'O invisível se multiplicou', diz fundador do Data Favela após resultados do Censo 2022
Renato Meirelles estuda os territórios populares há mais de 25 anos e garante que é a 'desigualdade social que empurra as pessoas para a favela' Dados do Censo 2022 divulgados nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentam um panorama sobre a realidade das favelas e comunidades urbanas espalhadas pelo Brasil. Nos últimos 12 anos, esses territórios populares cresceram cerca de 95%. São mais de 12.348 localidades, que abrigam 16,4 milhões de pessoas, o equivalente a 8,1% da população brasileira. IBGE: Favelas crescem 95% em 12 anos e concentram 16,4 milhões de brasileiros, aponta Censo 2022 Censo 2022: Pretos e pardos representam 72,9% dos moradores de favelas; mulheres também são maioria Para Renato Meirelles, fundador do Data Favela, primeiro instituto de pesquisa focado na atividade econômica das favelas brasileiras, a expansão desses territórios se deve a diferentes fatores, como o "enfraquecimento do poder aquisitivo da população nos últimos anos" e o "aumento da desigualdade social no país." — Nós passamos quase cinco anos sem um aumento real do salário mínimo — diz Meirelles. — Esse fator aumentou a desigualdade de renda. Isso faz com que as pessoas tenham que procurar lugares mais baratos para morar, casas que caibam no bolço. É a desigualdade que empurra as pessoas para a favela, sempre foi. O fundador do Data Favela também aponta o período da pandemia da Covid-19 como outro aspecto importante para o aumento da população dessas regiões. Ele relembra que o próprio Censo 2022, encerrado ao final do período pandêmico, encontrou dificuldades para realizar a pesquisa nas favelas. — O Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa) contribuíram para que o IBGE tivesse condições de captar essas realidades e divulgá-las ao país — conta Meirelles. — No começo do ano passado, com a ministra Simone Tebet, estivemos em Heliópolis, em São Paulo, para lançar o projeto "Favela no Mapa", com o intuito de garantir o mapeamento adequado dessas comunidades, algo que o IBGE estava com dificuldade para realizar. A participação dos grupos na pesquisa resultou, inclusive, na mudança da terminologia utilizada para classificar os territórios. Antes conhecidas como "aglomerados subnormais", agora as localidades são oficialmente reconhecidas como "favelas" e "comunidades urbanas". — Essa mudança foi importante para eliminar o preconceito implícito que o termo "subnormal" carregava, desumanizando essas áreas — explica Meirelles. — Através do movimento "Favela no Mapa" e de pressões positivas, ficou claro que favela é favela, e essa nova nomenclatura reflete isso de forma mais respeitosa. Escritor do livro "Um país chamado favela", Renato Meirelles acrescenta que, com um mapeamento detalhado, o Estado brasileiro pode desenvolver "políticas públicas mais assertivas", sabendo exatamente "onde há necessidades de mais postos de vacinação" ou "onde o saneamento básico é insuficiente", entre outras "demandas essenciais". — Esse processo marca o fim de um ciclo de diagnóstico e o início de um novo ciclo baseado em evidências, trazendo dignidade e reconhecimento aos moradores de favelas — diz. Distribuição de favelas por território Segundo os dados do Censo 2022, ao analisarmos a quantidade de favelas pelas regiões do Brasil, o Sudeste é a região com a maior quantidade desses territórios, 48,7%; em seguida vem o Nordeste, com 26,8%; a região Norte, com 11,6%; o Sul, com 10,4%; e o Centro-Oeste, com 2,5%. Entre as 20 favelas mais populosas do país, oito estão na região Norte (sete delas em Manaus), sete no Sudeste, quatro na região Nordeste e somente uma – (a Sol Nascente) – no Centro-Oeste. Nenhuma delas fica na região Sul. — As favelas do Norte possuem características diferentes das encontradas no sudeste, há um número maior de palafitas (estruturas arquitetônicas elevadas, construídas sobre estacas de madeira). No Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o preço do metro quadrado é muito mais caro do que no Norte. Distribuição das favelas por região IBGE Meirelles explica que a população que se "favelizou" na região Norte fez isso como consequência de "uma urbanização das regiões rurais". A situação é distinta da encontrada nas favelas do Sudeste, onde, em sua maioria, a população "sempre foi urbana", somente se deslocou. No caso da ausência de favelas muito populosas na região Sul, o pesquisador atribui esse panorama à maior "proporção de classes A e B" do que a média nacional, enquanto "as classes D e E são menos expressivas". — Ao longo dos meus 25 anos estudando as classes C, D e E no Brasil, observei que, no Sul, o que chamamos de “classe A” entre os moradores de favelas, que lá são conhecidas como "vilas", é mais comum. Tanto nas classes C quanto D, os índices são muito melhores do que a média nacional. A média de escolaridade é mais alta, o acesso à internet é maior e a média de idade também é superior. As favelas no Sul refletem essa realidade — analisa.
Renato Meirelles estuda os territórios populares há mais de 25 anos e garante que é a 'desigualdade social que empurra as pessoas para a favela' Dados do Censo 2022 divulgados nesta sexta-feira pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apresentam um panorama sobre a realidade das favelas e comunidades urbanas espalhadas pelo Brasil. Nos últimos 12 anos, esses territórios populares cresceram cerca de 95%. São mais de 12.348 localidades, que abrigam 16,4 milhões de pessoas, o equivalente a 8,1% da população brasileira. IBGE: Favelas crescem 95% em 12 anos e concentram 16,4 milhões de brasileiros, aponta Censo 2022 Censo 2022: Pretos e pardos representam 72,9% dos moradores de favelas; mulheres também são maioria Para Renato Meirelles, fundador do Data Favela, primeiro instituto de pesquisa focado na atividade econômica das favelas brasileiras, a expansão desses territórios se deve a diferentes fatores, como o "enfraquecimento do poder aquisitivo da população nos últimos anos" e o "aumento da desigualdade social no país." — Nós passamos quase cinco anos sem um aumento real do salário mínimo — diz Meirelles. — Esse fator aumentou a desigualdade de renda. Isso faz com que as pessoas tenham que procurar lugares mais baratos para morar, casas que caibam no bolço. É a desigualdade que empurra as pessoas para a favela, sempre foi. O fundador do Data Favela também aponta o período da pandemia da Covid-19 como outro aspecto importante para o aumento da população dessas regiões. Ele relembra que o próprio Censo 2022, encerrado ao final do período pandêmico, encontrou dificuldades para realizar a pesquisa nas favelas. — O Data Favela e a Central Única das Favelas (Cufa) contribuíram para que o IBGE tivesse condições de captar essas realidades e divulgá-las ao país — conta Meirelles. — No começo do ano passado, com a ministra Simone Tebet, estivemos em Heliópolis, em São Paulo, para lançar o projeto "Favela no Mapa", com o intuito de garantir o mapeamento adequado dessas comunidades, algo que o IBGE estava com dificuldade para realizar. A participação dos grupos na pesquisa resultou, inclusive, na mudança da terminologia utilizada para classificar os territórios. Antes conhecidas como "aglomerados subnormais", agora as localidades são oficialmente reconhecidas como "favelas" e "comunidades urbanas". — Essa mudança foi importante para eliminar o preconceito implícito que o termo "subnormal" carregava, desumanizando essas áreas — explica Meirelles. — Através do movimento "Favela no Mapa" e de pressões positivas, ficou claro que favela é favela, e essa nova nomenclatura reflete isso de forma mais respeitosa. Escritor do livro "Um país chamado favela", Renato Meirelles acrescenta que, com um mapeamento detalhado, o Estado brasileiro pode desenvolver "políticas públicas mais assertivas", sabendo exatamente "onde há necessidades de mais postos de vacinação" ou "onde o saneamento básico é insuficiente", entre outras "demandas essenciais". — Esse processo marca o fim de um ciclo de diagnóstico e o início de um novo ciclo baseado em evidências, trazendo dignidade e reconhecimento aos moradores de favelas — diz. Distribuição de favelas por território Segundo os dados do Censo 2022, ao analisarmos a quantidade de favelas pelas regiões do Brasil, o Sudeste é a região com a maior quantidade desses territórios, 48,7%; em seguida vem o Nordeste, com 26,8%; a região Norte, com 11,6%; o Sul, com 10,4%; e o Centro-Oeste, com 2,5%. Entre as 20 favelas mais populosas do país, oito estão na região Norte (sete delas em Manaus), sete no Sudeste, quatro na região Nordeste e somente uma – (a Sol Nascente) – no Centro-Oeste. Nenhuma delas fica na região Sul. — As favelas do Norte possuem características diferentes das encontradas no sudeste, há um número maior de palafitas (estruturas arquitetônicas elevadas, construídas sobre estacas de madeira). No Sudeste, especialmente no Rio de Janeiro e em São Paulo, o preço do metro quadrado é muito mais caro do que no Norte. Distribuição das favelas por região IBGE Meirelles explica que a população que se "favelizou" na região Norte fez isso como consequência de "uma urbanização das regiões rurais". A situação é distinta da encontrada nas favelas do Sudeste, onde, em sua maioria, a população "sempre foi urbana", somente se deslocou. No caso da ausência de favelas muito populosas na região Sul, o pesquisador atribui esse panorama à maior "proporção de classes A e B" do que a média nacional, enquanto "as classes D e E são menos expressivas". — Ao longo dos meus 25 anos estudando as classes C, D e E no Brasil, observei que, no Sul, o que chamamos de “classe A” entre os moradores de favelas, que lá são conhecidas como "vilas", é mais comum. Tanto nas classes C quanto D, os índices são muito melhores do que a média nacional. A média de escolaridade é mais alta, o acesso à internet é maior e a média de idade também é superior. As favelas no Sul refletem essa realidade — analisa. Melhorias no acesso a serviços e saneamento básico Outro dado apresentado pelo Censo 2022 foi de que mais 96% têm acesso à coleta de lixo e quase a totalidade (99,9%) desses domicílios possui banheiro e sanitário de uso exclusivo. Meirelles considera que esse resultado, mais positivo do que em pesquisas anteriores, mostra que mesmo em um ambiente de desigualdade ainda existe espaço para a construção de uma "vida digna" nesses territórios. — Em primeiro lugar, existe uma economia significativa dentro das favelas, que movimenta mais de R$ 200 bilhões. Esse é um dinheiro que, muitas vezes, acaba não ficando nas próprias favelas — frisa. — Além disso, o processo de distribuição de renda, que se consolidou como uma política de Estado, e não apenas de governo, também alcançou essas pessoas, garantindo o acesso ao básico para muitos. Ele prossegue: — As melhorias nas favelas, como a construção de banheiros, tendem a ser permanentes — avalia Meirelles. — Quando as pessoas constroem um banheiro, por exemplo, não o destroem depois. Essa autoconstrução contínua reflete o desenvolvimento interno, mantendo ou ampliando infraestruturas à medida que o tempo passa. Meirelles relembrou uma fala de Paulo Guedes ao se referir ao potencial econômico dos territórios populares em que o ex-ministro da Economia afirmou que o Brasil “descobriu 30 milhões de invisíveis”. — Não havia políticas de emprego, habitação ou qualquer assistência para elas. Ser invisível é isso: é a ausência completa de apoio do Estado — destaca. — Dizer que existem 30 milhões de invisíveis é o mesmo que afirmar que o governo não estava fazendo nada por elas. A realidade das favelas é essa, e o crescimento delas reflete essa invisibilidade. Meirelles considera que, nos últimos anos, essa situação piorou. — O invisível se multiplicou. Essa frase representa bem a realidade — diz. — O número de invisíveis aumentou, e essa questão agora é colocada em evidência com o Censo, exigindo políticas que promovam mais igualdade de oportunidades. (estagiário sob supervisão de Luã Marinatto)
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