Milei no G20: discurso inflamado, mas ações contidas pelo medo ao isolamento

Presidente argentino não poupou críticas às principais propostas da presidência brasileira do grupo, mas acabou assinado declaração final; a peso de China e França na equação geopolítica do argentino Altos representantes do governo argentino avisaram a interlocutores do governo Luiz Inácio Lula da Silva dias antes da cúpula de presidentes e chefes de governo do G20 que o presidente Javier Milei teria “linhas vermelhas” que não poderia ultrapassar na hora de assinar a declaração de presidentes e chefes de governo do grupo. Uma das principais linhas vermelhas de Milei era a agenda 2030 das Nações Unidas. Com esse alerta, representantes do governo Lula e de outros países do G20 esperavam um Milei totalmente disruptivo na cúpula do Rio. Para surpresa de todos, o argentino se mostrou desafiador em seus discursos, mas na hora de negociar acabou cedendo e afirmando que não seria um obstáculo para que o G20 tivesse uma declaração presidencial. O que aconteceu no meio do caminho? Uma pergunta que não quer calar. Dois países teriam tido influência nos posicionamentos do presidente argentino: China e França. Com os presidentes de ambos, Xi Jinping e Emmanuel Macron, o chefe de Estado argentino se reuniu antes e durante a cúpula. Macron foi até Buenos Aires antes de viajar para o Brasil, segundo reconheceram fontes francesas, com a clara intenção de tentar “acalmar a fera” argentina antes do encontro presidencial no Rio. Em outras palavras, de aproximar Milei dos consensos do G20, e evitar que o argentino ficasse isolado na cúpula. Os abraços entre ambos — que contrastaram com a frieza entre Milei e Lula — pareceram confirmar certa sintonia. Ninguém sabe até que ponto Macron foi uma influência positiva para Milei. Mas o fato é que o presidente argentino chegou ao Rio mais tranquilo do que se esperava. No caso da China, a situação é diferente. Milei vem buscando uma aproximação com o país, o único que deu um socorro financeiro em 2024 ao governo argentino. A Casa Rosada solicitou um encontro entre Milei e Xi Jinping no Rio, que acontecerá nesta terça. O presidente argentino quer aprofundar as relações econômicas com a China, movimento que, segundo fontes argentinas, foi “negociado” com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Como parte dessa “negociação”, Milei teria decidido adiar uma viagem a China em 2025, inicialmente prevista para janeiro, quando acontecerá no país um encontro entre países da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e o governo chinês. A China é um importante aliado do Brasil de Lula, e o peso dessa relação claramente pesou na decisão de Milei de não boicotar a cúpula presidencial chefiada por Lula. Acordo: 'Infraestrutura' e 'especificamente', as duas palavras que permitiram alcançar o consenso sobre a declaração de presidentes do G20 Bastidores: Países do G7 pressionam, mas Brasil resiste em reabrir texto da declaração do G20 sobre guerra na Ucrânia Em reportagem no jornal La Nación, a jornalista Maia Jastreblansky, que cobriu a cúpula, afirmou que “na prática, o presidente defendeu sua rebeldia no discurso, mas evitou ficar isolado do mundo”. De fato, as falas de Milei foram exatamente no tom que se esperavam. O presidente disse aos demais países do G20 que não contem com a Argentina para reformar a governação global; discordou das expressões “desinformação” e “discursos de ódio”; acusou a agenda 2030 da ONU de “atentar contra a liberdade e propriedade das pessoas”; questionou a taxação aos super-ricos por considerar que “implica um tratamento desigual perante a lei”; e se opôs a questões de gênero porque “a Argentina não apoia nenhum tipo de discriminação positiva”. O show discursivo de Milei e seus questionamentos ao documento selado no Rio, disseram fontes do governo brasileiro, “não tiram o sono de Lula”. Em palavras de uma fonte oficial, “a Argentina de Milei será um pé de página na cúpula do Rio”. O governo brasileiro estava preparado para que a Argentina não assinasse a declaração presidencial, portanto, as dissonâncias explicitadas por Milei foram uma até mesmo uma boa notícia. Mas o frio e rápido aperto de mãos entre Lula e Milei refletiu um dos piores momentos na relação bilateral. Analistas argentinos já especulam, até mesmo, com a saída do país do Mercosul. Um cenário ainda distante, mas que, dadas as últimas circunstâncias, que não pode ser descartado. O negacionismo climático de Milei é um forte obstáculo para um acordo com a União Europeia, e a intenção de negociar um acordo bilateral de livre comércio com os Estados Unidos, após a posse de Donald Trump, em janeiro de 2025, poderia abrir uma crise terminal na relação da Argentina com seus sócios do bloco. Milei veio ao Rio, admitem fontes argentinas, transmitir os posicionamentos da extrema direita global. A vitória de Trump nas eleições americanas mudou o jogo, e ameaça o futuro da relação com o Brasil e grande parte da região. Diplomatas dos dois países trabalham para impedir que o vínc

Nov 19, 2024 - 01:34
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Milei no G20: discurso inflamado, mas ações contidas pelo medo ao isolamento

Presidente argentino não poupou críticas às principais propostas da presidência brasileira do grupo, mas acabou assinado declaração final; a peso de China e França na equação geopolítica do argentino Altos representantes do governo argentino avisaram a interlocutores do governo Luiz Inácio Lula da Silva dias antes da cúpula de presidentes e chefes de governo do G20 que o presidente Javier Milei teria “linhas vermelhas” que não poderia ultrapassar na hora de assinar a declaração de presidentes e chefes de governo do grupo. Uma das principais linhas vermelhas de Milei era a agenda 2030 das Nações Unidas. Com esse alerta, representantes do governo Lula e de outros países do G20 esperavam um Milei totalmente disruptivo na cúpula do Rio. Para surpresa de todos, o argentino se mostrou desafiador em seus discursos, mas na hora de negociar acabou cedendo e afirmando que não seria um obstáculo para que o G20 tivesse uma declaração presidencial. O que aconteceu no meio do caminho? Uma pergunta que não quer calar. Dois países teriam tido influência nos posicionamentos do presidente argentino: China e França. Com os presidentes de ambos, Xi Jinping e Emmanuel Macron, o chefe de Estado argentino se reuniu antes e durante a cúpula. Macron foi até Buenos Aires antes de viajar para o Brasil, segundo reconheceram fontes francesas, com a clara intenção de tentar “acalmar a fera” argentina antes do encontro presidencial no Rio. Em outras palavras, de aproximar Milei dos consensos do G20, e evitar que o argentino ficasse isolado na cúpula. Os abraços entre ambos — que contrastaram com a frieza entre Milei e Lula — pareceram confirmar certa sintonia. Ninguém sabe até que ponto Macron foi uma influência positiva para Milei. Mas o fato é que o presidente argentino chegou ao Rio mais tranquilo do que se esperava. No caso da China, a situação é diferente. Milei vem buscando uma aproximação com o país, o único que deu um socorro financeiro em 2024 ao governo argentino. A Casa Rosada solicitou um encontro entre Milei e Xi Jinping no Rio, que acontecerá nesta terça. O presidente argentino quer aprofundar as relações econômicas com a China, movimento que, segundo fontes argentinas, foi “negociado” com o presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump. Como parte dessa “negociação”, Milei teria decidido adiar uma viagem a China em 2025, inicialmente prevista para janeiro, quando acontecerá no país um encontro entre países da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac) e o governo chinês. A China é um importante aliado do Brasil de Lula, e o peso dessa relação claramente pesou na decisão de Milei de não boicotar a cúpula presidencial chefiada por Lula. Acordo: 'Infraestrutura' e 'especificamente', as duas palavras que permitiram alcançar o consenso sobre a declaração de presidentes do G20 Bastidores: Países do G7 pressionam, mas Brasil resiste em reabrir texto da declaração do G20 sobre guerra na Ucrânia Em reportagem no jornal La Nación, a jornalista Maia Jastreblansky, que cobriu a cúpula, afirmou que “na prática, o presidente defendeu sua rebeldia no discurso, mas evitou ficar isolado do mundo”. De fato, as falas de Milei foram exatamente no tom que se esperavam. O presidente disse aos demais países do G20 que não contem com a Argentina para reformar a governação global; discordou das expressões “desinformação” e “discursos de ódio”; acusou a agenda 2030 da ONU de “atentar contra a liberdade e propriedade das pessoas”; questionou a taxação aos super-ricos por considerar que “implica um tratamento desigual perante a lei”; e se opôs a questões de gênero porque “a Argentina não apoia nenhum tipo de discriminação positiva”. O show discursivo de Milei e seus questionamentos ao documento selado no Rio, disseram fontes do governo brasileiro, “não tiram o sono de Lula”. Em palavras de uma fonte oficial, “a Argentina de Milei será um pé de página na cúpula do Rio”. O governo brasileiro estava preparado para que a Argentina não assinasse a declaração presidencial, portanto, as dissonâncias explicitadas por Milei foram uma até mesmo uma boa notícia. Mas o frio e rápido aperto de mãos entre Lula e Milei refletiu um dos piores momentos na relação bilateral. Analistas argentinos já especulam, até mesmo, com a saída do país do Mercosul. Um cenário ainda distante, mas que, dadas as últimas circunstâncias, que não pode ser descartado. O negacionismo climático de Milei é um forte obstáculo para um acordo com a União Europeia, e a intenção de negociar um acordo bilateral de livre comércio com os Estados Unidos, após a posse de Donald Trump, em janeiro de 2025, poderia abrir uma crise terminal na relação da Argentina com seus sócios do bloco. Milei veio ao Rio, admitem fontes argentinas, transmitir os posicionamentos da extrema direita global. A vitória de Trump nas eleições americanas mudou o jogo, e ameaça o futuro da relação com o Brasil e grande parte da região. Diplomatas dos dois países trabalham para impedir que o vínculo bilateral mergulhe numa crise terminal. Mas as cenas no MAM confirmaram que o desafio será enorme. Milei adotará a agenda internacional de Trump, que é totalmente antagônica, em todos os sentidos, da agenda de Lula. Os próximos meses serão decisivos para entender se, nesse contexto, a relação entre Brasil e Argentina, pelo menos entre Estados, poderá ser preservada.

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