Ego abatido
Faz alguns anos. Eu estava em Paris e jantava com um dos meus melhores amigos, um jornalista que mora na cidade. A saudade era muita, então, ao final do jantar, resolvemos esticar mais um pouco. Entramos em um bar para pedir a saideira e arrematar a conversa que não findava. Era um lugar simples, com pessoas jovens, várias mesinhas de madeira espalhadas pelo ambiente. Estávamos sentados de frente um para o outro, cada um com seu cálice de vinho, quando, subitamente, minha cadeira veio abaixo. Me estatelei no chão. Eu não estava com sobrepeso, nem embriagada. A cadeira simplesmente cedeu e me derrubou. Meu amigo logo se aproximou a fim de me erguer, o garçom veio também, ambos trancando o riso, e as pessoas em volta disfarçaram, fazendo de conta que era normal uma mulher madura se esborrachar do nada. Caí porque a cadeira devia estar mal aparafusada, ou com um pé corroído por cupins, ou o piso estava úmido, não sei, não lembro. Trouxeram outra cadeira e eu gostaria de ter ido embora, mas não fui, acionei a atriz que habita em mim e segui o papo como se o tombo não tivesse me envergonhado barbaramente. Quedas expõem nossa vulnerabilidade. Quando eu era estudante, na PUC, corri certa vez para abraçar uma colega, mas havia chovido na noite anterior, não percebi o barro, deslizei de peixinho uns dois metros pelo lamaçal, em plena hora do recreio. Nessas horas, é natural querer que o chão se abra e nos engula, mas somos obrigados a levantar e ignorar o desespero de existir em público, sob o julgamento corrosivo dos outros. Mais uma vez, não fizemos o suficiente para ser amados. São lembranças que me vieram ao ler o novo livro da gaúcha Camila Maccari, “Infinita”, cuja narradora também se estatela ao quebrar uma cadeira de bar, com dois agravantes: ela estava desacompanhada e pesava 130 quilos. “Bem-feito”, foi o que ela imaginou o mundo dizer. Quem manda comer tanto? Só podia mesmo ficar sozinha e desabar. Estamos diante de uma plateia implacável. Antes, vivíamos em relativa segurança entre a família, os amigos e os colegas. Hoje, milhares de estranhos pescados pelas redes sociais, que desconhecem nossas dores, passaram a ditar como devemos ser e viver, e a nos ofender com uma naturalidade assombrosa a cada discordância, nos quebrando por dentro. Nossa autoaceitação que lute. Camila é uma autora segura, fez bonito com seu livro de estreia, “Dias de se fazer silêncio”, e agora nos traz a história de uma garota que incorporou todo o bullying que sofreu por não seguir um determinado padrão estético, e vive sua tragédia pessoal não por carregar um amontoado de quilos, e sim um amontoado de culpa — que é, no fim das contas, a gordura fatal de todos nós.
Qual é a sua reação?