Coordenador do Gaeco diz que grupo do MP usa código de repressão à máfia italiana contra as facções
Promotor Francisco José Lins do Rêgo diz, em entrevista ao GLOBO, que, para sobreviver, criminosos se aproveitam do desvio de conduta de agentes públicos Para apurar o assassinato do promotor Francisco José Lins do Rêgo enquanto investigava uma máfia que fazia adulteração de combustíveis em Belo Horizonte (MG), nasceu o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, em 2002. A iniciativa se desdobrou, com a criação de órgãos similares permanentes do Ministério Público nos estados. No Rio, o Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) virou realidade em 2010 e, desde então, já esteve no centro das mais importantes investigações e prisões na capital fluminense. Entre elas, estão o início do inquérito contra a deputada Lucinha (PSD), o Caso Marielle, as investigações da milícia do Zinho e a prisão do contraventor Rogério Andrade. Intolerância: Terreiro religioso é invadido e vandalizado em São João da Barra, no Norte Fluminense Bala perdida: projétil atinge condomínio onde mora o governador Cláudio Castro, na Barra da Tijuca O promotor de Justiça Fabio Corrêa, de 50 anos, integra o Gaeco desde 2013. Dez anos depois, tornou-se coordenador da equipe. Durante sua trajetória, viu as organizações do crime se diversificarem, crescerem e expandirem seus domínios. Para combatê-las, ele conta que até o código antimáfia da Itália tem sido usado nas investigações. Ainda há diferença entre tráfico e milícia? A milícia nasceu como um antagonista do tráfico. Na época, usavam a questão da força policial para ofertar proteção nas áreas dominadas pelo tráfico. Mas, com o tempo e aprendizado mútuos, os dois grupos se misturaram, e hoje a diferença, que era bem marcada, quase não existe. O tráfico incorporou as atividades da milícia no que diz respeito à exploração do território, e a milícia viu na venda de entorpecentes uma oportunidade de aumentar o seu lucro. E os dois usam estratégias como queimar ônibus e implantar barricadas para atrapalhar as ações policiais. E essa falta de delimitação entre uma e outra aumenta a dificuldade das investigações? Com certeza. É uma dificuldade a mais porque o submundo todo do crime dialoga. Em alguns lugares, já constatamos que houve união de milícia e tráfico, e algumas lideranças têm diálogo com a contravenção. É difícil para nós até estabelecermos onde cada um está. Apesar de atuarem de forma cada vez mais parecida, a expansão deles ocorre distintamente. Enquanto a expansão da milícia é mais silenciosa, com conflitos por defesa, o tráfico costuma travar mais guerras para aumentar sua área de influência. A que se atribui o movimento de expansão e retomada de territórios do CV no Rio? Percebemos que teve uma mudança de postura entre os integrantes do CV, que aumentaram suas ações aguerridas em busca de territórios nos últimos anos. Esse movimento expansionista pode ter sido motivado pelo retorno de algumas lideranças da facção de presídios federais para o Rio. Táfico x Milícia: Nove suspeitos são presos e mais de 30 armas são apreendidas no Rio das Pedras, após tentativa de invasão de traficantes O Peixão impôs um tipo de ditadura no Complexo de Israel, que tem até um viés religioso. Isso é novo no Rio? O Peixão usar a questão religiosa para legitimar sua liderança criminosa foi observado por nós há muito tempo. O primeiro mandado de prisão dele saiu de uma investigação nossa, em 2016. Na época, tínhamos identificado o comércio de entorpecente na Cidade Alta e chegamos ao nome dele como liderança do tráfico local. Uma característica que já apareceu naquela época foi a corrupção de policiais como um braço do negócio dele. Posteriormente, o Gaeco ofereceu outra denúncia apontando o Peixão como mentor de ataques a religiosos de matriz africana. Mas, até hoje, ele nunca foi preso. Após a morte de três pessoas por balas perdidas em vias expressas, a polícia estuda classificar a atitude do Peixão como terrorismo. Acha que isso tem fundamento? Ainda há um debate sobre como classificar a relação entre crime organizado e terrorismo. Não existe muito consenso nas áreas jurídica e acadêmica. E, caso isso acontecesse, talvez mudasse a competência da investigação. Mas esse tipo de ação não é nova. Já faz parte da atuação do crime usar moradores e crianças como escudo para embaralhar as operações e atuações da polícia. O que mais chocou naquele episódio foi que as vítimas estavam distantes da área conflagrada. O Gaeco participou da prisão de Rogério Andrade, que se deu quase quatro anos após a morte do Fernando Iggnácio. Foi uma mensagem contra a ideia de que há bicheiros intocáveis no Rio? As investigações são sempre sobre fatos e não sobre pessoas. Nesse caso específico, a investigação foi reaberta com a apresentação de novas provas, oferecimento de denúncia e pedido de prisão dos denunciados, entre eles a de Rogério. Mas toda investigação que envolve fatos relacionados ao universo da contravenção é sempre difícil. Meninos envenenados: criança que estava com as v
Promotor Francisco José Lins do Rêgo diz, em entrevista ao GLOBO, que, para sobreviver, criminosos se aproveitam do desvio de conduta de agentes públicos Para apurar o assassinato do promotor Francisco José Lins do Rêgo enquanto investigava uma máfia que fazia adulteração de combustíveis em Belo Horizonte (MG), nasceu o Grupo Nacional de Combate às Organizações Criminosas, em 2002. A iniciativa se desdobrou, com a criação de órgãos similares permanentes do Ministério Público nos estados. No Rio, o Grupo de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) virou realidade em 2010 e, desde então, já esteve no centro das mais importantes investigações e prisões na capital fluminense. Entre elas, estão o início do inquérito contra a deputada Lucinha (PSD), o Caso Marielle, as investigações da milícia do Zinho e a prisão do contraventor Rogério Andrade. Intolerância: Terreiro religioso é invadido e vandalizado em São João da Barra, no Norte Fluminense Bala perdida: projétil atinge condomínio onde mora o governador Cláudio Castro, na Barra da Tijuca O promotor de Justiça Fabio Corrêa, de 50 anos, integra o Gaeco desde 2013. Dez anos depois, tornou-se coordenador da equipe. Durante sua trajetória, viu as organizações do crime se diversificarem, crescerem e expandirem seus domínios. Para combatê-las, ele conta que até o código antimáfia da Itália tem sido usado nas investigações. Ainda há diferença entre tráfico e milícia? A milícia nasceu como um antagonista do tráfico. Na época, usavam a questão da força policial para ofertar proteção nas áreas dominadas pelo tráfico. Mas, com o tempo e aprendizado mútuos, os dois grupos se misturaram, e hoje a diferença, que era bem marcada, quase não existe. O tráfico incorporou as atividades da milícia no que diz respeito à exploração do território, e a milícia viu na venda de entorpecentes uma oportunidade de aumentar o seu lucro. E os dois usam estratégias como queimar ônibus e implantar barricadas para atrapalhar as ações policiais. E essa falta de delimitação entre uma e outra aumenta a dificuldade das investigações? Com certeza. É uma dificuldade a mais porque o submundo todo do crime dialoga. Em alguns lugares, já constatamos que houve união de milícia e tráfico, e algumas lideranças têm diálogo com a contravenção. É difícil para nós até estabelecermos onde cada um está. Apesar de atuarem de forma cada vez mais parecida, a expansão deles ocorre distintamente. Enquanto a expansão da milícia é mais silenciosa, com conflitos por defesa, o tráfico costuma travar mais guerras para aumentar sua área de influência. A que se atribui o movimento de expansão e retomada de territórios do CV no Rio? Percebemos que teve uma mudança de postura entre os integrantes do CV, que aumentaram suas ações aguerridas em busca de territórios nos últimos anos. Esse movimento expansionista pode ter sido motivado pelo retorno de algumas lideranças da facção de presídios federais para o Rio. Táfico x Milícia: Nove suspeitos são presos e mais de 30 armas são apreendidas no Rio das Pedras, após tentativa de invasão de traficantes O Peixão impôs um tipo de ditadura no Complexo de Israel, que tem até um viés religioso. Isso é novo no Rio? O Peixão usar a questão religiosa para legitimar sua liderança criminosa foi observado por nós há muito tempo. O primeiro mandado de prisão dele saiu de uma investigação nossa, em 2016. Na época, tínhamos identificado o comércio de entorpecente na Cidade Alta e chegamos ao nome dele como liderança do tráfico local. Uma característica que já apareceu naquela época foi a corrupção de policiais como um braço do negócio dele. Posteriormente, o Gaeco ofereceu outra denúncia apontando o Peixão como mentor de ataques a religiosos de matriz africana. Mas, até hoje, ele nunca foi preso. Após a morte de três pessoas por balas perdidas em vias expressas, a polícia estuda classificar a atitude do Peixão como terrorismo. Acha que isso tem fundamento? Ainda há um debate sobre como classificar a relação entre crime organizado e terrorismo. Não existe muito consenso nas áreas jurídica e acadêmica. E, caso isso acontecesse, talvez mudasse a competência da investigação. Mas esse tipo de ação não é nova. Já faz parte da atuação do crime usar moradores e crianças como escudo para embaralhar as operações e atuações da polícia. O que mais chocou naquele episódio foi que as vítimas estavam distantes da área conflagrada. O Gaeco participou da prisão de Rogério Andrade, que se deu quase quatro anos após a morte do Fernando Iggnácio. Foi uma mensagem contra a ideia de que há bicheiros intocáveis no Rio? As investigações são sempre sobre fatos e não sobre pessoas. Nesse caso específico, a investigação foi reaberta com a apresentação de novas provas, oferecimento de denúncia e pedido de prisão dos denunciados, entre eles a de Rogério. Mas toda investigação que envolve fatos relacionados ao universo da contravenção é sempre difícil. Meninos envenenados: criança que estava com as vítimas tem medo de suspeito do crime; conheça detalhes do caso Temos várias organizações criminosas exercendo domínio em áreas do estado. Qual é a principal frente do Gaeco para combater esses grupos? Canalizamos a atuação do Gaeco em três vertentes. A primeira é a investigação dos crimes cometidos por integrantes desse grupo, no qual entram o homicídio, o roubo de carga e outros. A segunda é feita em parceria com as corregedorias das polícias. Até porque é uma condição de sobrevivência das organizações criminosas que haja o desvio de conduta. Então, atuamos muito forte no combate aos casos de corrupção. A terceira vertente é a asfixia financeira das facções para cercear o lucro desses criminosos. Dentro dessas ações, usamos várias estratégias do código antimáfia da Itália. Como o exemplo de combate à máfia italiana pode ser usado contra o crime no Rio? A máfia é um dos organismos mais difíceis de serem combatidos. Isso se dá por conta da capilaridade e da influência de agentes públicos e políticos, que muito se assemelha à atuação das organizações criminosas daqui. Usamos estratégias do código antimáfia da Itália porque eles viveram isso de forma intensa e reagiram com uma experiência que foi positiva. Quais são os maiores desafios desse enfrentamento? É sempre um desafio entender e combater as tecnologias de que os criminosos estão se apropriando, que vai desde a utilização de drones para monitorar a polícia ao crime cibernético. O dinheiro virtual tem sido recorrentemente usado para lavar dinheiro de atividades ilícitas. Nós já temos até informações de que o próprio jogo do bicho já usa os meios virtuais para lavar o dinheiro. Como as bets e os sites de aposta on-line são ambientes novos, ainda em fase regulamentação, é fácil que eles sejam cooptados para o crime. Depois de todos esses anos, qual o significado da condenação de Ronnie Lessa e Élcio Queiroz (assassinos da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes) para o Gaeco? A condenação foi um marco civilizatório. Os jurados, representando a sociedade, deram uma resposta dura de não tolerância ao crime organizado. O MP atua desde o começo na investigação desse caso, em parceria com várias instituições. Lady Gaga: fãs percebem semana fechada para reservas no Copacabana Palace e especulam data de show; saiba quando O que a investigação do caso impactou no submundo do crime do Rio? As investigações do Caso Marielle acabaram se tornando o epicentro de vários outros inquéritos. Na busca por respostas, remexemos o submundo do crime revelando o Escritório do Crime, expondo a existência de matadores que agem em nome da contravenção e da milícia, como o Adriano da Nóbrega. Jogamos uma luz sobre a atividade de vários personagens do crime que até então nunca haviam sido responsabilizados.
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