Familiares e colegas revelam origens de Lulu Santos antes da fama, em dia de homenagem no Grammy Latino
Artista receberá neste domingo (9), em Miami, o troféu Lifetime Achievement, num dos eventos que antecedem a noite dos premiados da 25º edição do Grammy Latino Determinado, arrogante, dedicado, esnobe, virtuoso, oportunista... Estes são alguns dos adjetivos comumente colados ao então jovem guitarrista Lulu Santos, que virou o popstar brasileiro por excelência, por gente que conviveu com ele nos anos 1970. Ele já brilhava, mesmo que então restrito ao circuito do rock carioca. Raio X: Pesquisa da Flup mapeia hábitos de leitura nas periferias do Rio e aponta 'demanda reprimida' por livros The Cure: Robert Smith volta aos palcos com preços acessíveis para a 'família' de fãs Quase meio século depois, aumentou a lista de atributos ao artista que receberá hoje, em Miami, o troféu Lifetime Achievement — um dos eventos que antecedem a noite dos premiados da 25º edição do Grammy Latino, na próxima quinta-feira. Lulu Santos em 1974 Divulgação/ Luiz Fernando Borges A cerimônia no Arsht Center, em Miami, é um reconhecimento tardio para Lulu, aos 71 anos, longe das fronteiras do Brasil. Enquanto, em seu país, a partir de 1982, ao estrear com o álbum “Tempos modernos”, se impôs como um fazedor de sucessos. Radiofônicos, como aqueles tempos pré streaming pediam, mas, também reconhecidos pela intelligentsia. Após receber o troféu, a festa vai prosseguir numa casa noturna descolada, ZeyZey. A big band Gafieira Rio Miami vai comandar a noite, com participações surpresas. Talvez até daquele jovem que, em 1982, viu a vida melhor no futuro, “em cima de um muro de hipocrisia”. Infância nos EUA Como tantos garotos nascidos nos anos 1950, Luiz Maurício Pragana dos Santos amou Beatles e Stones. Com a vantagem de dominar o idioma de Shakespeare e Chuck Berry, graças ao período, entre 1958 e 60, em que a família viveu nos EUA, onde o pai, o militar Marcos Baptista (1923-2006), engenheiro aeronáutico, fez pós-graduação. Dois anos mais moça, Lilian Santos (fotógrafa, mestra em História e Crítica de Arte pela UFRJ), lembra do impacto no irmão do meio: — Lulu tinha 5 anos quando nos mudamos e foi alfabetizado em inglês. Passamos por diferentes cidades, incluindo Washington, onde foi feita a foto em frente à Casa Branca com nossa mãe, Vera (1925-2000), usada no álbum “Luiz Maurício!”. Eu e nosso irmão mais velho, Marcos Gilberto (1948-2008), também estávamos nesse registro, mas fomos apagados para a capa — conta. — Após um período na capital, a gente atravessou o país até a Califórnia, ficando naqueles típicos motéis de estrada. Lembro de Lulu, aos 6 anos, no piano, usando as mãos de Marcos, com 12, para tocar as notas que não conseguia alcançar. Com nossos pais, a gente ouvia música clássica, big bands, os sucessos dos musicais. E, por rádio e TV, Elvis, Little Richard, Chuck Berry... Familia Pragana dos Santos nos EUA, em 1958: Lulu Santos (esquerda) a irmã Lilian, a mãe Vera, o pai Marcos Baptista e o irmão Marcos Gilberto Lilian Santos/ Acervo Familiar De volta ao Brasil, em 1960, a família passou por São Paulo, até voltar ao Rio. Na cidade natal, como personagens de “O último romântico” (de Lulu e Antonio Cicero), os Pragana dos Santos transitaram entre a Zona Norte e a Sul. Incluindo a “casa rosa” do Rio Comprido, um apartamento em Laranjeiras, outro no Catete e, finalmente, dois diferentes endereços no Humaitá. Neste bairro entre Botafogo e Lagoa, o lar da família virou ponto de encontro de adolescentes com interesse comum pela música. Àquela altura, o cardápio musical aumentara: Sérgio Mendes, Jorge Ben, Beatles e cia., Jovem Guarda, Marcos Valle, Tropicália, Mutantes... Até Lulu ser sequestrado pelo rock progressivo de bandas como Yes e Emerson, Lake & Palmer. Esta é uma vertente que sobrevive em nichos, como, no século XXI, prova um dos frequentadores do Humaitá, o baixista Nelsinho Laranjeiras. Na época, à frente do grupo Veludo (que foi remontado no século XXI e finalmente lançou quatro álbuns), Laranjeiras dá mais pinceladas ao retrato do jovem Lulu. — Antes do Vímana, assisti a Lulu na (banda) Albatroz, no Colégio Zaccaria. Depois, ele também passou pelo Veludo Elétrico, criado pelo guitarrista e violinista Paul de Castro (1950-1999). Entrei para o Veludo após a saída de Lulu e mantive o grupo desde então. Por volta de 1976, eu me lembro de dois discos que me influenciaram muito, que tocavam sem parar na casa de Lulu, “Minas”, de Milton, e “One size fits all”, de Zappa. Informação que confirma o depoimento de Kati Pinto, paulistana que chegara ao Rio em 1974, após, na adolescência, conviver com os Mutantes. Então casada com o baixista Antonio Pedro (Mutantes e, depois, Blitz), ela lembra que Lulu, vivendo com os pais no período, usava o apartamento deles como um segundo lar: — Quando botava discos de Caetano, Gil, Gal, Chico, todos implicavam, reclamavam de coisas técnicas. Lulu era dos poucos que também gostava. Ávido por informação Produtor que, no fim dos 1970, trabalhou com Fagner, Zé Ramalho, Amelinha, e, na década
Artista receberá neste domingo (9), em Miami, o troféu Lifetime Achievement, num dos eventos que antecedem a noite dos premiados da 25º edição do Grammy Latino Determinado, arrogante, dedicado, esnobe, virtuoso, oportunista... Estes são alguns dos adjetivos comumente colados ao então jovem guitarrista Lulu Santos, que virou o popstar brasileiro por excelência, por gente que conviveu com ele nos anos 1970. Ele já brilhava, mesmo que então restrito ao circuito do rock carioca. Raio X: Pesquisa da Flup mapeia hábitos de leitura nas periferias do Rio e aponta 'demanda reprimida' por livros The Cure: Robert Smith volta aos palcos com preços acessíveis para a 'família' de fãs Quase meio século depois, aumentou a lista de atributos ao artista que receberá hoje, em Miami, o troféu Lifetime Achievement — um dos eventos que antecedem a noite dos premiados da 25º edição do Grammy Latino, na próxima quinta-feira. Lulu Santos em 1974 Divulgação/ Luiz Fernando Borges A cerimônia no Arsht Center, em Miami, é um reconhecimento tardio para Lulu, aos 71 anos, longe das fronteiras do Brasil. Enquanto, em seu país, a partir de 1982, ao estrear com o álbum “Tempos modernos”, se impôs como um fazedor de sucessos. Radiofônicos, como aqueles tempos pré streaming pediam, mas, também reconhecidos pela intelligentsia. Após receber o troféu, a festa vai prosseguir numa casa noturna descolada, ZeyZey. A big band Gafieira Rio Miami vai comandar a noite, com participações surpresas. Talvez até daquele jovem que, em 1982, viu a vida melhor no futuro, “em cima de um muro de hipocrisia”. Infância nos EUA Como tantos garotos nascidos nos anos 1950, Luiz Maurício Pragana dos Santos amou Beatles e Stones. Com a vantagem de dominar o idioma de Shakespeare e Chuck Berry, graças ao período, entre 1958 e 60, em que a família viveu nos EUA, onde o pai, o militar Marcos Baptista (1923-2006), engenheiro aeronáutico, fez pós-graduação. Dois anos mais moça, Lilian Santos (fotógrafa, mestra em História e Crítica de Arte pela UFRJ), lembra do impacto no irmão do meio: — Lulu tinha 5 anos quando nos mudamos e foi alfabetizado em inglês. Passamos por diferentes cidades, incluindo Washington, onde foi feita a foto em frente à Casa Branca com nossa mãe, Vera (1925-2000), usada no álbum “Luiz Maurício!”. Eu e nosso irmão mais velho, Marcos Gilberto (1948-2008), também estávamos nesse registro, mas fomos apagados para a capa — conta. — Após um período na capital, a gente atravessou o país até a Califórnia, ficando naqueles típicos motéis de estrada. Lembro de Lulu, aos 6 anos, no piano, usando as mãos de Marcos, com 12, para tocar as notas que não conseguia alcançar. Com nossos pais, a gente ouvia música clássica, big bands, os sucessos dos musicais. E, por rádio e TV, Elvis, Little Richard, Chuck Berry... Familia Pragana dos Santos nos EUA, em 1958: Lulu Santos (esquerda) a irmã Lilian, a mãe Vera, o pai Marcos Baptista e o irmão Marcos Gilberto Lilian Santos/ Acervo Familiar De volta ao Brasil, em 1960, a família passou por São Paulo, até voltar ao Rio. Na cidade natal, como personagens de “O último romântico” (de Lulu e Antonio Cicero), os Pragana dos Santos transitaram entre a Zona Norte e a Sul. Incluindo a “casa rosa” do Rio Comprido, um apartamento em Laranjeiras, outro no Catete e, finalmente, dois diferentes endereços no Humaitá. Neste bairro entre Botafogo e Lagoa, o lar da família virou ponto de encontro de adolescentes com interesse comum pela música. Àquela altura, o cardápio musical aumentara: Sérgio Mendes, Jorge Ben, Beatles e cia., Jovem Guarda, Marcos Valle, Tropicália, Mutantes... Até Lulu ser sequestrado pelo rock progressivo de bandas como Yes e Emerson, Lake & Palmer. Esta é uma vertente que sobrevive em nichos, como, no século XXI, prova um dos frequentadores do Humaitá, o baixista Nelsinho Laranjeiras. Na época, à frente do grupo Veludo (que foi remontado no século XXI e finalmente lançou quatro álbuns), Laranjeiras dá mais pinceladas ao retrato do jovem Lulu. — Antes do Vímana, assisti a Lulu na (banda) Albatroz, no Colégio Zaccaria. Depois, ele também passou pelo Veludo Elétrico, criado pelo guitarrista e violinista Paul de Castro (1950-1999). Entrei para o Veludo após a saída de Lulu e mantive o grupo desde então. Por volta de 1976, eu me lembro de dois discos que me influenciaram muito, que tocavam sem parar na casa de Lulu, “Minas”, de Milton, e “One size fits all”, de Zappa. Informação que confirma o depoimento de Kati Pinto, paulistana que chegara ao Rio em 1974, após, na adolescência, conviver com os Mutantes. Então casada com o baixista Antonio Pedro (Mutantes e, depois, Blitz), ela lembra que Lulu, vivendo com os pais no período, usava o apartamento deles como um segundo lar: — Quando botava discos de Caetano, Gil, Gal, Chico, todos implicavam, reclamavam de coisas técnicas. Lulu era dos poucos que também gostava. Ávido por informação Produtor que, no fim dos 1970, trabalhou com Fagner, Zé Ramalho, Amelinha, e, na década seguinte, botou Tom Jobim de volta ao circuito de shows, Carlos Alberto Sion é outro que conviveu com Lulu antes da fama. — Eu já produzia shows, no MAM e em colégios, quando conheci Lulu, no Albatroz. Falávamos por telefone diariamente. Lulu era ávido por informação. Em 1974, o tecladista Luiz Paulo Simas e o baterista Candinho tinham desfeito o Módulo Mil e procuravam guitarrista e baixista para novo grupo. Recomendei Lulu e Fernando Gama, também do Albatroz, e eles se entrosaram, nascendo aí o Vímana, que, depois, contou com Lobão e Ritchie. Amizade e relação profissional que prosseguiu. — Em 1975, chamei o Vímana para gravar no segundo disco de Fagner, “Ave noturna”. Depois, botei Lulu em álbuns de Elba Ramalho e Walter Franco, e, naquele fim dos anos 1970, vi que ele se preparava para voos mais altos. A mesma impressão teve o produtor musical e cineasta Luiz Fernando Borges, após assistir a Lulu no Veludo Elétrico. — Mas eu me aproximei mais após um show do Vímana. Lulu passou a frequentar o meu apartamento no Leblon. Ele já não estava bem na banda. Ex-comissário de bordo na Panair (empresa área extinta em 1965), então psicólogo, Borges foi um informal analista do artista em crise: — Ele me confidenciava coisas pessoais, como a paixão platônica por um músico do grupo. Mesmo como acompanhante, ele se sobressaía. Num show com Jorge Mautner, Lulu aumentava a guitarra, solando sem parar, e Mautner ia lá abaixar. Depois, no Morro da Urca, o grupo Mixtura Fina tinha três cantores, Paulette, Ricardo Petraglia e Ricardinho Graça Mello, mas era o guitarrista novamente quem mais brilhava. Tanto que Lulu foi demitido. E a banda acabou logo em seguida! Nos primeiros encontros, Laranjeiras percebeu que aquele era um sujeito nascido para brilhar e incomodar. — Ali por 1969, sempre que sabia de algum grupo de garagem, tentava me enturmar. Certa tarde, bati em uma casa na Fonte da Saudade e um rapaz cabeludo apareceu no portão. Ele me barrou, nariz empinado, negando que houvesse gente fazendo música. Um ano depois, antes da gravação do programa “Som Livre Exportação” (que a Globo exibiu entre dezembro de 1970 e agosto de 71), cheguei ao camarim onde Sérgio Dias afinava seu instrumento, cercado de outros fãs. Um deles era o tal cabeludo, que não parava de pedir dicas para o guitarrista dos Mutantes. Sem timidez, Lulu era oportunista, como o Romário dentro da área fazendo gol — relembra. Já Sion foi quem apresentou o suíço Patrick Moraz ao Vímana. Tecladista que passara pelos grupos Moody Blues e Yes, então casado com uma brasileira, começou a ensaiar com os músicos cariocas para uma turnê fora do Brasil. — Mas a coisa desandou, os egos de Moraz e Lulu colidiram — conta Sion. — Língua ferina, botando apelido em todo mundo, Lulu passou a chamá-lo de Mandrick Pra Trás. A piada chegou aos ouvidos do tecladista, que exigiu a demissão do guitarrista. Situação que se complicou após o suíço perceber que Lobão estava tendo um caso com sua mulher, Liane (irmã da promoter Liège Monteiro). Moraz voltou sozinho para a Europa com seus muitos teclados. E, sem Lulu, o Vímana terminou. Deixou um compacto, lançado em 1977 pela Som Livre. Fim que também coincidiu com o do Veludo, como lembra Laranjeiras. — Em seguida, nos encontramos no Pomoja, banda de jazz rock formada por Márcio Montarroyos em 1978, assim que voltou ao Rio após se formar na Berklee School of Music. Durante um ensaio, tive um desentendimento com Lulu e ali terminou a nossa amizade. O grupo de jazz fusion durou pouco. Assim como, em 1980, o Unziôtro, com o ex-Mutantes Arnaldo Baptista (teclados), Antonio Pedro (baixo) e Rui Motta (bateria). Mesmo apadrinhado por Erasmo Carlos, fez raros shows e nunca gravou — o Tremendão assina um texto para o programa da temporada na Sala Funarte, no Rio. Ainda em 1980, ele teve direito ao primeiro single. Apesar de “Melô do amor” ter entrado na novela “Plumas e paetês”, da Globo, nada aconteceu ao disquinho de... Luiz Maurício. Sim, um diretor da gravadora argumentou que Lulu (dos Santos, como então assinava) era nome de mulher. A essa altura, o guitarrista já juntara os trapos com Scarlet Moon de Chevalier (1952-2013), que deu um banho intelectual ao jovem roqueiro, passando a circular com cineastas, escritores, artistas plásticos. A relação começou em 1978, período em que Scarlet vivia um tórrido romance com Julio Barroso (1953-1984) — este, depois o criador de Gang 90 & Absurdettes, foi outro colega do Lulu adolescente no Zaccaria. Gratidão e mágoa Lulu casou com uma família completa, como lembra Gabriela Chevalier, a mais velha dos três filhos de Scarlet. — Lulu virou nosso paizão. Eu tinha uns 6 anos; Teodora, menos de 2; e Christovam, alguns meses. Num primeiro momento, Scarlet era a principal provedora da casa, enquanto Lulu levava a gente na escola, cuidava de roupa, comida. Não sei como aguentava, já que trocava o dia pela noite, quando tinha tempo para tocar e estudar. Ouvia muita música negra, Michel Jackson sem parar. Gratidão e mágoa se misturam nas recordações de Gabriela: — Hoje, quero o melhor, mas ele nunca foi uma pessoa simples de conviver. Quando o sucesso chegou, começamos a perder mãe e pai. Scarlet acompanhava Lulu nas turnês e passamos a ser cuidados por avôs e empregados da casa. A separação foi em 2006, mas, nos anos 1990, já viviam um casamento aberto. Não sei se ele revelou a homossexualidade para Scarlet. No início, Lulu detonava alguns dos muitos amigos gays de Scarlet. Até 1982, Lulu participou de shows e gravações de outros artistas; escreveu resenhas de discos na revista “Som Três”; e, na Som Livre, junto a Ezequiel Neves, trabalhou selecionando canções para novelas. Também iniciou a parceria com Nelson Motta, com quem dividiu clássicos como “De repente Califórnia”, “Como uma onda” e “Palestina”. Nelson já programara o Vímana no festival Hollywood Rock, em 1975. E, no mesmo ano, botou Lulu junto a Hélio Delmiro (um dos melhores guitarristas no mundo), no grupo do musical “Feiticeira”, de Marília Pêra. Em 1982, quando, finalmente, aos 29 anos e muita experiência acumulada, lançou seu primeiro álbum, Lulu Santos estava pronto. O resto é uma história que voou alto, escorreu pelas mãos. E continua
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