Após 50 anos fora do circuito, César Oiticica volta com mostra individual em que obras inéditas são grande destaque
Único artista vivo do Grupo Frente, que agitou a arte brasileira com a abstração geométrica na década de 1950, inaugura exposição com trabalhos históricos e tridimensionais no Paço Imperial, no Rio Naquela tarde nublada de sexta-feira, a casa de César Oiticica estava um pouco mais triste. O artista de 85 anos estava acostumado a ver suas obras mais recentes, esculturas tridimensionais, saltando das paredes de sua residência, no bairro do Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. Após quase uma década de “exibição doméstica”, saíram naquele dia para compor sua primeira mostra individual, “Frente a frente”, que abriu quarta-feira no Paço Imperial. Antes, César — irmão de Hélio Oiticica (1937-1980) — participou apenas de coletivas do Grupo Frente, do qual fez parte entre 1954 e 1956 e é o único artista vivo. Criado há 70 anos, o movimento agitou o cenário da arte brasileira ao abraçar a abstração geométrica. Deste período, César levou para o Paço algumas telas. — Essa casa estava muito mais feliz com as obras — brinca César, na verdade contente em saber que as obras passaram a ser vistas pelo público. Paulo Venancio Filho, curador, lembra que o conteúdo da mostra, em cartaz até 2 de fevereiro do ano que vem, é quase todo novo. — Praticamente tudo nessa exposição é inédito. Nada disso foi visto — diz o curador. Obra tridimensional de César Oiticica, produzida em 2016, tem paleta que vai do laranja aos tons róseos Divulgação Em grande medida, o ineditismo de “Frente a frente” se deve ao fato de que César ficou um período de cerca de 50 anos afastado de sua carreira artística. Pouco tempo após se desintegrar do Grupo Frente, o artista se mudou para Manaus (AM) e começou a trabalhar como arquiteto. A volta à arte aconteceu por volta de 2015, quando ele começou a criar as obras tridimensionais, algo que, de acordo com César, tem um pé na sua experiência com a arquitetura. Sua mulher, Maria, inclusive revela que ele não chegou chegou a parar totalmente. — Ele não estava totalmente parado. Fazia uma ou outra coisa para mim, uns relevinhos — lembra ela, citando os embriões das obras que agora são reveladas na exposição. Outro impulso que o artista teve para retomar a carreira artística foi o período em que esteve à frente do Projeto Hélio Oiticica. O curador Paulo Venancio Filho vê inclusive um elo entre as obras dos irmãos: — Uma coisa muito importante nesses trabalhos tridimensionais é a presença de cores monocromáticas, muito intensas: o amarelo, o vermelho, o laranja. Acredito que isso tenha relação, inclusive, com o Hélio, que também trabalhava com esse registro cromático — afirma o curador, ao que César concorda. César Oiticica à frente de uma obra tridimensional, na sua residência, no Rio Guito Moreto Apenas garotos César e Hélio pertenceram ao mesmo Grupo Frente. Quando o movimento surgiu, o primeiro tinha 16 anos; o segundo, 18. Integrava o grupo ainda nomes como Abraham Palatnik, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Lygia Pape, Franz Weissmann, Rubem Ludolf, além de Ivan Serpa, a quem César chama com carinho de “chefão”. O artista lembra que havia reuniões semanais, em que cada integrante precisava levar alguma produção recente para mostrar aos colegas. — A gente não falava muito nas reuniões. Quem falava mesmo era nosso chefão, o Serpa — recorda César. — Ele chamava a gente um por um para apresentar o que tinha de novo, ficando na função de corrigir e, de alguma forma, moldar a nossa produção. Ele era espetacular. E a gente, tão pequeno em relação a ele… Um dos períodos que o artista lembra com mais nostalgia é quando o “chefão” viajou, lhe confiando uma missão especial: dar aulas de arte às crianças. — Durante dois anos ele me escolheu como substituto para ensinar as crianças a desenvolver as suas potencialidades individuais e coletivas — diz César. Tela de César Oiticica, que segue a abstração geométrica, produzida entre 2017 e 2018 Divulgação Formas que se cruzam Naquele período, a produção artística de César se baseava muito na junção de nuances abstratas, seguindo linhas geométricas. Algumas delas estão na exposição do Paço, como cartões (que eram vendidos pelo grupo no MAM Rio) recheados de faixas, que se subdividem em formas arredondadas. Há ainda uma tela de produção recente, mas que lembra sua criação no Grupo Frente: as divisões verticais, em tons de azul, são perpassadas por quadriláteros brancos, formas que se encontram e se cruzam, frente a frente. — É admirável que um artista fique 50 anos sem produzir e, de repente, volta à sua produção artística. Uma coisa rara — diz Paulo Venancio Filho. — O César podia simplesmente ter largado tudo isso, esquecido essas telas de 1950. Acontece muito, mas com ele, há a persistência de um pulso artístico que continua se manifestando.
Único artista vivo do Grupo Frente, que agitou a arte brasileira com a abstração geométrica na década de 1950, inaugura exposição com trabalhos históricos e tridimensionais no Paço Imperial, no Rio Naquela tarde nublada de sexta-feira, a casa de César Oiticica estava um pouco mais triste. O artista de 85 anos estava acostumado a ver suas obras mais recentes, esculturas tridimensionais, saltando das paredes de sua residência, no bairro do Jardim Botânico, Zona Sul do Rio. Após quase uma década de “exibição doméstica”, saíram naquele dia para compor sua primeira mostra individual, “Frente a frente”, que abriu quarta-feira no Paço Imperial. Antes, César — irmão de Hélio Oiticica (1937-1980) — participou apenas de coletivas do Grupo Frente, do qual fez parte entre 1954 e 1956 e é o único artista vivo. Criado há 70 anos, o movimento agitou o cenário da arte brasileira ao abraçar a abstração geométrica. Deste período, César levou para o Paço algumas telas. — Essa casa estava muito mais feliz com as obras — brinca César, na verdade contente em saber que as obras passaram a ser vistas pelo público. Paulo Venancio Filho, curador, lembra que o conteúdo da mostra, em cartaz até 2 de fevereiro do ano que vem, é quase todo novo. — Praticamente tudo nessa exposição é inédito. Nada disso foi visto — diz o curador. Obra tridimensional de César Oiticica, produzida em 2016, tem paleta que vai do laranja aos tons róseos Divulgação Em grande medida, o ineditismo de “Frente a frente” se deve ao fato de que César ficou um período de cerca de 50 anos afastado de sua carreira artística. Pouco tempo após se desintegrar do Grupo Frente, o artista se mudou para Manaus (AM) e começou a trabalhar como arquiteto. A volta à arte aconteceu por volta de 2015, quando ele começou a criar as obras tridimensionais, algo que, de acordo com César, tem um pé na sua experiência com a arquitetura. Sua mulher, Maria, inclusive revela que ele não chegou chegou a parar totalmente. — Ele não estava totalmente parado. Fazia uma ou outra coisa para mim, uns relevinhos — lembra ela, citando os embriões das obras que agora são reveladas na exposição. Outro impulso que o artista teve para retomar a carreira artística foi o período em que esteve à frente do Projeto Hélio Oiticica. O curador Paulo Venancio Filho vê inclusive um elo entre as obras dos irmãos: — Uma coisa muito importante nesses trabalhos tridimensionais é a presença de cores monocromáticas, muito intensas: o amarelo, o vermelho, o laranja. Acredito que isso tenha relação, inclusive, com o Hélio, que também trabalhava com esse registro cromático — afirma o curador, ao que César concorda. César Oiticica à frente de uma obra tridimensional, na sua residência, no Rio Guito Moreto Apenas garotos César e Hélio pertenceram ao mesmo Grupo Frente. Quando o movimento surgiu, o primeiro tinha 16 anos; o segundo, 18. Integrava o grupo ainda nomes como Abraham Palatnik, Aluísio Carvão, Lygia Clark, Lygia Pape, Franz Weissmann, Rubem Ludolf, além de Ivan Serpa, a quem César chama com carinho de “chefão”. O artista lembra que havia reuniões semanais, em que cada integrante precisava levar alguma produção recente para mostrar aos colegas. — A gente não falava muito nas reuniões. Quem falava mesmo era nosso chefão, o Serpa — recorda César. — Ele chamava a gente um por um para apresentar o que tinha de novo, ficando na função de corrigir e, de alguma forma, moldar a nossa produção. Ele era espetacular. E a gente, tão pequeno em relação a ele… Um dos períodos que o artista lembra com mais nostalgia é quando o “chefão” viajou, lhe confiando uma missão especial: dar aulas de arte às crianças. — Durante dois anos ele me escolheu como substituto para ensinar as crianças a desenvolver as suas potencialidades individuais e coletivas — diz César. Tela de César Oiticica, que segue a abstração geométrica, produzida entre 2017 e 2018 Divulgação Formas que se cruzam Naquele período, a produção artística de César se baseava muito na junção de nuances abstratas, seguindo linhas geométricas. Algumas delas estão na exposição do Paço, como cartões (que eram vendidos pelo grupo no MAM Rio) recheados de faixas, que se subdividem em formas arredondadas. Há ainda uma tela de produção recente, mas que lembra sua criação no Grupo Frente: as divisões verticais, em tons de azul, são perpassadas por quadriláteros brancos, formas que se encontram e se cruzam, frente a frente. — É admirável que um artista fique 50 anos sem produzir e, de repente, volta à sua produção artística. Uma coisa rara — diz Paulo Venancio Filho. — O César podia simplesmente ter largado tudo isso, esquecido essas telas de 1950. Acontece muito, mas com ele, há a persistência de um pulso artístico que continua se manifestando.
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