Meu Jogo: Saulo Mineiro, destaque do Ceará, conta como enfrentou problema cardíaco até se firmar no futebol
Atacante repassa altos e baixos da carreira Eu peguei do meu irmão, Paulo Sérgio, o sonho de me tornar jogador de futebol. Foi por isso que, com 14 para 15 anos, depois de jogar no Uberlândia Esporte Clube, time da nossa cidade, decidi ir para São Paulo. Vi meu irmão passar a vida inteira na nossa terra, e ele acabou não dando certo. Então, eu quis furar a bolha. Minha mãe, Raimunda, que sempre fez tudo por nós, deixou de trabalhar para nos acompanhar nos testes que fazíamos. Mesmo sem saber mexer muito na internet, ela achou uma peneira do Santos. Para participar desses testes, precisávamos fazer um exame físico e entregar um eletrocardiograma. E aí o que parecia um sonho acabou virando o início de um pesadelo. Logo no primeiro exame, veio o baque. Detectaram um problema no meu coração chamado pré-excitação, em que o batimento fica acelerado. O médico praticamente jogou meu sonho no lixo: “Cara, está doido? Você não pode ser jogador com esse problema que tem no coração”. Foi uma coisa pesada de se ouvir com 14 anos, mas hoje entendo que foi pela gravidade do caso. Eu corria até risco de morte. Mas eu e minha mãe fomos teimosos. Fizemos o teste mesmo assim. Ela precisou assinar um termo em que se responsabilizava pelo que poderia acontecer comigo. Os médicos queriam tirar o deles da reta, claro. Era a carreira deles em jogo também. Mas a minha mãe foi f... Ao mesmo tempo em que não queria perder um filho — porque a qualquer momento eu poderia cair no chão e tchau — ela conseguiu sustentar essa responsabilidade pelo meu sonho. Fui reprovado nessa peneira do Santos e em mais uma. Também fui aprovado em outras, mas toda vez que eu passava, tinha que fazer os benditos exames. Eles, claro, apontavam o problema no coração, e eu precisava dar um passo atrás. INTERVALO E PLANO B Fiquei uns três anos nessa, até que, com 17, tive a oportunidade de fazer um cateterismo pelo SUS, para ver se acabava com isso de vez. Mas a cirurgia teve complicações. Se continuássemos, teria que colocar um marcapasso, o que me impossibilitaria de fazer qualquer tipo de exercício físico. Minha mãe, com medo de que algo acontecesse comigo, mandou o médico parar após seis horas de procedimento. Foi quando decidi largar o futebol e seguir nos estudos. Fui fazer Engenharia Civil. Cresci na construção civil por causa do meu pai, que era mestre de obra. Ele sempre precisava de um engenheiro, então era uma forma de ajudá-lo. Comecei a trabalhar de carteira assinada como servente de pedreiro. Foi um momento muito triste. Eu não sabia dimensionar a vida e a morte. Mesmo com o problema no coração, queria ser atleta. Por isso, falava: “Não quero saber mais de futebol”. Mas, quando é para ser, não tem jeito. Fiquei um ano sem jogar, até que um dia meu irmão me ligou e contou que havia me inscrito em um time amador de Uberlândia, o C&A Tabajaras. Eu relutei, mas ele argumentou que seria bom financeiramente. Eu ganhava uma mixaria e vivia contando moedas porque tinha comprado uma moto velha, precisava pagar a faculdade e ainda viajava sempre a São Paulo para ver a Naara, minha esposa, que na época ainda era namorada. Topei. Fui bem lá, fiz vários gols, então Cássio Cordeiro, dono do clube, quis me conhecer. Contei minha história para ele, que me ofereceu a oportunidade de novamente jogar no Uberlândia. Eu tinha 18 anos e entraria para o sub-20. Respondi que não pararia de trabalhar, porque nunca havia ganhado dinheiro com futebol. Mas ele insistiu e montou um esquema: eu estagiaria na empresa dele pela manhã, treinaria à tarde e faria faculdade à noite. Eu saia de casa às 5h da manhã e voltava à 0h. Ele pagava o meu salário. Pisquei e estava no América-MG. Passei por Tupi-MG, CRAC-GO e Volta Redonda, até chegar ao Ceará em 2021. Era a realização do meu sonho: time de Série A, enorme, torcida de massa. Mas uma semana após meu anúncio, quando cheguei à cidade, os caras me chamaram para fazer exames. Pensei: “Não é possível. Em clube grande, vai dar ruim”. Logo que fiz os testes, a torcida puxou meu histórico e viu uma entrevista do período em que eu havia parado de jogar. Começaram a cobrar a diretoria, que viu meu eletrocardiograma. “Você está louco! Tem arritmia. Por que não disse nada?”, falaram. Ué, ninguém me perguntou! Não vou sair contando... Eu tinha acabado de alcançar meu objetivo, queriam que eu chegasse falando que tinha problema no coração? E a questão havia se agravado. De tanto que forcei, gerou a arritmia. O médico ficou maluco. Esse processo foi duro. Fiquei mais de um mês sem atuar. Tive até que excluir as redes sociais, por pedido do clube, porque a torcida xingava e dizia que eu era bichado. ENFIM, A SOLUÇÃO Quando o Ceará já pensava em me devolver, surgiu a oportunidade de fazer outra cirurgia. De novo, um procedimento que era para durar uma hora demorou sete. E sem conseguir solucionar o problema. Os caras e até minha mãe já tinham perdido as esperanças. Mas o Robinson de Castro, presidente da época, segurou a bronca e arcou
Atacante repassa altos e baixos da carreira Eu peguei do meu irmão, Paulo Sérgio, o sonho de me tornar jogador de futebol. Foi por isso que, com 14 para 15 anos, depois de jogar no Uberlândia Esporte Clube, time da nossa cidade, decidi ir para São Paulo. Vi meu irmão passar a vida inteira na nossa terra, e ele acabou não dando certo. Então, eu quis furar a bolha. Minha mãe, Raimunda, que sempre fez tudo por nós, deixou de trabalhar para nos acompanhar nos testes que fazíamos. Mesmo sem saber mexer muito na internet, ela achou uma peneira do Santos. Para participar desses testes, precisávamos fazer um exame físico e entregar um eletrocardiograma. E aí o que parecia um sonho acabou virando o início de um pesadelo. Logo no primeiro exame, veio o baque. Detectaram um problema no meu coração chamado pré-excitação, em que o batimento fica acelerado. O médico praticamente jogou meu sonho no lixo: “Cara, está doido? Você não pode ser jogador com esse problema que tem no coração”. Foi uma coisa pesada de se ouvir com 14 anos, mas hoje entendo que foi pela gravidade do caso. Eu corria até risco de morte. Mas eu e minha mãe fomos teimosos. Fizemos o teste mesmo assim. Ela precisou assinar um termo em que se responsabilizava pelo que poderia acontecer comigo. Os médicos queriam tirar o deles da reta, claro. Era a carreira deles em jogo também. Mas a minha mãe foi f... Ao mesmo tempo em que não queria perder um filho — porque a qualquer momento eu poderia cair no chão e tchau — ela conseguiu sustentar essa responsabilidade pelo meu sonho. Fui reprovado nessa peneira do Santos e em mais uma. Também fui aprovado em outras, mas toda vez que eu passava, tinha que fazer os benditos exames. Eles, claro, apontavam o problema no coração, e eu precisava dar um passo atrás. INTERVALO E PLANO B Fiquei uns três anos nessa, até que, com 17, tive a oportunidade de fazer um cateterismo pelo SUS, para ver se acabava com isso de vez. Mas a cirurgia teve complicações. Se continuássemos, teria que colocar um marcapasso, o que me impossibilitaria de fazer qualquer tipo de exercício físico. Minha mãe, com medo de que algo acontecesse comigo, mandou o médico parar após seis horas de procedimento. Foi quando decidi largar o futebol e seguir nos estudos. Fui fazer Engenharia Civil. Cresci na construção civil por causa do meu pai, que era mestre de obra. Ele sempre precisava de um engenheiro, então era uma forma de ajudá-lo. Comecei a trabalhar de carteira assinada como servente de pedreiro. Foi um momento muito triste. Eu não sabia dimensionar a vida e a morte. Mesmo com o problema no coração, queria ser atleta. Por isso, falava: “Não quero saber mais de futebol”. Mas, quando é para ser, não tem jeito. Fiquei um ano sem jogar, até que um dia meu irmão me ligou e contou que havia me inscrito em um time amador de Uberlândia, o C&A Tabajaras. Eu relutei, mas ele argumentou que seria bom financeiramente. Eu ganhava uma mixaria e vivia contando moedas porque tinha comprado uma moto velha, precisava pagar a faculdade e ainda viajava sempre a São Paulo para ver a Naara, minha esposa, que na época ainda era namorada. Topei. Fui bem lá, fiz vários gols, então Cássio Cordeiro, dono do clube, quis me conhecer. Contei minha história para ele, que me ofereceu a oportunidade de novamente jogar no Uberlândia. Eu tinha 18 anos e entraria para o sub-20. Respondi que não pararia de trabalhar, porque nunca havia ganhado dinheiro com futebol. Mas ele insistiu e montou um esquema: eu estagiaria na empresa dele pela manhã, treinaria à tarde e faria faculdade à noite. Eu saia de casa às 5h da manhã e voltava à 0h. Ele pagava o meu salário. Pisquei e estava no América-MG. Passei por Tupi-MG, CRAC-GO e Volta Redonda, até chegar ao Ceará em 2021. Era a realização do meu sonho: time de Série A, enorme, torcida de massa. Mas uma semana após meu anúncio, quando cheguei à cidade, os caras me chamaram para fazer exames. Pensei: “Não é possível. Em clube grande, vai dar ruim”. Logo que fiz os testes, a torcida puxou meu histórico e viu uma entrevista do período em que eu havia parado de jogar. Começaram a cobrar a diretoria, que viu meu eletrocardiograma. “Você está louco! Tem arritmia. Por que não disse nada?”, falaram. Ué, ninguém me perguntou! Não vou sair contando... Eu tinha acabado de alcançar meu objetivo, queriam que eu chegasse falando que tinha problema no coração? E a questão havia se agravado. De tanto que forcei, gerou a arritmia. O médico ficou maluco. Esse processo foi duro. Fiquei mais de um mês sem atuar. Tive até que excluir as redes sociais, por pedido do clube, porque a torcida xingava e dizia que eu era bichado. ENFIM, A SOLUÇÃO Quando o Ceará já pensava em me devolver, surgiu a oportunidade de fazer outra cirurgia. De novo, um procedimento que era para durar uma hora demorou sete. E sem conseguir solucionar o problema. Os caras e até minha mãe já tinham perdido as esperanças. Mas o Robinson de Castro, presidente da época, segurou a bronca e arcou com outra cirurgia, mais moderna, em São Paulo. Em vez de queimar a veia, os médicos tentariam congelá-la. Era muito mais cara, mas o Ceará pagou. Foram sete ou oito horas de cirurgia, e deu tudo certo. Estreei uns 15 dias depois. Na época, o Robinson falou que acreditava em mim e que eu daria retorno para o clube. No fim da minha primeira passagem, me tornei a maior venda da história do Ceará, quando fui para o Yokohama, do Japão. Agora, estou de volta como um dos artilheiros do time e tentando levar o Vozão de novo à Série A. Além disso — e é um fato até curioso para quem tinha problema no coração —, fui eleito o segundo jogador mais rápido do mundo. *Atacante do Ceará em depoimento a João Pedro Fragoso
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