'Consenso no G20 criaria tabuleiro diferente para futuro com Trump', diz Tatiana Rosito, coordenadora da trilha de finanças
Secretária de Assuntos Internacionais da Fazenda diz que Brasil colocou desigualdade no centro do debate e aposta na inclusão da taxação dos super-ricos em documento final Secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, a embaixadora Tatiana Rosito afirmou ao GLOBO que uma declaração forte e consensual do G20 pode ajudar os países a lidarem com a chegada ao poder de Donald Trump, crítico do multilateralismo e dos compromissos ambientais. “Ainda que espelhe uma foto de agora, ajuda, porque se tivermos a maioria dos países convencida, temos um tabuleiro diferente para o futuro”, diz. “É preciso considerar que o sistema já passou por isso uma vez. E o Acordo de Paris continua de pé", afirma. Ela admite que entrou no radar da diplomacia brasileira a possibilidade de a Argentina voltar atrás em acordos firmados e dificultar a tarefa de se chegar a um consenso. "Não é impossível, sobretudo diante dessa orientação agora na COP29 que eles busquem se dissociar", afirma. Coordenadora da trilha de finanças do G20, ela diz que o mérito da presidência do Brasil foi ter levado a desigualdade para o centro do debate. Rosito aposta na inclusão da tributação dos super-ricos na declaração final, uma das propostas brasileiras que foi aprovada pelos ministros dos países do G20, e não vê como demérito o fato de não se ter no horizonte a adoção de um percentual de taxação dos bilionários no documento final. “O que consensuamos a nível de ministros é um piso”, diz. Leia trechos da entrevista. Apesar de muitos documentos aprovados, agora teremos a parte mais delicada, da seleção do que entrará na declaração final. Quais são os pontos sensíveis? De forma geral, estamos confortáveis. Todos os pontos foram consensuados em nível de ministros e presidentes do Banco Central, incluindo a tributação de indivíduos de altíssima renda, área em que a gente começou com algum descrédito. O presidente Lula nos orientou a colocar a desigualdade no centro da agenda econômica internacional. E a tributação dos super ricos simboliza isso. Os dados são alarmantes: 10% dos indivíduos têm 75% da riqueza, enquanto 50% têm 2% da riqueza. Colocamos na agenda sabendo que é complexo e que a tributação, por excelência, é um tema de soberania dos países. O Brasil não conseguiu negociar já um percentual de tributação mínimo ou um sistema global para taxar os super-ricos. Há risco de esse tema ficar de fora da declaração final ou com uma breve menção? Esse tema constará da declaração final. Não tínhamos a veleidade de que sairíamos com uma proposta pronta e acabada. É natural que tenhamos de seguir trabalhando. A implementação é parte do processo. O que consensuamos a nível de ministros é um piso. Agora, há que se aguardar as declarações. Nesse meio tempo, houve mudanças de governo. Algumas não afetam agora, mas vamos aguardar. Pela trilha de finanças, levamos a situação o mais confortável possível para os chefes e líderes, que foi o consenso. Ah, não vão citar (na declaração final)? Não esperaria, mas vamos ver. O que será difícil de negociar? Estamos trabalhando por uma declaração enxuta. Não é uma declaração igual à de Nova Delhi. Teremos resultados num documento que é parte da declaração, mas à parte. Além do tema da tributação progressiva, teremos a reforma dos bancos multilaterais e a parte de financiamento climático, outra área com entregas importantes. A proposta brasileira de trocar dívida por investimento no caso da África não ganhou tração. Também não houve avanço em como resolver o alto endividamento de países em desenvolvimento. Especificamente no caso do debt swaps (troca de dívidas por outras obrigações), começamos em dezembro do ano passado com uma resistência bastante significativa. Mas, ainda que não se tenha aprovado uma iniciativa global, o tema entrou na agenda e vai continuar. Há um consenso de que isso pode ser usado. Não é uma bala de prata. Não era nossa intenção dizer que isso era a solução para a dívida, mas é um dos instrumentos importantes para aliviar alguns países do ponto de vista fiscal. Olhando para a implementação da reforma dos bancos multilaterais, teremos África do Sul na presidência do G20 e, em 2025, assumirão os Estados Unidos, sob o comando de Donald Trump. Quais os riscos? O G20 trabalha por consenso. Mas ele também serve como foro de diálogo e para fazer o que é possível. Vozes dissonantes podem trazer dificuldades para o ritmo de implementação, mas é preciso considerar que o sistema é muito mais amplo do que isso. Temos de ver como serão as manifestações do presidente eleito (Donald Trump). O sistema já passou por isso uma vez. E o Acordo de Paris continua de pé. Você tem boa parte do mundo comprometida com a transição energética. Isso precisa ser levado em conta. Esse não era exatamente o cenário em 2016 (quando Trump foi eleito a primeira vez). Considerando a esperada guinada de visão na maior economia do mundo, a declaração do G20 podeser uma espécie de vacina a Trump? Vacina seria forte,
Secretária de Assuntos Internacionais da Fazenda diz que Brasil colocou desigualdade no centro do debate e aposta na inclusão da taxação dos super-ricos em documento final Secretária de Assuntos Internacionais do Ministério da Fazenda, a embaixadora Tatiana Rosito afirmou ao GLOBO que uma declaração forte e consensual do G20 pode ajudar os países a lidarem com a chegada ao poder de Donald Trump, crítico do multilateralismo e dos compromissos ambientais. “Ainda que espelhe uma foto de agora, ajuda, porque se tivermos a maioria dos países convencida, temos um tabuleiro diferente para o futuro”, diz. “É preciso considerar que o sistema já passou por isso uma vez. E o Acordo de Paris continua de pé", afirma. Ela admite que entrou no radar da diplomacia brasileira a possibilidade de a Argentina voltar atrás em acordos firmados e dificultar a tarefa de se chegar a um consenso. "Não é impossível, sobretudo diante dessa orientação agora na COP29 que eles busquem se dissociar", afirma. Coordenadora da trilha de finanças do G20, ela diz que o mérito da presidência do Brasil foi ter levado a desigualdade para o centro do debate. Rosito aposta na inclusão da tributação dos super-ricos na declaração final, uma das propostas brasileiras que foi aprovada pelos ministros dos países do G20, e não vê como demérito o fato de não se ter no horizonte a adoção de um percentual de taxação dos bilionários no documento final. “O que consensuamos a nível de ministros é um piso”, diz. Leia trechos da entrevista. Apesar de muitos documentos aprovados, agora teremos a parte mais delicada, da seleção do que entrará na declaração final. Quais são os pontos sensíveis? De forma geral, estamos confortáveis. Todos os pontos foram consensuados em nível de ministros e presidentes do Banco Central, incluindo a tributação de indivíduos de altíssima renda, área em que a gente começou com algum descrédito. O presidente Lula nos orientou a colocar a desigualdade no centro da agenda econômica internacional. E a tributação dos super ricos simboliza isso. Os dados são alarmantes: 10% dos indivíduos têm 75% da riqueza, enquanto 50% têm 2% da riqueza. Colocamos na agenda sabendo que é complexo e que a tributação, por excelência, é um tema de soberania dos países. O Brasil não conseguiu negociar já um percentual de tributação mínimo ou um sistema global para taxar os super-ricos. Há risco de esse tema ficar de fora da declaração final ou com uma breve menção? Esse tema constará da declaração final. Não tínhamos a veleidade de que sairíamos com uma proposta pronta e acabada. É natural que tenhamos de seguir trabalhando. A implementação é parte do processo. O que consensuamos a nível de ministros é um piso. Agora, há que se aguardar as declarações. Nesse meio tempo, houve mudanças de governo. Algumas não afetam agora, mas vamos aguardar. Pela trilha de finanças, levamos a situação o mais confortável possível para os chefes e líderes, que foi o consenso. Ah, não vão citar (na declaração final)? Não esperaria, mas vamos ver. O que será difícil de negociar? Estamos trabalhando por uma declaração enxuta. Não é uma declaração igual à de Nova Delhi. Teremos resultados num documento que é parte da declaração, mas à parte. Além do tema da tributação progressiva, teremos a reforma dos bancos multilaterais e a parte de financiamento climático, outra área com entregas importantes. A proposta brasileira de trocar dívida por investimento no caso da África não ganhou tração. Também não houve avanço em como resolver o alto endividamento de países em desenvolvimento. Especificamente no caso do debt swaps (troca de dívidas por outras obrigações), começamos em dezembro do ano passado com uma resistência bastante significativa. Mas, ainda que não se tenha aprovado uma iniciativa global, o tema entrou na agenda e vai continuar. Há um consenso de que isso pode ser usado. Não é uma bala de prata. Não era nossa intenção dizer que isso era a solução para a dívida, mas é um dos instrumentos importantes para aliviar alguns países do ponto de vista fiscal. Olhando para a implementação da reforma dos bancos multilaterais, teremos África do Sul na presidência do G20 e, em 2025, assumirão os Estados Unidos, sob o comando de Donald Trump. Quais os riscos? O G20 trabalha por consenso. Mas ele também serve como foro de diálogo e para fazer o que é possível. Vozes dissonantes podem trazer dificuldades para o ritmo de implementação, mas é preciso considerar que o sistema é muito mais amplo do que isso. Temos de ver como serão as manifestações do presidente eleito (Donald Trump). O sistema já passou por isso uma vez. E o Acordo de Paris continua de pé. Você tem boa parte do mundo comprometida com a transição energética. Isso precisa ser levado em conta. Esse não era exatamente o cenário em 2016 (quando Trump foi eleito a primeira vez). Considerando a esperada guinada de visão na maior economia do mundo, a declaração do G20 podeser uma espécie de vacina a Trump? Vacina seria forte, mas um consenso, mesmo que pontual nessa direção, ajuda. Ainda que ele espelhe uma foto de agora, de novembro, ele ajuda, porque se tiver a maioria dos países convencida, você tem um diferente tabuleiro para o futuro. Claro que vamos ter que sempre perseguir o consenso. Hoje é difícil antecipar. No passado, o presidente Trump participou do próprio G20. Não acredito que, da noite para o dia, os Estados Unidos vão perder o interesse, por exemplo, numa coordenação mais forte ou em cooperação na área de minerais críticos, por exemplo. Ou na área de renováveis. Antes de Trump, temos a Argentina de Javier Milei. Os argentinos deixaram a COP29 em Baku e, na reunião dos Sherpas (representantes dos chefes de Estado), reiteraram dificuldades com conceitos como Agenda 2030, Pacto pelo Futuro. Trabalham com cenário da Argentina não endossar o documento final? Por enquanto, não. Mas é possível? É possível. Nós também não sabemos ainda qual é o limite desse entendimento. Vamos trabalhar pelo consenso. Não é impossível, sobretudo diante dessa orientação agora na COP29 que eles busquem se dissociar de um consenso. Temos que aguardar para ver como eles vão se posicionar aqui. Qual seria o impacto caso a Argentina adote essa postura isolada? Difícil especular. O impacto seria a Argentina se dissociar. Houve um consenso em termos de ministros e presidentes do Banco Central. O que significa se não houver em termos de presidentes? Significa uma orientação política mais ampla, uma revisão de posições? A exemplo do presidente eleito Donald Trump, o presidente Milei também teve algumas mudanças de postura, está planejando uma visita à China. A promessa é de um EUA protecionista com Donald Trump. O Brasil deveria adotar uma postura mais pragmática para fazer com que frentes de negociação deslanchem mais rapidamente? Temos em negociação um acordo Mercosul e União Europeia, estamos na iminência de uma visita de Estado do presidente chinês (Xi Jinping). O Brasil assume em 2025 papéis muito relevantes, com presidência dos Brics e COP30. Uma declaração de sucesso, de consenso e forte do G20 é importante para o trabalho que vamos realizar adiante. Pela primeira vez em décadas, o Brasil tem vantagens comparativas: na transição energética e na transformação ecológica, que são muito grandes internacionalmente. Aconteceu, de alguma forma, no início dos anos 2000, com o boom das commodities. Foi muito importante para o Brasil. As exportações nos deram a possibilidade de acumular reservas, que são um grande mitigador. O Brasil é o país com a matriz energética mais limpa do G20. Muitos países ainda vão levar décadas para chegar lá. Com o Plano de Transformação Ecológica, mudanças regulatórias, plataforma de investimentos climáticos, reforma tributária e ajustes na área fiscal, estamos nos fortalecendo para enfrentar um mundo que é mais incerto, mas no qual, felizmente, o Brasil tem vantagens comparativas reais.
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