Mapa: como Gritzbach, delator do PCC, ajudou a transformar o Tatuapé em reduto da facção criminosa
Ao menos quinze imóveis do empresário e de membros da facção ficam no bairro, palco de assassinatos sangrentos nos últimos anos É fim de tarde no Tatuapé, bairro da Zona Leste de São Paulo. Em frente a uma loja de roupas de grife, na Rua Tuiuti, estrelas estampadas na calçada mostram cifras que passam dos R$ 100 mil. Ao menos quatro delas trazem nomes de influenciadores e artistas, que gastaram aqueles valores na compra de itens ditos exclusivos. A região é cheia de espaços do tipo, como lojas ostentativas, clínicas de estética e concessionárias de carros de luxo onde a regra é exibir o alto volume de dinheiro que circula por ali. Sinônimo de ascensão social, objeto de desejo de quem deixa as periferias vizinhas, o Tatuapé se tornou algo mais nos últimos anos: um reduto de integrantes do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Ali ascendeu, entre outras, a figura de Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, o ex-corretor de imóveis de luxo que atuou por mais de dez anos nesse mercado, tornou-se peça importante na máquina de lavar dinheiro do PCC e acabou fuzilado no Aeroporto de Guarulhos, no dia 8 de novembro. Delator da facção criminosa, Gritzbach confessou ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que, entre 2014 e 2018, enquanto trabalhava na Porte Engenharia, construtora famosa por erguer espigões no Tatuapé, intermediou a compra de propriedades para diversas figuras apontadas como parte do alto escalão do PCC — quase sempre em empreendimentos no bairro. Antônio Vinicius Lopes Gritzbach Reprodução Em nota sobre o caso, a Porte disse que “sempre executou, dentro dos seus limites legais, procedimentos necessários para averiguar a idoneidade de seus clientes” e que não tinha conhecimento de que a venda dos imóveis citados era feita por pessoas ligadas ao crime organizado. A empresa diz também que “não é acusada formalmente em nenhum processo judicial” e que apresentou ao Ministério Público o detalhamento das negociações imobiliárias citadas pelo delator. O GLOBO teve acesso ao acordo de delação em que Gritzbach menciona ao menos cinco apartamentos e salas comerciais ligados a ele no bairro, além de outros dez imóveis adquiridos por ‘laranjas’ para serem utilizados por figuras como Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, Ahmed Hassan Saleh, o Mudi, e Claudio Marcos de Almeida, o Django. As vendas, segundo Gritzbach, ocorreram entre 2018 e 2020. De 2018 para cá, sete criminosos ligados à facção acabaram mortos na região. O primeiro contato do empresário com o PCC teria acontecido na Porte, quando ele vendeu duas unidades de um edifício de luxo com apartamentos de até 550 metros quadrados a um laranja. Seriam parte do patrimônio oculto de Cara Preta, apontado como membro do alto escalão do setor de tráfico internacional de drogas da facção. Gritzbach e Cara Preta foram, inclusive, vizinhos — se não no dia a dia, ao menos no patrimônio. Na negociação do acordo de delação, o ex-corretor pediu o desbloqueio de imóveis no Tatuapé como parte da colaboração com o Ministério Público. Entre eles, três apartamentos no mesmo prédio onde Cara Preta teria adquirido duas unidades, o edifício Composite Des Artes, localizado na Avenida Regente Feijó, em frente ao Shopping Anália Franco. Edifício Composite Des Artes, onde Gritzbach e Cara Preta compraram imóveis Reprodução Google Maps Cara Preta, porém, escolheu morar em outro edifício, segundo o acordo de delação. Trata-se do Josephine, com unidades de 320 metros quadrados, localizado na Rua Americana e comprado por R$ 3,1 milhões, supostamente pagos em dinheiro vivo. Gritzbach também deu detalhes do patrimônio de outro membro do PCC: o advogado Ahmed Hassan, conhecido como Mudi. Apontado como um dos acionistas da empresa de ônibus UPBus, investigada por lavar dinheiro para o crime organizado, ele teria comprado um apartamento por R$ 3 milhões na Rua Cândido Lacerda e um flat, por R$ 950 mil, na Rua Serra de Jureia. A Serra de Jureia fica a 500 metros da Rua Itapura, um dos lugares badalados da região. Tem mais de dez quarteirões com lojas, sorveterias, restaurantes e bares onde carros de marcas como Porsche e Ferrari passam a todo momento. Em abril, o 30º DP do Tatuapé se tornou, ao menos por uma tarde, um inusitado estacionamento de marcas do tipo. Naquele mês, foram apreendidos 31 veículos, incluindo um Lamborghini e uma McLaren, durante uma operação contra suspeitos de pertencerem ao PCC. Gritzbach anexou ao acordo de delação contratos de compra e escrituras de outros cinco apartamentos, casas e vagas de garagem — que custam entre R$ 50 mil e R$ 1,9 milhão — e foram adquiridas por laranjas ligados a Claudio Marcos de Almeida, o Django, também apontado sócio da UPBus. — Na medida em que existe uma ascensão social no crime, isso se mostra pela ostentação e pela busca da presença em um mundo que não é claramente o ‘do crime’. É uma facção que está muito embrenhada no tecido social — observa o professor e pesquisador Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Seg
Ao menos quinze imóveis do empresário e de membros da facção ficam no bairro, palco de assassinatos sangrentos nos últimos anos É fim de tarde no Tatuapé, bairro da Zona Leste de São Paulo. Em frente a uma loja de roupas de grife, na Rua Tuiuti, estrelas estampadas na calçada mostram cifras que passam dos R$ 100 mil. Ao menos quatro delas trazem nomes de influenciadores e artistas, que gastaram aqueles valores na compra de itens ditos exclusivos. A região é cheia de espaços do tipo, como lojas ostentativas, clínicas de estética e concessionárias de carros de luxo onde a regra é exibir o alto volume de dinheiro que circula por ali. Sinônimo de ascensão social, objeto de desejo de quem deixa as periferias vizinhas, o Tatuapé se tornou algo mais nos últimos anos: um reduto de integrantes do Primeiro Comando da Capital, o PCC. Ali ascendeu, entre outras, a figura de Antonio Vinicius Lopes Gritzbach, o ex-corretor de imóveis de luxo que atuou por mais de dez anos nesse mercado, tornou-se peça importante na máquina de lavar dinheiro do PCC e acabou fuzilado no Aeroporto de Guarulhos, no dia 8 de novembro. Delator da facção criminosa, Gritzbach confessou ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) que, entre 2014 e 2018, enquanto trabalhava na Porte Engenharia, construtora famosa por erguer espigões no Tatuapé, intermediou a compra de propriedades para diversas figuras apontadas como parte do alto escalão do PCC — quase sempre em empreendimentos no bairro. Antônio Vinicius Lopes Gritzbach Reprodução Em nota sobre o caso, a Porte disse que “sempre executou, dentro dos seus limites legais, procedimentos necessários para averiguar a idoneidade de seus clientes” e que não tinha conhecimento de que a venda dos imóveis citados era feita por pessoas ligadas ao crime organizado. A empresa diz também que “não é acusada formalmente em nenhum processo judicial” e que apresentou ao Ministério Público o detalhamento das negociações imobiliárias citadas pelo delator. O GLOBO teve acesso ao acordo de delação em que Gritzbach menciona ao menos cinco apartamentos e salas comerciais ligados a ele no bairro, além de outros dez imóveis adquiridos por ‘laranjas’ para serem utilizados por figuras como Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta, Ahmed Hassan Saleh, o Mudi, e Claudio Marcos de Almeida, o Django. As vendas, segundo Gritzbach, ocorreram entre 2018 e 2020. De 2018 para cá, sete criminosos ligados à facção acabaram mortos na região. O primeiro contato do empresário com o PCC teria acontecido na Porte, quando ele vendeu duas unidades de um edifício de luxo com apartamentos de até 550 metros quadrados a um laranja. Seriam parte do patrimônio oculto de Cara Preta, apontado como membro do alto escalão do setor de tráfico internacional de drogas da facção. Gritzbach e Cara Preta foram, inclusive, vizinhos — se não no dia a dia, ao menos no patrimônio. Na negociação do acordo de delação, o ex-corretor pediu o desbloqueio de imóveis no Tatuapé como parte da colaboração com o Ministério Público. Entre eles, três apartamentos no mesmo prédio onde Cara Preta teria adquirido duas unidades, o edifício Composite Des Artes, localizado na Avenida Regente Feijó, em frente ao Shopping Anália Franco. Edifício Composite Des Artes, onde Gritzbach e Cara Preta compraram imóveis Reprodução Google Maps Cara Preta, porém, escolheu morar em outro edifício, segundo o acordo de delação. Trata-se do Josephine, com unidades de 320 metros quadrados, localizado na Rua Americana e comprado por R$ 3,1 milhões, supostamente pagos em dinheiro vivo. Gritzbach também deu detalhes do patrimônio de outro membro do PCC: o advogado Ahmed Hassan, conhecido como Mudi. Apontado como um dos acionistas da empresa de ônibus UPBus, investigada por lavar dinheiro para o crime organizado, ele teria comprado um apartamento por R$ 3 milhões na Rua Cândido Lacerda e um flat, por R$ 950 mil, na Rua Serra de Jureia. A Serra de Jureia fica a 500 metros da Rua Itapura, um dos lugares badalados da região. Tem mais de dez quarteirões com lojas, sorveterias, restaurantes e bares onde carros de marcas como Porsche e Ferrari passam a todo momento. Em abril, o 30º DP do Tatuapé se tornou, ao menos por uma tarde, um inusitado estacionamento de marcas do tipo. Naquele mês, foram apreendidos 31 veículos, incluindo um Lamborghini e uma McLaren, durante uma operação contra suspeitos de pertencerem ao PCC. Gritzbach anexou ao acordo de delação contratos de compra e escrituras de outros cinco apartamentos, casas e vagas de garagem — que custam entre R$ 50 mil e R$ 1,9 milhão — e foram adquiridas por laranjas ligados a Claudio Marcos de Almeida, o Django, também apontado sócio da UPBus. — Na medida em que existe uma ascensão social no crime, isso se mostra pela ostentação e pela busca da presença em um mundo que não é claramente o ‘do crime’. É uma facção que está muito embrenhada no tecido social — observa o professor e pesquisador Rafael Alcadipani, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Edifício onde vivia Vinicius Gritzbach, segundo consta na delação Reprodução Google Maps Ode à riqueza O jornalista e pesquisador Bruno Paes Manso explica que a ostentação presente no alto escalão do PCC pode ser relacionada a um fenômeno cultural surgido nas periferias paulistanas nos anos 2000. — Surge o funk ostentação, a celebração da riqueza, do consumo, junto com a teologia da prosperidade. É uma cena cultural nova, vai saindo aquele hip hop do Racionais... E isso acontece também na cena do crime — afirma Paes Manso. — Uma década atrás, o PCC faturava R$ 40 milhões por ano. Hoje, fatura mais de US$ 1 bilhão. Esse dinheiro precisa ser lavado. A compra de imóveis é uma das formas. A região do Jardim Anália Franco (a parte mais rica do Tatuapé) é um local de preferência do grupo — ele conta. A preferência da facção pelo bairro foi revelada pelo jornal ‘O Estado de São Paulo’, em julho, em uma reportagem que contabilizou ao menos 41 apartamentos na região alvos de operações policiais nos últimos cinco anos. Paes Manso observa que o Tatuapé fica na fronteira entre a periferia e os distritos do centro expandido. É uma região rica, mas com perfil diferente de áreas como os Jardins ou Higienópolis, com famílias da elite tradicional paulistana. — Isso parece deixá-los mais confortáveis (os membros do PCC), fazer com que eles se sintam mais à vontade em um momento de prosperidade — observa o jornalista. No Tatuapé, o alto escalão da facção se mistura a uma população de 95 mil pessoas. Mais da metade (58%) dos que ali vivem têm renda que pode ser classificada como alta, 77% dos moradores são brancos e 55% das residências são apartamentos, segundo dados levantados para O GLOBO pela Cognatis, empresa de geomarketing, big data e analytics. Dados da Cognatis, empresa de geomarketing, big data e analytics, sobre o Tatuapé Editoria de arte O GLOBO No mercado imobiliário, o bairro é o terceiro que mais registrou vendas de apartamentos na capital paulista no primeiro semestre deste ano, segundo dados da startup Loft. A maior procura é por unidades de mais de 140 metros quadrados. Rastro de sangue A bolha abastada da Zona Leste, no entanto, começou a assistir às consequências da presença do PCC nos últimos anos. Ao menos sete assassinatos de integrantes da facção ocorreram na região entre 2018 e 2023. O rastro de violência começou após a morte de Rogério Jeremias de Simone, o Gegê do Mangue, então o número um do PCC nas ruas e responsável pela internacionalização dos negócios do grupo. Dias depois do assassinato, cometido em uma emboscada no Ceará, o também criminoso Wagner Ferreira da Silva, conhecido como Cabelo Duro, foi executado a tiros de fuzil em frente a um hotel do Tatuapé. Cabelo Duro era dono do helicóptero que havia levado Gegê para ser morto, e ele próprio veio a morrer numa armadilha, atraído a um hotel por Cláudio Roberto Ferreira. Conhecido como Galo Cego, Cláudio seria alvejado na Zona Leste, mesmo a bordo de um carro blindado, cinco meses mais tarde. Cara Preta também foi executado por ali. Ele não apenas mantinha negócios com Gritzbach no ramo imobiliário, como operava criptomoedas por meio do empresário. Em uma operação o delator teria recebido R$ 100 milhões do traficante, mas o dinheiro sumiu. Um dia após o Natal de 2021, Cara Preta e seu motorista, Antonio Corona Neto, o Sem Sangue, foram abordados a poucos metros da Praça 20 de Janeiro, no Tatuapé, e morreram após o carro da dupla ser alvejado por dez tiros de pistola automática. Gritzbach foi acusado de ter sido o mandante do crime, já que vinha recebendo cobranças de Cara Preta. Para isso, teria recebido ajuda do agente penitenciário David Moreira da Silva, que supostamente contratou para o serviço um amigo de infância, Noé Alves Schaun. O delator sempre negou a autoria dos assassinatos. Suposto pistoleiro, Noé foi decapitado menos de um mês mais tarde, em janeiro de 2022, e sua cabeça foi encontrada a poucos metros de onde Cara Preta e Sem Sangue haviam sido assassinados, na Praça 20 de Janeiro, também no Tatuapé. Dentro da boca do morto, havia um bilhete com o recado: “Esse pilantra foi cobrado em cima da covardia que ele fez em cima dos nossos irmãos ‘Anselmo’ e ‘Sem Sangue’". A praça, palco de três execuções, não é uma área isolada: é até badalada, com barbearias e restaurantes cujos proprietários são nomes conhecidos do funk nacional. Gritzbach relatou que, na mesma semana da morte de Noé, foi vítima de um sequestro, segundo ele praticado por Django e ao menos outras duas pessoas: Rafael Maeda Pires, o Japa, e Danilo Lima de Oliveira, o Tripa, que trabalhavam com o agenciamento de jogadores de futebol. Ivelson Salotto, ex-advogado do corretor, afirma que o antigo cliente foi raptado quando visitava um empreendimento que estava em obras no Tatuapé. — Ele chega nesse lugar, é recebido por essa pessoa (um cliente), mas aí chegam mais dez pessoas. Começaram a interrogá-lo, dizendo que ele estava fugindo do país. Em dado momento, ele é levado para um centro de treinamento (de futebol) do Tripa, colocaram luva cirúrgica, dando a conotação de que iam esquartejá-lo e matá-lo — conta Salotto. Pouco depois, ele narra, Django chega ao local. Gritzbach tinha em seu poder tokens de criptomoedas e documentos de imóveis que o traficante teria adquirido com a sua ajuda. — Vinicius disse que estava amarrado, e Django e os demais já estavam com avental de churrasqueiro e com facão para cortar a cabeça dele. Mas apareceu um token (com R$ 27 milhões) que o Vinicius liberou imediatamente para o Django — conta o promotor Lincoln Gakiya, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco). O corretor foi liberado para ir para casa, com a promessa de que entregaria os documentos. Acabou preso preventivamente por conta do inquérito sobre a morte de Cara Preta e Sem Sangue, e mandado para um presídio no interior paulista. Em 23 de janeiro de 2022, o corpo de Django foi encontrado sob o Viaduto Vila Matilde, bairro vizinho ao Tatuapé. O criminoso foi enforcado. Sem chegar aos autores do crime, o Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP) , da Polícia Civil, mandou arquivar o caso. Nos bastidores, a suspeita é que Django foi morto por não ter impedido o assassinato de Cara Preta. Gritzbach afirmou em sua delação que Japa “estava no local de desova do corpo de Django”, mas policiais teriam “forçado” ele a não reconhecer Rafael Maeda, o Japa, nas imagens. Em maio de 2023, dias depois de ter prestado depoimento no caso Cara Preta, Japa foi encontrado morto dentro de um carro estacionado no mesmo prédio onde mora Ademir Pereira de Andrade, suposto laranja do PCC, também no Tatuapé. A suspeita inicial era de suicídio, mas a linha de investigação perdeu força diante de descobertas da perícia. A pistola 9mm encontrada no veículo tinha 16 cápsulas intactas. Além disso, Japa foi morto com um tiro do lado esquerdo da cabeça — e a arma estava próxima à mão direita dele. Da rede que conectava Gritzbach ao crime organizado, estão vivos Ahmed Hassan (o Mudi), Ademir Pereira de Andrade, Danilo Lima (o Tripa) e mais duas pessoas. A primeira é Silvio Luiz Ferreira, conhecido como Cebola, apontado como integrante da chamada “sintonia geral” do PCC, no setor da facção responsável pelo tráfico, e está foragido. A outra é Robinson Granger de Moura, o Molly. Segundo Gritzbach, Molly era “uma espécie de padrinho” de Cara Preta, foi laranja dele na compra de imóveis e teria atuação no tráfico internacional. Gritzbach acusava Molly de ter sido o mandante do duplo homicídio do qual ele era acusado. Morreu antes de ver a conclusão do caso, ou de dar ainda mais detalhes para a polícia sobre a facção.
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