Ex-sócios, os arquitetos Thiago Bernardes e Miguel Pinto Guimarães celebram novos projetos a quatro mãos
Os profissionais ainda comemoram 50 anos de vida e 30 de carreira, com obras no currículo como o MAR, o Museu de Arte do Rio (Thiago Bernardes), e a revitalização do Jardim de Alah, no Rio (Miguel Pinto Guimarães) Eles têm uma vida inteira em comum, tão interessante quanto a arquitetura admirada, cheia de bossa e premiadíssima que praticam. Os dois começaram jovens, foram sócios e depois seguiram caminhos diferentes. Thiago Bernardes traz no currículo obras como o MAR, o Museu de Arte do Rio; e o Hotel Fasano Angra dos Reis. No ano que vem, entrega a reforma e um novo anexo da Fundação Albuquerque, em Sintra, Portugal (seu escritório mantém uma filial em Lisboa), além da ampliação dos institutos Moreira Salles e Burle Marx, no Rio. Já a assinatura de Miguel Pinto Guimarães está na revitalização do Jardim de Alah, no Rio, e no condomínio do Grupo Carnaúba, no Preá, Ceará (ambos com seu sócio na Opy, Sérgio Conde Caldas), e também na Escola Eleva Urca. Sem contar as inúmeras residências, projetadas por um ou por outro, que carregam o espírito carioca do bem viver: amplitude, linhas limpas, estrutura moderna, toques de brasilidade e, sobretudo, conforto. “Fazemos casas para serem usadas de pés descalços”, define Miguel. “É esse despojamento que trazemos para a arquitetura.” Thiago se conecta com o mesmo jeito de morar: “Eu me sinto meio embaixador de dois mundos, tento equalizar São Paulo e Rio. A arquitetura paulistana era mais fechada, voltada para dentro. Hoje, com a mudança no clima, vive essa desconstrução que o Rio propõe”. Projeto que a dupla está tocando, em Santa Catarina Divulgação Os dois acabam de completar 50 anos de vida e 30 de carreira. E, de presente, ganharam um reencontro. Por coincidência, foram convidados para criar torres vizinhas, em Porto Belo, Santa Catarina. Não demorou para decidirem juntar as pranchetas (sim, eles adoram desenhar para valer) e projetar o complexo inteiro, um resort com residencial, hotel, restaurantes, cafés. Mas as novidades não param por aí. A dupla também estreia, em breve, no design: vai criar uma luminária para a Lumini, empresa de iluminação. Os dois concederam esta entrevista no escritório de Thiago, na Vila Madalena, em São Paulo. Foram quase duas horas de conversa entremeada por lembranças e reflexões sobre a profissão. Um balanço de uma amizade que segue firme, forte e amorosa. O segredo, talvez, esteja no contraste. Miguel é extrovertido. Thiago, reservado — tão tímido que nem queria que seu nome aparecesse na marca do primeiro escritório. A arquitetura entrou na vida deles quando ainda eram crianças. “Sempre soube que seria arquiteto. Era meio nerd, passava o fim de semana inteiro desenhando”, diz Miguel. Já Thiago cresceu vendo o pai, Claudio, e o avô, Sérgio, dois ícones da arquitetura, em ação: “As obras eram meu parque de diversões”. A Casa Península, no Guarujá (SP): da prancheta de Thiago Divulgação Com pouco mais de 15 anos, Miguel e Thiago passaram a integrar, como estagiários, a equipe de Claudio. Abriram o escritório com 18 e seguiram juntos pela década seguinte. O projeto de estreia foi um quarto para Diogo Pires Gonçalves, empresário, hoje marido de Marisa Monte. No dia a dia eram afinados e se completavam. Um tinha uma ideia, o outro a fazia crescer. E, quando era um desastre, a sinceridade falava mais alto. “Às vezes, eu sabia que o projeto estava ruim e ficava esticando para ver se ficava bom. O Thiago passava e falava: ‘isso está uma m...’ Aí eu jogava fora e começava de novo (risos)”. Thiago emenda: “Por isso é muito bom ter sócio!”. A morte precoce de Cláudio Bernardes, em um acidente de carro no Mato Grosso do Sul, aos 52 anos, em 2001, surpreendeu a todos. No escritório do arquiteto, que tinha um braço em São Paulo, cem projetos aguardavam para serem concluídos. Para Thiago, não havia outra escolha senão tocar o negócio. “Ele morreu sem juntar dinheiro. Eu precisava ajudar a família, minha mãe, minhas irmãs”, lembra. Miguel avisou que acataria a decisão do amigo. Então, se juntaram ao sócio de Claudio, Paulo Jacobsen, e encararam o desafio. “Daqueles cem clientes, apenas um desistiu de seguir com a gente”, lembra Miguel. Thiago trocou o Rio por São Paulo e foi vivendo o luto como podia (no ano seguinte, perdeu também o avô), enquanto Miguel ficava na ponte aérea. “Só sete anos depois, eu caí, exausto por enfrentar a loucura do trabalho, por lidar com a cobrança de ‘ser filho de’, ‘neto de’. Comprei um carro e saí viajando um mês sozinho. Perdi alguns clientes, mas foi importante”, conta Thiago. O estresse pesou para os dois e a sociedade acabou. Mas não o respeito. “Temos uma amizade e uma admiração enorme um pelo outro. Crescemos juntos, aprendemos o ofício juntos. Eu admiro a vontade de ousar, de experimentar do Thiago. Seus projetos são muito diferentes entre si”, elogia Miguel. Já Thiago reconhece no amigo um talento que via em Claudio: “O Miguel é expansivo, tem essa coisa generosa, de ser agregador. Tem facilidade para se r
Os profissionais ainda comemoram 50 anos de vida e 30 de carreira, com obras no currículo como o MAR, o Museu de Arte do Rio (Thiago Bernardes), e a revitalização do Jardim de Alah, no Rio (Miguel Pinto Guimarães) Eles têm uma vida inteira em comum, tão interessante quanto a arquitetura admirada, cheia de bossa e premiadíssima que praticam. Os dois começaram jovens, foram sócios e depois seguiram caminhos diferentes. Thiago Bernardes traz no currículo obras como o MAR, o Museu de Arte do Rio; e o Hotel Fasano Angra dos Reis. No ano que vem, entrega a reforma e um novo anexo da Fundação Albuquerque, em Sintra, Portugal (seu escritório mantém uma filial em Lisboa), além da ampliação dos institutos Moreira Salles e Burle Marx, no Rio. Já a assinatura de Miguel Pinto Guimarães está na revitalização do Jardim de Alah, no Rio, e no condomínio do Grupo Carnaúba, no Preá, Ceará (ambos com seu sócio na Opy, Sérgio Conde Caldas), e também na Escola Eleva Urca. Sem contar as inúmeras residências, projetadas por um ou por outro, que carregam o espírito carioca do bem viver: amplitude, linhas limpas, estrutura moderna, toques de brasilidade e, sobretudo, conforto. “Fazemos casas para serem usadas de pés descalços”, define Miguel. “É esse despojamento que trazemos para a arquitetura.” Thiago se conecta com o mesmo jeito de morar: “Eu me sinto meio embaixador de dois mundos, tento equalizar São Paulo e Rio. A arquitetura paulistana era mais fechada, voltada para dentro. Hoje, com a mudança no clima, vive essa desconstrução que o Rio propõe”. Projeto que a dupla está tocando, em Santa Catarina Divulgação Os dois acabam de completar 50 anos de vida e 30 de carreira. E, de presente, ganharam um reencontro. Por coincidência, foram convidados para criar torres vizinhas, em Porto Belo, Santa Catarina. Não demorou para decidirem juntar as pranchetas (sim, eles adoram desenhar para valer) e projetar o complexo inteiro, um resort com residencial, hotel, restaurantes, cafés. Mas as novidades não param por aí. A dupla também estreia, em breve, no design: vai criar uma luminária para a Lumini, empresa de iluminação. Os dois concederam esta entrevista no escritório de Thiago, na Vila Madalena, em São Paulo. Foram quase duas horas de conversa entremeada por lembranças e reflexões sobre a profissão. Um balanço de uma amizade que segue firme, forte e amorosa. O segredo, talvez, esteja no contraste. Miguel é extrovertido. Thiago, reservado — tão tímido que nem queria que seu nome aparecesse na marca do primeiro escritório. A arquitetura entrou na vida deles quando ainda eram crianças. “Sempre soube que seria arquiteto. Era meio nerd, passava o fim de semana inteiro desenhando”, diz Miguel. Já Thiago cresceu vendo o pai, Claudio, e o avô, Sérgio, dois ícones da arquitetura, em ação: “As obras eram meu parque de diversões”. A Casa Península, no Guarujá (SP): da prancheta de Thiago Divulgação Com pouco mais de 15 anos, Miguel e Thiago passaram a integrar, como estagiários, a equipe de Claudio. Abriram o escritório com 18 e seguiram juntos pela década seguinte. O projeto de estreia foi um quarto para Diogo Pires Gonçalves, empresário, hoje marido de Marisa Monte. No dia a dia eram afinados e se completavam. Um tinha uma ideia, o outro a fazia crescer. E, quando era um desastre, a sinceridade falava mais alto. “Às vezes, eu sabia que o projeto estava ruim e ficava esticando para ver se ficava bom. O Thiago passava e falava: ‘isso está uma m...’ Aí eu jogava fora e começava de novo (risos)”. Thiago emenda: “Por isso é muito bom ter sócio!”. A morte precoce de Cláudio Bernardes, em um acidente de carro no Mato Grosso do Sul, aos 52 anos, em 2001, surpreendeu a todos. No escritório do arquiteto, que tinha um braço em São Paulo, cem projetos aguardavam para serem concluídos. Para Thiago, não havia outra escolha senão tocar o negócio. “Ele morreu sem juntar dinheiro. Eu precisava ajudar a família, minha mãe, minhas irmãs”, lembra. Miguel avisou que acataria a decisão do amigo. Então, se juntaram ao sócio de Claudio, Paulo Jacobsen, e encararam o desafio. “Daqueles cem clientes, apenas um desistiu de seguir com a gente”, lembra Miguel. Thiago trocou o Rio por São Paulo e foi vivendo o luto como podia (no ano seguinte, perdeu também o avô), enquanto Miguel ficava na ponte aérea. “Só sete anos depois, eu caí, exausto por enfrentar a loucura do trabalho, por lidar com a cobrança de ‘ser filho de’, ‘neto de’. Comprei um carro e saí viajando um mês sozinho. Perdi alguns clientes, mas foi importante”, conta Thiago. O estresse pesou para os dois e a sociedade acabou. Mas não o respeito. “Temos uma amizade e uma admiração enorme um pelo outro. Crescemos juntos, aprendemos o ofício juntos. Eu admiro a vontade de ousar, de experimentar do Thiago. Seus projetos são muito diferentes entre si”, elogia Miguel. Já Thiago reconhece no amigo um talento que via em Claudio: “O Miguel é expansivo, tem essa coisa generosa, de ser agregador. Tem facilidade para se relacionar com os clientes. Eu, não. Com o tempo, entendi que as dificuldades que tivemos no fim do relacionamento eram resultado de virtudes dele. Vivemos um casamento, com coisas boas e ruins.” Na vida pessoal, experimentam recomeços. Em fevereiro, nasce o terceiro filho de Thiago. O terceiro de Miguel, Joaquim, está com 2 anos, e o Instituto Manu, criado para capacitar líderes em urbanismo nas comunidades, uma homenagem à filha, que morreu em 2019 vítima de leucemia, está decolando. A entrevista chega ao fim, e Thiago lembra do CD que deu de presente a Claudio, quando ele fez 50 anos. Saca o celular e toca “50 Anos”, de Aldir Blanc e Cristóvão Bastos; Paulinho da Viola canta: “Acolho o futuro de braços abertos... Aos 50 anos, insisto na juventude”. Definição perfeita da dupla.
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