e Moraes, segundo PF Mensagens, áudios e imagens: Quais as provas da Polícia Federal sobre plano de militares? O corpo do sargento, que levava a bomba, ficou mutilado. Já o capitão, com um braço dilacerado e segurando as vísceras expostas, conseguiu sair do carro e andou 200 metros até uma escadaria. Ele foi socorrido por Andréia Neves, neta do então senador Tancredo Neves, e levado ao Hospital Miguel Couto. De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que décadas mais tarde investigaria crimes cometidos por agentes da ditadura militar, um dos integrantes da equipe médica ouviu quando Wilson Machado, sob efeito de anestesia, murmurou: “deu tudo errado”. Acervo O GLOBO: Todas as edições do jornal desde 1925 digitalizadas para sua pesquisa Os dois militares eram agentes do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), um órgão de inteligência e repressão do Exército. Em 1981, a ditadura militar se encaminhava para o fim. O general João Figueiredo assumira a Presidência em 1979 dizendo que a democracia seria restabelecida. Mas setores das Forças Armadas eram contra essa abertura. Ao longo das investigações sobre a explosão no Riocentro, ficou claro que a intenção dos envolvidos era incriminar grupos de oposição ao regime, para justificar a manutenção do poder pelos militares. O automóvel Puma onde bomba explodiu, matando um militar e ferindo outro Otávio Magalhães/Agência O GLOBO Na época, o comandante do I Exército, general Gentil Marcondes Filho, saiu em defesa dos homens. Rosário foi enterrado com honras militares, na presença do general, que também visitou o capitão no hospital. Tentando justificar a ação, o secretário de Segurança, general Waldir Muniz, disse que um chamado Comando Delta ligara para o Riocentro avisando sobre as explosões uma hora antes. Por isso, o sargento e o capitão teriam seguido para o local. Ao achar a bomba, segundo ele, o sargento a teria recolhido e estava com o artefato no colo quando aconteceu a detonação. Tudo farsa. Vera Magalhães: Por que a Polícia Federal não pediu prisão de Braga Netto? Miriam Leitão: O que mais surpreendeu o Exército na operação que prendeu militares? O presidente João Figueiredo chegou a afirmar que, se fosse uma ação de esquerda, não poderia ter sido mais inteligente, mas, se a autoria fosse do Exército, teria sido muita burrice. No inquérito policial militar (IPM) encerrado em 2 de outubro de 1981, o então coronel Job Lorena de Sant'Anna desprezou provas periciais e concluiu que os dois militares tinham sido vítimas de um atentado promovido por grupos paramilitares de esquerda ou de direita. A conclusão não convenceu ninguém. "A bomba explodiu dentro do governo", sintetizou o então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Até aquele episódio no Riocentro, houvera dezenas de atentados praticados pela extrema-direita com o objetivo de bloquear o processo de abertura política. Apenas em 1980, uma bomba foi desativada num hotel onde estava Leonel Brizola. No dia 27 de agosto do mesmo ano, três cartas-bombas explodem no Rio. Na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma detonação matou a secretária da presidência da instituição, Lyda Monteiro. Na Câmara dos Vereadores, outra explosão deixou gravemente ferido um assessor parlamentar. E uma terceira bomba destruiu redação do jornal "Tribuna da Luta Operária". Bela Megale: Como Bolsonaro reagiu a prisão de militares suspeitos de conspiração? O caso Riocentro seria reaberto, em 1999, quando um novo IPM mudou a versão que perdurara por quase duas décadas. No dia 19 de outubro daquele ano, após três meses de investigações, foram indiciados o coronel Wilson Machado, por homicídio qualificado, e o general da reserva Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), por falso testemunho e desobediência. Diversas revelações foram a público na época, mas Superior Tribunal Militar (STM) determinou novamente o arquivamento do processo referente ao crime, com base na Lei da Anistia, de 1979. Em 2014, com base em novas provas, o Ministério Público denunciou seis militares pelo envolvimento com o atentado no Riocentro ou com o trabalho de acobertar a culpa dos responsáveis. Três

Nov 20, 2024 - 06:38
 0  0
O que aconteceu com militares envolvidos no atentado do Riocentro

Explosão durante festival tinha o objetivo de incriminar oposição para justificar manutenção da ditadura e sabotar redemocratização Mais de dez mil pessoas assistiam a shows de Gonzaguinha, Gal Costa, Fagner, Clara Nunes e vários outros artistas em homenagem ao Dia do Trabalhador, no Riocentro, quando uma bomba explodiu no interior de um automóvel modelo Puma no estacionamento do local, em Jacarepaguá. A detonação, naquele dia 30 de abril de 1981, matou o sargento Guilherme Pereira do Rosário, que estava no banco do carona, e feriu gravemente o capitão Wilson Luís Chaves Machado, no assento do motorista. Dez minutos depois, uma outra bomba explodiu na casa de força do Riocentro, sem ferir ninguém. Plano de golpe: Como militares pretendiam matar Lula, Alckmin e Moraes, segundo PF Mensagens, áudios e imagens: Quais as provas da Polícia Federal sobre plano de militares? O corpo do sargento, que levava a bomba, ficou mutilado. Já o capitão, com um braço dilacerado e segurando as vísceras expostas, conseguiu sair do carro e andou 200 metros até uma escadaria. Ele foi socorrido por Andréia Neves, neta do então senador Tancredo Neves, e levado ao Hospital Miguel Couto. De acordo com o relatório da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que décadas mais tarde investigaria crimes cometidos por agentes da ditadura militar, um dos integrantes da equipe médica ouviu quando Wilson Machado, sob efeito de anestesia, murmurou: “deu tudo errado”. Acervo O GLOBO: Todas as edições do jornal desde 1925 digitalizadas para sua pesquisa Os dois militares eram agentes do Destacamento de Operações de Informações - Centro de Operações de Defesa Interna (DOI-Codi), um órgão de inteligência e repressão do Exército. Em 1981, a ditadura militar se encaminhava para o fim. O general João Figueiredo assumira a Presidência em 1979 dizendo que a democracia seria restabelecida. Mas setores das Forças Armadas eram contra essa abertura. Ao longo das investigações sobre a explosão no Riocentro, ficou claro que a intenção dos envolvidos era incriminar grupos de oposição ao regime, para justificar a manutenção do poder pelos militares. O automóvel Puma onde bomba explodiu, matando um militar e ferindo outro Otávio Magalhães/Agência O GLOBO Na época, o comandante do I Exército, general Gentil Marcondes Filho, saiu em defesa dos homens. Rosário foi enterrado com honras militares, na presença do general, que também visitou o capitão no hospital. Tentando justificar a ação, o secretário de Segurança, general Waldir Muniz, disse que um chamado Comando Delta ligara para o Riocentro avisando sobre as explosões uma hora antes. Por isso, o sargento e o capitão teriam seguido para o local. Ao achar a bomba, segundo ele, o sargento a teria recolhido e estava com o artefato no colo quando aconteceu a detonação. Tudo farsa. Vera Magalhães: Por que a Polícia Federal não pediu prisão de Braga Netto? Miriam Leitão: O que mais surpreendeu o Exército na operação que prendeu militares? O presidente João Figueiredo chegou a afirmar que, se fosse uma ação de esquerda, não poderia ter sido mais inteligente, mas, se a autoria fosse do Exército, teria sido muita burrice. No inquérito policial militar (IPM) encerrado em 2 de outubro de 1981, o então coronel Job Lorena de Sant'Anna desprezou provas periciais e concluiu que os dois militares tinham sido vítimas de um atentado promovido por grupos paramilitares de esquerda ou de direita. A conclusão não convenceu ninguém. "A bomba explodiu dentro do governo", sintetizou o então ministro da Justiça, Ibrahim Abi-Ackel. Até aquele episódio no Riocentro, houvera dezenas de atentados praticados pela extrema-direita com o objetivo de bloquear o processo de abertura política. Apenas em 1980, uma bomba foi desativada num hotel onde estava Leonel Brizola. No dia 27 de agosto do mesmo ano, três cartas-bombas explodem no Rio. Na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), uma detonação matou a secretária da presidência da instituição, Lyda Monteiro. Na Câmara dos Vereadores, outra explosão deixou gravemente ferido um assessor parlamentar. E uma terceira bomba destruiu redação do jornal "Tribuna da Luta Operária". Bela Megale: Como Bolsonaro reagiu a prisão de militares suspeitos de conspiração? O caso Riocentro seria reaberto, em 1999, quando um novo IPM mudou a versão que perdurara por quase duas décadas. No dia 19 de outubro daquele ano, após três meses de investigações, foram indiciados o coronel Wilson Machado, por homicídio qualificado, e o general da reserva Newton Cruz, ex-chefe do Serviço Nacional de Informações (SNI), por falso testemunho e desobediência. Diversas revelações foram a público na época, mas Superior Tribunal Militar (STM) determinou novamente o arquivamento do processo referente ao crime, com base na Lei da Anistia, de 1979. Em 2014, com base em novas provas, o Ministério Público denunciou seis militares pelo envolvimento com o atentado no Riocentro ou com o trabalho de acobertar a culpa dos responsáveis. Três agentes denunciados eram generais reformados. Meses depois, entretanto, o Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), por dois votos a um, decidiu trancar a ação, argumentando que o crime já estava prescrito. Único suspeito ainda vivo atualmente, Wilson Machado, que tinha 28 anos e era capitão na época da explosão, hoje é um coronel reformado. Ele jamais foi condenado pelo atentado. O capitão Wilson Machado, ferido na explosão do Riocentro, em imagem de 1999 Ailton de Freitas

Qual é a sua reação?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow