G20 Social: jovem que sobreviveu a tiro de fuzil na cabeça, sequestro e tentativa de latrocínio hoje é Negociador pelo Clima
Cria do Morro do Juramento, o educador popular Pedro Itamares, aos 21 anos, diz que 'ama sua terra, mas odeia o país': a justificativa é a história de vida que conta em entrevista ao GLOBO Na fila da barraquinha de hambúrguer, em frente ao Armazém da Utopia, e ao lado da amiga, Pedro Itamares, de 21 anos, esperava sua vez de fazer o pedido. Era horário de almoço no segundo dia de Urban 20, sexta-feira, no evento que reúne prefeitos de cidades dos países membros do G20, e onde ele participa como voluntário. Falando sobre o preço alto do lanche - R$ 36 só o sanduíche -, a conversa estendeu. Os dois falavam com paixão sobre a chance de estar em um evento global e os desafios para melhorar a realidade local, em contexto de mudanças climáticas. Até que o rapaz solta a polêmica frase "amo a minha terra, mas odeio meu país". Ele defende o lugar de fala por ter vivido experiências extremas de violência na cidade do Rio: de bala perdida de fuzil até sequestro e assalto com faca. Tempo: Rio tem chuva e temperaturas mais baixas no fim semana com eventos do G20; saiba previsão para os próximos dias G20: Interdição na Atlântica é antecipada após mudança por pedido das forças de segurança O primeiro episódio aconteceu quando ele tinha 12 anos, em dezembro de 2015. Pedro tinha acabado de chegar da escola e estava na porta do quintal de casa onde morava com a mãe, a irmã mais nova, duas avós e o padrasto, no Morro do Juramento, no bairro de Vicente de Carvalho. Ele foi atingido na cabeça por um tiro de fuzil calibre 7,62mm. A bala perdida bateu primeiro na parede da sala, onde deixou uma marca, e depois se alojou atrás da orelha dele, também deixando cicatriz. Ele desmaiou na hora e só acordou no hospital. — Não tinha exatamente nenhum conflito acontecendo no meu bairro, acho que em um bairro vizinho. Eu tinha acabado de chegar da escola, troquei de roupa e fui cumprimentar minha mãe que estava costurando no quintal. Ela tinha mandado eu almoçar e quando eu ia entrar em casa eu levei o tiro na cabeça. Conseguiram tirar a maior parte da bala, mas ainda ficou um resquício de cobre — relembra ele, que comemora não ter tido sequelas. Ressonância magnética do crânio de Pedro Itamares, após ser atingido por Ale perdida de fuzil 7,62mm aos 12 anos Arquivo pessoal Em 2018 ele foi com a mãe em um evento no Parque Madureira. Ela ficou no começo do parque, onde tinha um show de música acontecendo, enquanto ele andava de skate na pista esportiva, mais afastada dali. Na hora de ir ao encontro da mãe, por volta das 19h, o adolescente foi abordado por um homem disfarçado de vendedor ambulante, que anunciou o sequestro. — Ele colocou a arma na minha costela, e disse que se eu gritasse ele faria uma chacina comigo. Eu falei "tudo bem, perdi, leva meu celular, mas deixa eu ir embora". Ele não deixou, disse que eu era filho de um traficante da facção rival e, com outros dois rapazes, me levou para dentro da linha do trem. Entramos em um carro e eu tentava convencê-los de que eu era professor e que nem conhecia meu pai, que minha mãe era costureira. Um deles percebeu que me confundiram e me mandaram correr sem olhar para trás, mas levaram todos os meus pertences, até a camisa e o tênis — conta Pedro, que conseguiu encontrar uma viatura e ligar para a mãe, cerca de quarenta minutos depois. Apesar do trauma, no dia seguinte ele despertou às 5h da manhã para continuar com a rotina de estudos. Infelizmente, não foi a última vez que ele precisou dar a volta por cima tão bruscamente. No mês passado, ele relata que foi assaltado perto da Central do Brasil, por um homem que o golpeou na barriga com uma faca. Por sorte ou bênção, não foi ferido: a ponta da faca enroscou em um fio da camisa de lã que ele usava. — Consegui recuperar os pertences porque a polícia pegou o assaltante logo depois. Isso aconteceu em uma segunda-feira. E eu tinha toda a semana pela frente para continuar depois do choque. Eu amo a minha terra, a cultura, o jeito carioca, as nossas raízes. Mas odeio meu país, porque ele é extremamente desigual, é muito difícil sobreviver e ter uma vida digna aqui. Basta andar de trem da Pavuna até Botafogo que você vê a diferença de uma realidade para a outra. Falta educação de qualidade nas periferias, transporte e saúde acessível, falta incentivo financeiro ao esporte e apoio aos jovens que querem mudar de vida — desabafa. Pedro Itamares, de 21 anos, é Jovem Negociador pelo Clima e participa como voluntário do G20 Social Fabiano Rocha/Agência O Globo Como quer ser diplomata, ele estuda inglês, alemão, russo e francês. Por conta própria, procurou uma escola de ensino de idiomas e pediu uma bolsa ao diretor, que resolveu ajudar. A determinação, segundo ele conta, começou antes ainda. Para conseguir a vaga no Colégio Estadual Heitor Lira, onde se formou no Ensino Médio, ele ficou de meia-noite às 2h da manhã, enviando diversas vezes a inscrição no site da Secretaria Estadual de Educação. Com o resultado do Enem, ele conseguiu uma bolsa
Cria do Morro do Juramento, o educador popular Pedro Itamares, aos 21 anos, diz que 'ama sua terra, mas odeia o país': a justificativa é a história de vida que conta em entrevista ao GLOBO Na fila da barraquinha de hambúrguer, em frente ao Armazém da Utopia, e ao lado da amiga, Pedro Itamares, de 21 anos, esperava sua vez de fazer o pedido. Era horário de almoço no segundo dia de Urban 20, sexta-feira, no evento que reúne prefeitos de cidades dos países membros do G20, e onde ele participa como voluntário. Falando sobre o preço alto do lanche - R$ 36 só o sanduíche -, a conversa estendeu. Os dois falavam com paixão sobre a chance de estar em um evento global e os desafios para melhorar a realidade local, em contexto de mudanças climáticas. Até que o rapaz solta a polêmica frase "amo a minha terra, mas odeio meu país". Ele defende o lugar de fala por ter vivido experiências extremas de violência na cidade do Rio: de bala perdida de fuzil até sequestro e assalto com faca. Tempo: Rio tem chuva e temperaturas mais baixas no fim semana com eventos do G20; saiba previsão para os próximos dias G20: Interdição na Atlântica é antecipada após mudança por pedido das forças de segurança O primeiro episódio aconteceu quando ele tinha 12 anos, em dezembro de 2015. Pedro tinha acabado de chegar da escola e estava na porta do quintal de casa onde morava com a mãe, a irmã mais nova, duas avós e o padrasto, no Morro do Juramento, no bairro de Vicente de Carvalho. Ele foi atingido na cabeça por um tiro de fuzil calibre 7,62mm. A bala perdida bateu primeiro na parede da sala, onde deixou uma marca, e depois se alojou atrás da orelha dele, também deixando cicatriz. Ele desmaiou na hora e só acordou no hospital. — Não tinha exatamente nenhum conflito acontecendo no meu bairro, acho que em um bairro vizinho. Eu tinha acabado de chegar da escola, troquei de roupa e fui cumprimentar minha mãe que estava costurando no quintal. Ela tinha mandado eu almoçar e quando eu ia entrar em casa eu levei o tiro na cabeça. Conseguiram tirar a maior parte da bala, mas ainda ficou um resquício de cobre — relembra ele, que comemora não ter tido sequelas. Ressonância magnética do crânio de Pedro Itamares, após ser atingido por Ale perdida de fuzil 7,62mm aos 12 anos Arquivo pessoal Em 2018 ele foi com a mãe em um evento no Parque Madureira. Ela ficou no começo do parque, onde tinha um show de música acontecendo, enquanto ele andava de skate na pista esportiva, mais afastada dali. Na hora de ir ao encontro da mãe, por volta das 19h, o adolescente foi abordado por um homem disfarçado de vendedor ambulante, que anunciou o sequestro. — Ele colocou a arma na minha costela, e disse que se eu gritasse ele faria uma chacina comigo. Eu falei "tudo bem, perdi, leva meu celular, mas deixa eu ir embora". Ele não deixou, disse que eu era filho de um traficante da facção rival e, com outros dois rapazes, me levou para dentro da linha do trem. Entramos em um carro e eu tentava convencê-los de que eu era professor e que nem conhecia meu pai, que minha mãe era costureira. Um deles percebeu que me confundiram e me mandaram correr sem olhar para trás, mas levaram todos os meus pertences, até a camisa e o tênis — conta Pedro, que conseguiu encontrar uma viatura e ligar para a mãe, cerca de quarenta minutos depois. Apesar do trauma, no dia seguinte ele despertou às 5h da manhã para continuar com a rotina de estudos. Infelizmente, não foi a última vez que ele precisou dar a volta por cima tão bruscamente. No mês passado, ele relata que foi assaltado perto da Central do Brasil, por um homem que o golpeou na barriga com uma faca. Por sorte ou bênção, não foi ferido: a ponta da faca enroscou em um fio da camisa de lã que ele usava. — Consegui recuperar os pertences porque a polícia pegou o assaltante logo depois. Isso aconteceu em uma segunda-feira. E eu tinha toda a semana pela frente para continuar depois do choque. Eu amo a minha terra, a cultura, o jeito carioca, as nossas raízes. Mas odeio meu país, porque ele é extremamente desigual, é muito difícil sobreviver e ter uma vida digna aqui. Basta andar de trem da Pavuna até Botafogo que você vê a diferença de uma realidade para a outra. Falta educação de qualidade nas periferias, transporte e saúde acessível, falta incentivo financeiro ao esporte e apoio aos jovens que querem mudar de vida — desabafa. Pedro Itamares, de 21 anos, é Jovem Negociador pelo Clima e participa como voluntário do G20 Social Fabiano Rocha/Agência O Globo Como quer ser diplomata, ele estuda inglês, alemão, russo e francês. Por conta própria, procurou uma escola de ensino de idiomas e pediu uma bolsa ao diretor, que resolveu ajudar. A determinação, segundo ele conta, começou antes ainda. Para conseguir a vaga no Colégio Estadual Heitor Lira, onde se formou no Ensino Médio, ele ficou de meia-noite às 2h da manhã, enviando diversas vezes a inscrição no site da Secretaria Estadual de Educação. Com o resultado do Enem, ele conseguiu uma bolsa integral na Faculdade Getúlio Vargas (FGV), onde ele estuda à distância o tecnólogo em Governança Ambiental e Sustentabilidade, desde o ano passado. Esse ano passou para a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e está no segundo período do curso de Defesa e Gestão Estratégica Internacional, do Departamento de Relações Internacionais. — Eu sou o primeiro da minha casa a frequentar o ensino superior. Hoje eu moro no Centro da cidade, porque a minha família me ajuda a pagar um aluguel para evitar os confrontos no morro e ficar mais perto dos estudos e do trabalho como Jovem Aprendiz. Meu sonho é trabalhar na ONU (Organização das Nações Unidas). É onde eu almejo chegar falando sobre ecologia internacional, que é um tópico complexo, mas fundamental — conta. Pedro se identifica como um "jovem de pele morena, cabelo encaracolado grande, olhos castanhos, boca carnuda, nascido e criado no Morro do Juramento, na Zona Norte do Rio". Há um ano ele é um dos Jovens Negociadores pelo Clima, um programa da prefeitura, que dá formação a jovens lideranças de periferia sobre as mudanças climáticas em eventos internacionais. Era comum vê-lo pelos cantos do Urban 20, no Armazém da Utopia, pedindo para conversar e tirar foto com os prefeitos de cidades do mundo e outras autoridades. — Eu tentei falar em francês com o representante de Bamako, capital do Mali na África, precisei do tradutor, mas deu certo. Estar no G20 Social é uma oportunidade incrível para conhecer pessoas de vários lugares, treinar idiomas, e participar das discussões globais sobre mudanças climáticas — diz o jovem negociador. — Tudo que eu conquistei foi porque eu quis muito, eu não desisti, abri mão de muita coisa, tive apoio e estou aqui. E quero estar nesses espaços lembrando que pessoas da periferia estão resistindo, que a gente existe, que a gente é qualificado, e pode, sim, fazer mudança.
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