De mapas manuscritos a pintura, livro reúne imagens da Bahia entre os séculos XVII e XIX nunca antes publicadas num único volume
Com organização de Pedro Corrêa do Lago, 'Iconografia baiana', que inclui também aquarelas e cadernos de viajantes, tem 269 imagens que fazem parte da coleção Flávia e Frank Abubakir O Brasil começou pela Bahia. Não por acaso, portanto, no status de capital da colônia portuguesa, Salvador logo se tornou parada obrigatória para boa parte dos estrangeiros que aportavam por aqui — e, entre eles, não faltaram artistas para retratar aquele admirável mundo novo. Daí a grandeza dessa “Iconografia baiana”, com 269 imagens que fazem parte da coleção Flávia e Frank Abubakir. Todo esse conjunto artístico, cartográfico e documental, com peças produzidas entre os séculos XVII e XIX, nunca havia sido reunido num só volume. Mia Couto: 'Não posso ser censurado pelo medo' 'Billy and the epic escape': Jamie Oliver retira livro infantil de circulação após críticas a estereótipos contra indígenas australianos Ao se deparar com o livro (de 2,5kg), a primeira surpresa é conhecer o volume e a qualidade dos registros feitos sobre a Bahia naqueles séculos. Em geral, mesmo que a região tenha mantido sua importância política e social na colônia após o Rio de Janeiro assumir o papel de capital do vice-reino, em 1763, parece que a Bahia tinha ficado fora do foco dos artistas de sua época. Mas não é bem assim. Capa do livro Iconografia Baiana, com 320 páginas, lançado a R$ 195. Reprodução — O que esse livro mostra é que, além do Rio, houve também uma iconografia rica e diversificada sobre a Bahia, até agora não divulgada — explica o professor Daniel Rebouças, doutor em História e especialista em iconografia. — E, na verdade, até a abertura dos portos, em 1808, houve pouco trânsito de viajantes de uma forma geral, seja no Rio, seja na Bahia. A obra vale também pela diversidade de suportes em que tantos registros foram feitos: pinturas, aquarelas, cadernos de viajantes, mapas manuscritos. Um material, diga-se, muito enriquecido pelos holandeses — que tentaram se estabelecer no país no século XVII e foram expulsos, mas acabaram produzindo documentos que serviram para apresentar uma parte importante do Brasil ao mundo. A respeito dessa perspectiva histórica, o carioca Frank Abubakir diz, na obra, que colecionar — imagens, no caso — é uma ação que nos permite reavaliar o passado, aprofundar o entendimento do presente e refletir sobre caminhos do futuro. E complementa: “É como completar um quebra-cabeças.” Forte e Convento de Santo Antônio na Bahia Divulgação/“Iconografia baiana” Na aquarela acima, de 1833, “Forte e convento de Santo Antonio da Bahia”, William Smyth traz a praia do Porto da Barra, o Forte de São Diogo e a igreja de Santo Antônio da Barra (e não “da Bahia”, como Smyth registrou). Segundo o historiador Daniel Rebouças, “o artista se esmerou na colorização da natureza, tentando reproduzir o que se apresentava aos olhos e, ao mesmo tempo, as boas sensações geradas por regiões onde a natureza era exuberante e repleta de ocupação humana”. Bahia, Vista do Solar do Unhão, por François-René Moreaux Divulgação Paisagem rara Pintada no fim da década de 1830, a tela acima, do francês François-René Moreaux (1807-1860), é uma das que mostram o Solar do Unhão, construção histórica de Salvador, erguida no século XVII e que, desde 1969, é a sede do Museu de Arte Moderna da Bahia. No período em que foi retratado por Moreaux, a partir da Gamboa e perto do antigo porto, o Solar era uma fábrica de rapé da Meuron & Cia, fundada por empresários suíços — e daí a chaminé em franca atividade, com a fumaça escura se destacando em meio a uma bela paisagem. “Moreaux era um pintor que retratava as elites, e essa paisagem configura um quadro bem mais raro”, diz Abubakir, na obra. “Foi o primeiro óleo que adquiri em leilão, há mais de 20 anos; foi emocionante. Olhando para trás, posso dizer que eu conseguia localizar um óleo retratando a Bahia a cada dois anos. Hoje, esse campo é mais escasso; talvez localizemos uma tela a cada cinco anos e tenho a impressão de que já se esgotou”. Bahia, Ladeira da Fonte dos Santos Padres, por William Smyth Divulgação Centro de Salvador Aquarela de William Smyth (1800-1877), “Ladeira da fonte dos Santos Padres” (c. 1834), acima, mostra o sopé da Ladeira do Taboão, uma das regiões mais movimentadas do Centro antigo de Salvador. O registro valoriza a arquitetura típica, com o calçamento em pedra, os sobrados geminados com comércio no térreo e residências nos andares superiores. No alto, o Convento do Carmo aparece parcialmente encoberto pela vegetação. A aquarela também mostra personagens como aguadeiros, vendedores e, na área inferior, à direita, dois carregadores de liteira escravizados, uniformizados, conduzindo “sua senhora”. Uma curiosidade: Moreaux, que voltou para a Europa, foi um dos criadores do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Bahia, Vista do porto de Salvador, por Joseph Léon Righini Divulgação Baía de Todos os Santos Eis acima a “Vista do porto de Salvador”, óleo sobre tela produzido entre 1856 e
Com organização de Pedro Corrêa do Lago, 'Iconografia baiana', que inclui também aquarelas e cadernos de viajantes, tem 269 imagens que fazem parte da coleção Flávia e Frank Abubakir O Brasil começou pela Bahia. Não por acaso, portanto, no status de capital da colônia portuguesa, Salvador logo se tornou parada obrigatória para boa parte dos estrangeiros que aportavam por aqui — e, entre eles, não faltaram artistas para retratar aquele admirável mundo novo. Daí a grandeza dessa “Iconografia baiana”, com 269 imagens que fazem parte da coleção Flávia e Frank Abubakir. Todo esse conjunto artístico, cartográfico e documental, com peças produzidas entre os séculos XVII e XIX, nunca havia sido reunido num só volume. Mia Couto: 'Não posso ser censurado pelo medo' 'Billy and the epic escape': Jamie Oliver retira livro infantil de circulação após críticas a estereótipos contra indígenas australianos Ao se deparar com o livro (de 2,5kg), a primeira surpresa é conhecer o volume e a qualidade dos registros feitos sobre a Bahia naqueles séculos. Em geral, mesmo que a região tenha mantido sua importância política e social na colônia após o Rio de Janeiro assumir o papel de capital do vice-reino, em 1763, parece que a Bahia tinha ficado fora do foco dos artistas de sua época. Mas não é bem assim. Capa do livro Iconografia Baiana, com 320 páginas, lançado a R$ 195. Reprodução — O que esse livro mostra é que, além do Rio, houve também uma iconografia rica e diversificada sobre a Bahia, até agora não divulgada — explica o professor Daniel Rebouças, doutor em História e especialista em iconografia. — E, na verdade, até a abertura dos portos, em 1808, houve pouco trânsito de viajantes de uma forma geral, seja no Rio, seja na Bahia. A obra vale também pela diversidade de suportes em que tantos registros foram feitos: pinturas, aquarelas, cadernos de viajantes, mapas manuscritos. Um material, diga-se, muito enriquecido pelos holandeses — que tentaram se estabelecer no país no século XVII e foram expulsos, mas acabaram produzindo documentos que serviram para apresentar uma parte importante do Brasil ao mundo. A respeito dessa perspectiva histórica, o carioca Frank Abubakir diz, na obra, que colecionar — imagens, no caso — é uma ação que nos permite reavaliar o passado, aprofundar o entendimento do presente e refletir sobre caminhos do futuro. E complementa: “É como completar um quebra-cabeças.” Forte e Convento de Santo Antônio na Bahia Divulgação/“Iconografia baiana” Na aquarela acima, de 1833, “Forte e convento de Santo Antonio da Bahia”, William Smyth traz a praia do Porto da Barra, o Forte de São Diogo e a igreja de Santo Antônio da Barra (e não “da Bahia”, como Smyth registrou). Segundo o historiador Daniel Rebouças, “o artista se esmerou na colorização da natureza, tentando reproduzir o que se apresentava aos olhos e, ao mesmo tempo, as boas sensações geradas por regiões onde a natureza era exuberante e repleta de ocupação humana”. Bahia, Vista do Solar do Unhão, por François-René Moreaux Divulgação Paisagem rara Pintada no fim da década de 1830, a tela acima, do francês François-René Moreaux (1807-1860), é uma das que mostram o Solar do Unhão, construção histórica de Salvador, erguida no século XVII e que, desde 1969, é a sede do Museu de Arte Moderna da Bahia. No período em que foi retratado por Moreaux, a partir da Gamboa e perto do antigo porto, o Solar era uma fábrica de rapé da Meuron & Cia, fundada por empresários suíços — e daí a chaminé em franca atividade, com a fumaça escura se destacando em meio a uma bela paisagem. “Moreaux era um pintor que retratava as elites, e essa paisagem configura um quadro bem mais raro”, diz Abubakir, na obra. “Foi o primeiro óleo que adquiri em leilão, há mais de 20 anos; foi emocionante. Olhando para trás, posso dizer que eu conseguia localizar um óleo retratando a Bahia a cada dois anos. Hoje, esse campo é mais escasso; talvez localizemos uma tela a cada cinco anos e tenho a impressão de que já se esgotou”. Bahia, Ladeira da Fonte dos Santos Padres, por William Smyth Divulgação Centro de Salvador Aquarela de William Smyth (1800-1877), “Ladeira da fonte dos Santos Padres” (c. 1834), acima, mostra o sopé da Ladeira do Taboão, uma das regiões mais movimentadas do Centro antigo de Salvador. O registro valoriza a arquitetura típica, com o calçamento em pedra, os sobrados geminados com comércio no térreo e residências nos andares superiores. No alto, o Convento do Carmo aparece parcialmente encoberto pela vegetação. A aquarela também mostra personagens como aguadeiros, vendedores e, na área inferior, à direita, dois carregadores de liteira escravizados, uniformizados, conduzindo “sua senhora”. Uma curiosidade: Moreaux, que voltou para a Europa, foi um dos criadores do Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Bahia, Vista do porto de Salvador, por Joseph Léon Righini Divulgação Baía de Todos os Santos Eis acima a “Vista do porto de Salvador”, óleo sobre tela produzido entre 1856 e 1862 pelo italiano Joseph Léon Righini, Destaque para a riqueza de cores e luz com que Righini registra a Baía de Todos os Santos e o conjunto arquitetônico do Solar do Unhão — que fica à direita da imagem. Righini, diga-se, foi um artista importante para o registro da história do país no século XIX. Nascido em Turim por volta de 1820, ele desembarcou em 1856 em Salvador e se estabeleceu de vez no Brasil, onde ficou até o fim da vida, em 1884. Artista múltiplo — pintor, fotógrafo, gravador e até cenógrafo — Righini produziu belos registros visuais do Nordeste e do Norte do país — e acabou se fixando em Belém do Pará, onde morreu. Segundo os estudiosos, suas telas conseguem traduzir a atmosfera transparente característica da Bahia, com sua luz à beira-mar. Esta tela tem uma irmã quase gêmea no Museu de Arte da Bahia, com dimensões diferentes. “É o quadro mais importante da iconografia baiana do século XIX, e não existem outros registros da Bahia feitos por Righini além desses dois, já que ele pintou mais o Pará e o Maranhão”, explica no livro o colecionador Frank Abubakir, que adquiriu a obra de um outro colecionador privado. Salvador, por Abraham Hogenberg Divulgação Invasores Entre as chamadas gravuras avulsas de “Iconografia baiana”, esta acima retrata a Baía de Todos os Santos durante um ataque holandês em 1624. Trata-se de “S. Salvador”, do alemão Abraham Hogenberg (1578-1653). A gravura — produzida em metal, buril, colorida à mão — data de 1627. O ataque retratado foi liderado por Jacob Willekens (1564-1649), almirante da Companhia das Índias Ocidentais que comandava 26 navios, com 1.600 marinheiros e 1.700 soldados. Curiosamente, Hogenberg coloriu de azul o telhado de casas religiosas e igrejas, mas não coloriu o convento de Nossa Senhora do Carmo, e deixou em azul o forte de Santo Antônio da Barra. Além de gravuras, o livro traz alguns dos primeiros mapas da Bahia — um deles, o primeiro que se tem registro com a topografia de Salvador. “Namorei o mapa por duas décadas, e finalmente consegui comprá-lo do filho do negociante original, na Holanda”, revela Frank Abubakir na obra, que também traz livros ilustrados tanto por holandeses quanto pelos portugueses após a retomada da cidade, em 1625, em uma espécie de guerra de versões. Bahia, Farol da Barra Divulgação Farol da Barra O desenho a lápis mostra a entrada a Barra de Salvador com seu farol na chamada ponta do Padrão — atual Ponta de Santo Antônio. Mais do que simples paisagens, imagens desse tipo serviam como espécie de “anotações visuais” feitas por viajantes com o objetivo de registrar pontos-chave para referências geográficas e marítimas da Bahia e de outras regiões. O autor do desenho foi Adolf von Raimondi, que publicaria um álbum manuscrito com oito aquarelas e mais de 30 desenhos como este, todos produzidos durante uma viagem de Raimondi de Hamburgo ao Brasil realizada entre novembro de 1891 e agosto do ano seguinte, incluindo estadias no Rio de Janeiro e na Bahia. Esse álbum, diz o livro “Iconografia baiana”, é um raro registro de viajante produzido no fim do século XIX. Durante a viagem, o artista registrou a flora, cenas cotidianas da embarcação e paisagens urbanas por onde passou. A obra também reforça que o desenho fazia parte da formação dos viajantes estrangeiros que passaram pelo Brasil até o século XIX, daí a importância dos sketchbooks produzidos pelos visitantes. Cachoeira província da Bahia Divulgação No Recôncavo Acima, reprodução de uma gravura publicada originalmente em agosto de 1868 no periódico Illustrated London News, reforçando a ideia que os registros como este foram fundamentais para divulgar a imagem do Brasil no exterior. De autoria anônima, a imagem identificada como “Cachoeira, província da Bahia, no Império do Brasil” apresenta a dinâmica portuária do Recôncavo no século XIX, com destaque para o casario e para os navios a vapor, que se tornaram uma espécie de referência para a cultura local e para os moradores dessa região.
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