Guerra na Ucrânia e conflito em Gaza dificultam consensos na cúpula de líderes do G20 no Rio
Segundo fonte do governo, uma das estratégias dos negociadores brasileiros é evitar a 'condenação explícita' a uma das partes do conflito Negociadores do governo brasileiro passaram os últimos dias trabalhando para encontrar uma fórmula de consenso que permita mencionar a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito na Faixa de Gaza na declaração final de chefes de Estado e governo do G20, que se reunirão amanhã e terça-feira no Rio. Segundo confirmou ao GLOBO uma fonte do governo, uma das estratégias dos negociadores chefiados pelo sherpa do Brasil (representante do presidente no G20), o embaixador Mauricio Lyrio, é evitar a “condenação explícita” a uma das partes do conflito. Seriam mencionados princípios como “reconhecimento a dois Estados” e “integridade territorial”, mas sem citar países ou partes envolvidas. Se trata de um dos pontos mais sensíveis da declaração que, nos últimos dois dias, enfrentou um boicote inesperado por parte dos negociadores da Argentina de Javier Milei. Saia-justa: Brasil teme que Milei vire dor de cabeça na cúpula do G20 e, depois de encontro com Trump, faça acenos a Bolsonaro Bastidores do G20: Argentina tenta impedir menção à proposta de taxação aos super-ricos em declaração de presidentes Desde a última quinta-feira, a delegação argentina passou a modificar posições já acordadas com os demais países, se transformando num grande complicador para o Brasil, na reta final das negociações. Os representantes de Milei, confirmaram fontes oficiais, mudaram de posição sobre a proposta de taxação dos super-ricos, disseram não estar dispostos a assinar uma declaração que fale da guerra e não condene a Rússia, e passaram a se opor a todos os temas vinculadas à agenda 2030 no âmbito das Nações Unidas — entre eles pobreza, combate à desigualdade e clima. A Argentina, segundo uma alta fonte do governo Lula, “é uma causa perdida”, e deverá ficar de fora dos pontos mais relevantes do documento, ou até mesmo de todo o texto. Jeitinho brasileiro O parágrafo sobre Gaza e Ucrânia continuava sendo negociado ontem, e ainda deverá passar pelo filtro dos chefes de Estado e de governo. Nas duas cúpulas de líderes do G20 realizadas após a invasão da Ucrânia pela Rússia — na Indonésia, em 2022, e na Índia, em 2023 — as negociações entre os membros do grupo foram totalmente contaminadas pelo conflito bélico. Quando chegou a vez de o Brasil assumir o comando do G20, em dezembro de 2023, o governo Lula elaborou uma estratégia para evitar que o mesmo acontecesse ao longo de 2024, e o ponto central dessa estratégica, admitiram fontes diplomáticas, foi deixar o debate sobre a guerra para a reta final das negociações no Rio. O mesmo foi feito em relação ao conflito na Faixa de Gaza. O Itamaraty blindou a presidência brasileira do G20. Nas cúpulas da Indonésia e da Índia, os ministros do G20 barraram diversos acordos argumentando, explicaram fontes diplomáticas, “que não podiam tomar uma decisão por conta da guerra na Ucrânia”. Aliados e adversários do governo de Vladimir Putin afirmaram, nos dois encontros, que o conflito impedia seus governos de se posicionarem sobre temas como comércio e meio ambiente, entre muitos outros. O resultado foram cúpulas de baixo conteúdo, nas quais os líderes não receberam, como acontecerá no Brasil, acordos prévios selados por seus ministros, o que, em tese, facilitará a discussão entre os chefes de Estado e governo — mas não garante o sucesso do encontro. O assunto é tão delicado e complexo que foi discutido apenas entre os sherpas (representantes dos líderes no G20), sem a participação de outros negociadores. Entrevista: 'Consenso no G20 criaria tabuleiro diferente para futuro com Trump', diz Tatiana Rosito, coordenadora da trilha de finanças O governo Lula adotou um jeitinho brasileiro para enfrentar um cenário global profundamente adverso, que pode acabar dando certo, ou não. O martelo será batido pelos líderes, e contratempos de última hora não podem ser descartados. Consensos possíveis Os dois conflitos foram tratados com extremo cuidado pelo governo Lula. Ideias que circularam em algum momento do ano, entre elas a transmissão, durante a cúpula, de um vídeo com uma mensagem do presidente Vladimir Putin, foram descartadas. Segundo admitiu uma fonte do governo brasileiro, “uma mensagem de Putin teria incomodado profundamente alguns dos participantes”. Initial plugin text Na visão de Guilherme Casarões, cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, “a estratégia do Brasil buscou transformar o G20 numa plataforma de consensos possíveis, que possam contribuir para o debate de grandes temas internacionais”. — Num contexto global muito polarizado, a posição brasileira sobre ambos os conflitos acabou virando um fardo para o governo. O Brasil se posicionou de forma construtiva, não se alinhou, mas essa postura mediadora não teve sorte — explica Casarões. Para ele, “a aposta nos consensos possíveis é uma maneira
Segundo fonte do governo, uma das estratégias dos negociadores brasileiros é evitar a 'condenação explícita' a uma das partes do conflito Negociadores do governo brasileiro passaram os últimos dias trabalhando para encontrar uma fórmula de consenso que permita mencionar a guerra entre Rússia e Ucrânia e o conflito na Faixa de Gaza na declaração final de chefes de Estado e governo do G20, que se reunirão amanhã e terça-feira no Rio. Segundo confirmou ao GLOBO uma fonte do governo, uma das estratégias dos negociadores chefiados pelo sherpa do Brasil (representante do presidente no G20), o embaixador Mauricio Lyrio, é evitar a “condenação explícita” a uma das partes do conflito. Seriam mencionados princípios como “reconhecimento a dois Estados” e “integridade territorial”, mas sem citar países ou partes envolvidas. Se trata de um dos pontos mais sensíveis da declaração que, nos últimos dois dias, enfrentou um boicote inesperado por parte dos negociadores da Argentina de Javier Milei. Saia-justa: Brasil teme que Milei vire dor de cabeça na cúpula do G20 e, depois de encontro com Trump, faça acenos a Bolsonaro Bastidores do G20: Argentina tenta impedir menção à proposta de taxação aos super-ricos em declaração de presidentes Desde a última quinta-feira, a delegação argentina passou a modificar posições já acordadas com os demais países, se transformando num grande complicador para o Brasil, na reta final das negociações. Os representantes de Milei, confirmaram fontes oficiais, mudaram de posição sobre a proposta de taxação dos super-ricos, disseram não estar dispostos a assinar uma declaração que fale da guerra e não condene a Rússia, e passaram a se opor a todos os temas vinculadas à agenda 2030 no âmbito das Nações Unidas — entre eles pobreza, combate à desigualdade e clima. A Argentina, segundo uma alta fonte do governo Lula, “é uma causa perdida”, e deverá ficar de fora dos pontos mais relevantes do documento, ou até mesmo de todo o texto. Jeitinho brasileiro O parágrafo sobre Gaza e Ucrânia continuava sendo negociado ontem, e ainda deverá passar pelo filtro dos chefes de Estado e de governo. Nas duas cúpulas de líderes do G20 realizadas após a invasão da Ucrânia pela Rússia — na Indonésia, em 2022, e na Índia, em 2023 — as negociações entre os membros do grupo foram totalmente contaminadas pelo conflito bélico. Quando chegou a vez de o Brasil assumir o comando do G20, em dezembro de 2023, o governo Lula elaborou uma estratégia para evitar que o mesmo acontecesse ao longo de 2024, e o ponto central dessa estratégica, admitiram fontes diplomáticas, foi deixar o debate sobre a guerra para a reta final das negociações no Rio. O mesmo foi feito em relação ao conflito na Faixa de Gaza. O Itamaraty blindou a presidência brasileira do G20. Nas cúpulas da Indonésia e da Índia, os ministros do G20 barraram diversos acordos argumentando, explicaram fontes diplomáticas, “que não podiam tomar uma decisão por conta da guerra na Ucrânia”. Aliados e adversários do governo de Vladimir Putin afirmaram, nos dois encontros, que o conflito impedia seus governos de se posicionarem sobre temas como comércio e meio ambiente, entre muitos outros. O resultado foram cúpulas de baixo conteúdo, nas quais os líderes não receberam, como acontecerá no Brasil, acordos prévios selados por seus ministros, o que, em tese, facilitará a discussão entre os chefes de Estado e governo — mas não garante o sucesso do encontro. O assunto é tão delicado e complexo que foi discutido apenas entre os sherpas (representantes dos líderes no G20), sem a participação de outros negociadores. Entrevista: 'Consenso no G20 criaria tabuleiro diferente para futuro com Trump', diz Tatiana Rosito, coordenadora da trilha de finanças O governo Lula adotou um jeitinho brasileiro para enfrentar um cenário global profundamente adverso, que pode acabar dando certo, ou não. O martelo será batido pelos líderes, e contratempos de última hora não podem ser descartados. Consensos possíveis Os dois conflitos foram tratados com extremo cuidado pelo governo Lula. Ideias que circularam em algum momento do ano, entre elas a transmissão, durante a cúpula, de um vídeo com uma mensagem do presidente Vladimir Putin, foram descartadas. Segundo admitiu uma fonte do governo brasileiro, “uma mensagem de Putin teria incomodado profundamente alguns dos participantes”. Initial plugin text Na visão de Guilherme Casarões, cientista político e professor da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, “a estratégia do Brasil buscou transformar o G20 numa plataforma de consensos possíveis, que possam contribuir para o debate de grandes temas internacionais”. — Num contexto global muito polarizado, a posição brasileira sobre ambos os conflitos acabou virando um fardo para o governo. O Brasil se posicionou de forma construtiva, não se alinhou, mas essa postura mediadora não teve sorte — explica Casarões. Para ele, “a aposta nos consensos possíveis é uma maneira de o Brasil conseguir se afirmar dentro de um jogo difícil para nós”. — O G20 é uma plataforma interessante porque o Brasil pode defender três pontos que são bandeiras de longo prazo do Lula: a aliança de combate à fome e à pobreza; o combate às mudanças climáticas; e a reforma da governança global — acrescentou Casarões. Outros analistas, no entanto, têm uma visão menos otimista sobre a influência do G20 no debate global e, portanto, do impacto que terá o resultado — positivo ou negativo — da presidência brasileira. — O G20 foi decisivo no período entre 2008 e 2012 para evitar um aprofundamento severo da crise financeira global. Naquele momento, houve cooperação e foi uma instituição efetiva— afirma Eduardo Viola, professor da Escola de Relações Internacionais da Fundação Getulio Vargas de São Paulo (FGV). Hoje, diz Viola, “a capacidade do G20 de agir sobre o mundo é muito limitada”. Fator Trump A guerra acentuou as dificuldades dentro do G20, mas também em outros foros globais, entre eles o Conselho de Segurança das Nações Unidas, onde o país governado por Putin é membro permanente, com poder de veto. A defesa de uma reforma da governança global é um tema que o Brasil considera prioritário na agenda, e defendeu recentemente também no Brics — onde o assunto foi incluído na declaração final da cúpula de líderes realizada em Kazan, na Rússia. A eleição de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos também deve ter impacto nos debates. Segundo admitiu uma fonte do governo Lula, “todos os governos estão preocupados com o futuro do mundo a partir de 2025, e essa angústia deverá permear os debates presidenciais”. — A declaração presidencial do G20 falará sobre a necessidade de reformar a governança global, mas a implementação disso será inviável — pondera Viola. — Com Trump, mais ainda. As posições de Trump sobre clima e comércio também são antagônicas em relação às do governo brasileiro e de grande parte dos membros do G20. Se para o Brasil, a vitória de Trump se tornou um complicador na reta final de sua presidência do grupo, para a África do Sul, que assumirá o comando do G20 em dezembro, é um verdadeiro pesadelo.
Qual é a sua reação?