Análise: Na COP29 em Baku, multilateralismo teve vitória de Pirro
Meta de financiamento climático acordada na COP29 mantém bola rolando, mas a custo de quebra de confiança entre os países que dificulta ação “É piada isso?”, questionou o embaixador boliviano Diego Pacheco quando ouviu que os países ricos estavam dispostos a botar apenas US$ 200 bilhões por ano na mesa como financiamento climático e que esse montante incluía capital privado e empréstimos de bancos multilaterais. O mundo em desenvolvimento exigia ao menos US$ 1 trilhão em recursos públicos na COP29, a conferência do clima de Baku. Mas a COP terminou no domingo com um acordo para a mobilização de US$ 300 bilhões anuais de várias fontes para a ação climática e a promessa de um dia atingirmos US$ 1,3 trilhão, sabe Deus como. Um imenso "na volta a gente compra". Entenda: Conferência na Coreia do Sul negocia tratado global contra a poluição por plásticos Especialista alerta: Planeta será 'incapaz de lidar' com volume de resíduos plásticos em 10 anos A cifra de US$ 300 bilhões mal repõe as perdas inflacionárias em relação à meta anterior, acordada em 2015 de US$ 100 bilhões anuais entre 2020 e 2025. Além disso, e apesar das críticas à falta de transparência no cômputo dos 100 bi, a Convenção do Clima da ONU não conseguiu, em três anos de negociação da NCQG (Nova Meta Quantificada Coletiva), arrancar nada muito diferente do que havia. Os países ricos alegam uma crise fiscal que de fato existe para não abrir o bolso, mas silenciam sobre os trilhões de dólares anuais que empatam em guerras e em subsídios a combustíveis fósseis. Tiveram tempo para bolar saídas, mas confiaram no fato de que, no processo multilateral, quem pode mais sempre chora menos. E empurraram o acordo goela abaixo do mundo em desenvolvimento usando o argumento matador de que amanhã vai ser pior: com Trump no poder e incertezas políticas da Alemanha ao Canadá, não há de sobrar boa vontade de 2025 em diante. Baku viveu duas semanas dramáticas, nas quais as desconfianças entre os países atingiram o zênite e o regime multilateral de clima adernou, sob o timão inepto da presidência azeri (o ditador Ilham Aliyev abriu a COP elogiando o petróleo como um “presente de Deus”). O acordão da NCQG, com a promessa de um “mapa do caminho” para atingir US$ 1,3 trilhão a ser desenhado ano que vem em Belém, evitou o cenário de colapso (nos corredores, diplomatas invocavam a fracassada cúpula de Copenhague, em 2009) e deu sobrevida à Convenção do Clima. Mas a que custo? 'Tecnologia inigualável': Cingapura serve cerveja feita de esgoto durante a COP29 para chamar atenção para a reciclagem de água Os países em desenvolvimento vêm sendo pressionados a aumentar suas metas de corte de emissões de CO2 para que a humanidade ainda tenha chance de limitar o aquecimento global a menos de 2ºC, como determina o Acordo de Paris. Exigem em troca financiamento para a transição energética e dinheiro para se adaptar aos impactos cada vez mais graves de eventos extremos (diferentemente de uma usina solar, que dá dinheiro, um piscinão para conter enchentes só pode ser feito com recursos públicos). Não tiveram nada disso em Baku; o que dirão no ano que vem, na COP do Brasil, quando o mundo desenvolvido pedir-lhes cortes radicais e necessários de carbono? O próximo round dessa batalha está marcado para Belém do Pará em novembro de 2025, com a desconfiança entre os países em grau máximo. A hábil diplomacia brasileira vai ter que rebolar para entregar alguma ambição na COP30 num cenário desses. Claudio Angelo é coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima e autor de O silêncio da motosserra – quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia (Companhia das Letras, 2024)
Meta de financiamento climático acordada na COP29 mantém bola rolando, mas a custo de quebra de confiança entre os países que dificulta ação “É piada isso?”, questionou o embaixador boliviano Diego Pacheco quando ouviu que os países ricos estavam dispostos a botar apenas US$ 200 bilhões por ano na mesa como financiamento climático e que esse montante incluía capital privado e empréstimos de bancos multilaterais. O mundo em desenvolvimento exigia ao menos US$ 1 trilhão em recursos públicos na COP29, a conferência do clima de Baku. Mas a COP terminou no domingo com um acordo para a mobilização de US$ 300 bilhões anuais de várias fontes para a ação climática e a promessa de um dia atingirmos US$ 1,3 trilhão, sabe Deus como. Um imenso "na volta a gente compra". Entenda: Conferência na Coreia do Sul negocia tratado global contra a poluição por plásticos Especialista alerta: Planeta será 'incapaz de lidar' com volume de resíduos plásticos em 10 anos A cifra de US$ 300 bilhões mal repõe as perdas inflacionárias em relação à meta anterior, acordada em 2015 de US$ 100 bilhões anuais entre 2020 e 2025. Além disso, e apesar das críticas à falta de transparência no cômputo dos 100 bi, a Convenção do Clima da ONU não conseguiu, em três anos de negociação da NCQG (Nova Meta Quantificada Coletiva), arrancar nada muito diferente do que havia. Os países ricos alegam uma crise fiscal que de fato existe para não abrir o bolso, mas silenciam sobre os trilhões de dólares anuais que empatam em guerras e em subsídios a combustíveis fósseis. Tiveram tempo para bolar saídas, mas confiaram no fato de que, no processo multilateral, quem pode mais sempre chora menos. E empurraram o acordo goela abaixo do mundo em desenvolvimento usando o argumento matador de que amanhã vai ser pior: com Trump no poder e incertezas políticas da Alemanha ao Canadá, não há de sobrar boa vontade de 2025 em diante. Baku viveu duas semanas dramáticas, nas quais as desconfianças entre os países atingiram o zênite e o regime multilateral de clima adernou, sob o timão inepto da presidência azeri (o ditador Ilham Aliyev abriu a COP elogiando o petróleo como um “presente de Deus”). O acordão da NCQG, com a promessa de um “mapa do caminho” para atingir US$ 1,3 trilhão a ser desenhado ano que vem em Belém, evitou o cenário de colapso (nos corredores, diplomatas invocavam a fracassada cúpula de Copenhague, em 2009) e deu sobrevida à Convenção do Clima. Mas a que custo? 'Tecnologia inigualável': Cingapura serve cerveja feita de esgoto durante a COP29 para chamar atenção para a reciclagem de água Os países em desenvolvimento vêm sendo pressionados a aumentar suas metas de corte de emissões de CO2 para que a humanidade ainda tenha chance de limitar o aquecimento global a menos de 2ºC, como determina o Acordo de Paris. Exigem em troca financiamento para a transição energética e dinheiro para se adaptar aos impactos cada vez mais graves de eventos extremos (diferentemente de uma usina solar, que dá dinheiro, um piscinão para conter enchentes só pode ser feito com recursos públicos). Não tiveram nada disso em Baku; o que dirão no ano que vem, na COP do Brasil, quando o mundo desenvolvido pedir-lhes cortes radicais e necessários de carbono? O próximo round dessa batalha está marcado para Belém do Pará em novembro de 2025, com a desconfiança entre os países em grau máximo. A hábil diplomacia brasileira vai ter que rebolar para entregar alguma ambição na COP30 num cenário desses. Claudio Angelo é coordenador de Política Internacional do Observatório do Clima e autor de O silêncio da motosserra – quando o Brasil decidiu salvar a Amazônia (Companhia das Letras, 2024)
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