Artigo: Processo versus Justiça
No Brasil, o direito processual deixou de ser um meio para se apurar a verdade e fazer justiça para transformar-se num fim em si mesmo que mantém uma máquina processual cara e ineficiente “Processo versus Justiça”: esse é o título do meu novo livro publicado pela Editora FGV que será lançado na última semana de novembro na Livraria da Travessa. Feita a publicidade, passo ao tema. Processo versus Justiça sugere antagonismo e confronto, e o leitor poderá se perguntar qual é a razão deste título se o processo é o meio pelo qual a justiça se realiza entre nós e no mundo inteiro. Exatamente por isso o escolhi, para ressaltar este contrassenso que não deveria ocorrer, mas que tem ocorrido no Brasil, e, no final, creio o leitor estará de pleno acordo com a escolha dele para título do livro. No Brasil, o direito processual deixou de ser um meio para se apurar a verdade e fazer justiça para transformar-se num fim em si mesmo que mantém uma máquina processual cara e ineficiente. No sistema de repartição de poderes que caracteriza todas as democracias, atualmente o Judiciário brasileiro é o mais protegido e blindado dos nossos poderes, uma vez que o Legislativo e Executivo estão expostos ao controle da imprensa e das mídias sociais sendo obrigados a prestar contas à sociedade. O Judiciário não; vive numa caixa-preta, blindada. Artigo: O STF e o sistema prisional: a volta da esperança O duplo grau de jurisdição é uma evolução pela qual a sociedade entendeu ser fundamental que a decisão de um juiz, portanto monocrática, pudesse ser revista por um colegiado num tribunal que confirmaria ou revogaria essa decisão. Ele se transformou num procedimento comum em todo o mundo, entretanto nenhum outro sistema jurídico do mundo civilizado comporta e possui os quatro graus de jurisdição que temos aqui. Nosso problema não é o duplo grau; mas sim o quádruplo. É preciso inverter o famoso ditado: justiça que tarda; falha. Nosso problema não é propriamente a ausência de leis, mas sim a ausência de sua aplicação. Ainda não temos mecanismos de conciliação, acordo ou outras formas de autocomposição que poderiam resolver parte expressiva das demandas sendo todas mais econômicas para a sociedade, uma vez que o Judiciário é a mais cara e mais lenta. Diversos países em todo mundo têm cortes de conciliação como maneiras legítimas de desviar os conflitos dos tribunais para elas, e precisamos começar a pensar em construir algo próximo para nós. Artigo: O STF e as plataformas digitais Vejamos um simples exemplo. O foro privilegiado por prerrogativa de função tal como é praticado no Brasil não se justifica. Para que se tenha uma dimensão da amplitude dele é importante ter conhecimento de que cerca de 60 mil ocupantes de 40 diferentes tipos de cargos nas três esferas de governo têm a prerrogativa e o direito a esse foro privilegiado no Brasil. O que seria natural é que ele ficasse concentrado apenas nos cargos constitucionalmente relevantes, como é em todo mundo. Uma das frases mais populares no Brasil atual, que integra nosso noticiário e é repetida com fervor religioso, é: “vou recorrer!” Precisamos corrigir essa anomalia. A alta recorribilidade e a prática diária que os diversos graus recursais existem para serem exercidos, mesmo tratando-se de matérias vencidas e já decididas, são maiores do que a obediência que se deveria ter ao que já está pacificado. O que permitimos hoje no Brasil é um contrassenso quando comparado ao que é praticado em todos os demais países civilizados, onde os processos demoram também um tempo sempre expressivo, mas se resolvem. Adotando-se entre nós, como nestes países, apenas o duplo grau de jurisdição, não há razão para que a justiça não se faça, esse é o ponto central. Uma PEC elaborada pelo Judiciário e apresentada pelo Legislativo poderia resolver esse problema fundamental. Os processos poderiam seguir para os tribunais superiores, mas os efeitos imediatos dessas decisões de segundo grau já seriam cumpridos, sendo essa remessa ao STJ e ao STF feita sem efeito suspensivo, assegurando-se, entretanto, que, no caso de revisão, essas novas decisões seriam adotadas e cumpridas imediatamente no seu efeito devolutivo. Nosso problema não é de ausência de leis, mas sim de ausência de sua aplicação. Artigo: Gerald Postema e o ‘rule of law’ Georges Ripert, no final do século passado, vaticinou que “expulsos da filosofia e da política, os juristas refugiaram-se na técnica”. Não quero refugiar-me na técnica. Acredito integral e sinceramente na força e na importância do Direito. Qual outra ciência humana ou social pode dizer o mesmo? Provavelmente nenhuma. Recue no tempo e você vai sempre encontrar o Direito tentando regular o poder político, atuando para resolver os conflitos entre os homens e seus litígios, punindo os crimes e os delitos. Que outra ciência humana ou social é tão antiga quanto o Direito que se confunde com a própria Humanidade. Trata-se de uma ciência atemporal. As leis são criações humanas para organizar
No Brasil, o direito processual deixou de ser um meio para se apurar a verdade e fazer justiça para transformar-se num fim em si mesmo que mantém uma máquina processual cara e ineficiente “Processo versus Justiça”: esse é o título do meu novo livro publicado pela Editora FGV que será lançado na última semana de novembro na Livraria da Travessa. Feita a publicidade, passo ao tema. Processo versus Justiça sugere antagonismo e confronto, e o leitor poderá se perguntar qual é a razão deste título se o processo é o meio pelo qual a justiça se realiza entre nós e no mundo inteiro. Exatamente por isso o escolhi, para ressaltar este contrassenso que não deveria ocorrer, mas que tem ocorrido no Brasil, e, no final, creio o leitor estará de pleno acordo com a escolha dele para título do livro. No Brasil, o direito processual deixou de ser um meio para se apurar a verdade e fazer justiça para transformar-se num fim em si mesmo que mantém uma máquina processual cara e ineficiente. No sistema de repartição de poderes que caracteriza todas as democracias, atualmente o Judiciário brasileiro é o mais protegido e blindado dos nossos poderes, uma vez que o Legislativo e Executivo estão expostos ao controle da imprensa e das mídias sociais sendo obrigados a prestar contas à sociedade. O Judiciário não; vive numa caixa-preta, blindada. Artigo: O STF e o sistema prisional: a volta da esperança O duplo grau de jurisdição é uma evolução pela qual a sociedade entendeu ser fundamental que a decisão de um juiz, portanto monocrática, pudesse ser revista por um colegiado num tribunal que confirmaria ou revogaria essa decisão. Ele se transformou num procedimento comum em todo o mundo, entretanto nenhum outro sistema jurídico do mundo civilizado comporta e possui os quatro graus de jurisdição que temos aqui. Nosso problema não é o duplo grau; mas sim o quádruplo. É preciso inverter o famoso ditado: justiça que tarda; falha. Nosso problema não é propriamente a ausência de leis, mas sim a ausência de sua aplicação. Ainda não temos mecanismos de conciliação, acordo ou outras formas de autocomposição que poderiam resolver parte expressiva das demandas sendo todas mais econômicas para a sociedade, uma vez que o Judiciário é a mais cara e mais lenta. Diversos países em todo mundo têm cortes de conciliação como maneiras legítimas de desviar os conflitos dos tribunais para elas, e precisamos começar a pensar em construir algo próximo para nós. Artigo: O STF e as plataformas digitais Vejamos um simples exemplo. O foro privilegiado por prerrogativa de função tal como é praticado no Brasil não se justifica. Para que se tenha uma dimensão da amplitude dele é importante ter conhecimento de que cerca de 60 mil ocupantes de 40 diferentes tipos de cargos nas três esferas de governo têm a prerrogativa e o direito a esse foro privilegiado no Brasil. O que seria natural é que ele ficasse concentrado apenas nos cargos constitucionalmente relevantes, como é em todo mundo. Uma das frases mais populares no Brasil atual, que integra nosso noticiário e é repetida com fervor religioso, é: “vou recorrer!” Precisamos corrigir essa anomalia. A alta recorribilidade e a prática diária que os diversos graus recursais existem para serem exercidos, mesmo tratando-se de matérias vencidas e já decididas, são maiores do que a obediência que se deveria ter ao que já está pacificado. O que permitimos hoje no Brasil é um contrassenso quando comparado ao que é praticado em todos os demais países civilizados, onde os processos demoram também um tempo sempre expressivo, mas se resolvem. Adotando-se entre nós, como nestes países, apenas o duplo grau de jurisdição, não há razão para que a justiça não se faça, esse é o ponto central. Uma PEC elaborada pelo Judiciário e apresentada pelo Legislativo poderia resolver esse problema fundamental. Os processos poderiam seguir para os tribunais superiores, mas os efeitos imediatos dessas decisões de segundo grau já seriam cumpridos, sendo essa remessa ao STJ e ao STF feita sem efeito suspensivo, assegurando-se, entretanto, que, no caso de revisão, essas novas decisões seriam adotadas e cumpridas imediatamente no seu efeito devolutivo. Nosso problema não é de ausência de leis, mas sim de ausência de sua aplicação. Artigo: Gerald Postema e o ‘rule of law’ Georges Ripert, no final do século passado, vaticinou que “expulsos da filosofia e da política, os juristas refugiaram-se na técnica”. Não quero refugiar-me na técnica. Acredito integral e sinceramente na força e na importância do Direito. Qual outra ciência humana ou social pode dizer o mesmo? Provavelmente nenhuma. Recue no tempo e você vai sempre encontrar o Direito tentando regular o poder político, atuando para resolver os conflitos entre os homens e seus litígios, punindo os crimes e os delitos. Que outra ciência humana ou social é tão antiga quanto o Direito que se confunde com a própria Humanidade. Trata-se de uma ciência atemporal. As leis são criações humanas para organizar a sociedade, criando regras lógicas que as pessoas podem crer e obedecer. A linguagem a serviço de uma possível harmonia entre os homens. A inteligência humana em vez da força. O processo em substituição à vingança. A alternativa da civilização à barbárie. Essa crença no Direito é essencial para que a nossa sociedade volte a crer na justiça e que ela possa ser exercida pelos advogados, juízes e membros do Ministério Público, que precisam se unir para aperfeiçoar o que está disfuncional. Esse ensaio é uma tentativa de participar deste esforço para destravar a máquina judiciária, permitindo uma justiça mais rápida, o que é tão importante quanto reduzir a disparidade de renda e de oportunidades, como atenuar a segregação da população negra, quanto impedir a formação de guetos de exclusão social neste nosso país tão rico, mas tão desigual e injusto. *Luiz Roberto Nascimento Silva é advogado, mestre em Direito Econômico pela UFRJ, professor de direito tributário da UCAM e da FGV e foi ministro da Cultura.
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