'Aluno reproduz o que vive em casa', diz especialista sobre aumento de casos de discriminação em escolas

Doutora em educação, Andrea Ramal diz que punição deve ser o último recurso Ambiente escolar, preconceito e discriminação formam uma combinação que ganhou o noticiário diversas vezes nos últimos meses, com casos que tiveram repercussão nacional. No Rio, um estudante de 14 anos foi alvo de injúria racial e homofobia por parte de colegas, um professor denunciou uma aluna por racismo e gordofobia e uma escola recebeu condenação por omissão em caso de cyberbullying contra um aluno. O GLOBO-Barra ouviu a doutora em educação e escritora Andrea Ramal para saber como as instituições de ensino podem enfrentar esses episódios. Para a especialista, a escola precisa chamar os pais para o debate. Réveillon: veja festas que já têm ingressos à venda, com música e bufê liberado Talíria Petrone: 'Internação compulsória é uma farsa'; veja os principais pontos da sabatina com a candidata a prefeita de Niterói Como crianças e adolescentes formam pensamentos preconceituosos? São os valores que a própria criança e o adolescente percebem em alta no seu meio familiar. Há uma frase do filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau que é “O ser humano nasce bom. A sociedade é que o corrompe”. Um bebê recém-nascido não tem como ser preconceituoso. Mas, ao longo do tempo, a criança vai manifestando certas atitudes por imitação e influência, porque absorve tudo que vê. Não adianta os pais falarem para tratar bem os outros, por exemplo, se eles mesmo não o fazem. Se os pais estão assistindo à TV e ficam rindo e dizendo insultos ao verem uma pessoa gorda ou homessexual, isso já é uma influência na educação. Como querer que seu filho não faça o mesmo? Tudo isso acaba sendo levado para a escola, que é um reflexo do que acontece fora dela. Infelizmente, esses casos estão aumentando, porque a sociedade está muito preconceituosa e violenta. Que fatores colaboram para que o aluno tenha atitudes discriminatórias na escola? Uma das coisas mais importantes da escola é o clima institucional. Quando a empresa é altamente competitiva, não existe amizade verdadeira e um puxa o tapete do outro, o próprio ambiente se torna tóxico. Na escola, é a mesma coisa. Se ela é muito voltada para competição entre estudantes, se só se valoriza a nota e o desempenho acadêmico e os professores não nutrem uma boa convivência entre si e têm uma relação muito autoritária com os alunos, por exemplo, isso favorece casos de discriminação. A escola precisa criar um clima de comunidade educativa e com visão humanista, pensando na formação integral do aluno, com atitudes e valores éticos que serão levados para a vida. A família é a principal instituição responsável pela educação, mas a escola tem que ser parceira nessa missão; não pode se reduzir a, simplesmente, ensinar conteúdo. Quais são as melhores formas de conscientizar contra o preconceito? Muitas escolas tentam, mas o que é eficaz? Tem de haver um trabalho preventivo, e isso pode ser feito de diversas maneiras. Com crianças e adolescentes, eu gosto de fazer dinâmicas de grupo. Com os meus alunos, costumava realizar uma dinâmica usando rótulos. Colamos dizeres — como “eu sou tímido”, “eu não tenho opinião própria”, “eu não valho nada” e “eu sou poderoso” — na testa de alguns alunos, que não sabem qual é a própria frase. Pedimos que eles conversem entre si sobre qualquer assunto e, ao longo da conversa, os outros vão reagindo aos rótulos. Por exemplo, aquele que foi rotulado com o “eu não valho nada”, quando abre a boca, ninguém dá ideia. Depois de certo tempo, aquela pessoa, sem saber o seu rótulo, vai assumindo aquela personalidade. Já o “eu sou poderoso”, como todo mundo dá atenção, começa a falar mais e mais. Isso mostra como os rótulos podem determinar relações, comportamentos e traumas sociais. Essas dinâmicas são importantes para desenvolver empatia nos alunos, valor fundamental em uma sociedade individualista. Indo além, a escola também tem que trabalhar muito com as famílias. As reuniões de pais não podem ser só para dizer como estão as notas. Tem que ser formativas de pais. As boas escolas levam palestrantes para discutir temas importantes e conscientizar os responsáveis. A partir de que idade as escolas já devem trabalhar esse assunto? Desde a alfabetização. Na pré-escola, acontecem, às vezes, comportamentos de agressividade, com uma criança mordendo a outra, por exemplo. Isso é normal até os 4 anos, porque é uma fase de brincadeira misturada com descoberta. A partir dos 5, começa a fase não só de leitura das letras, mas do mundo também. Muitas vezes os responsáveis das vítimas acusam as escolas de omissão diante dos casos de discriminação mesmo após serem notificadas. Como a escola deve agir ao tomar ciência de um ato discriminatório? A escola tem que estar sempre atenta à relação entre os alunos. Se acontece um caso de discriminação dentro de sala, o professor nunca deve relevar. Tem que interromper a aula imediatamente e estabelecer uma conversa com os alunos envolvidos, para tentar chegar a uma concilia

Sep 29, 2024 - 19:07
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'Aluno reproduz o que vive em casa', diz especialista sobre aumento de casos de discriminação em escolas

Doutora em educação, Andrea Ramal diz que punição deve ser o último recurso Ambiente escolar, preconceito e discriminação formam uma combinação que ganhou o noticiário diversas vezes nos últimos meses, com casos que tiveram repercussão nacional. No Rio, um estudante de 14 anos foi alvo de injúria racial e homofobia por parte de colegas, um professor denunciou uma aluna por racismo e gordofobia e uma escola recebeu condenação por omissão em caso de cyberbullying contra um aluno. O GLOBO-Barra ouviu a doutora em educação e escritora Andrea Ramal para saber como as instituições de ensino podem enfrentar esses episódios. Para a especialista, a escola precisa chamar os pais para o debate. Réveillon: veja festas que já têm ingressos à venda, com música e bufê liberado Talíria Petrone: 'Internação compulsória é uma farsa'; veja os principais pontos da sabatina com a candidata a prefeita de Niterói Como crianças e adolescentes formam pensamentos preconceituosos? São os valores que a própria criança e o adolescente percebem em alta no seu meio familiar. Há uma frase do filósofo iluminista Jean-Jacques Rousseau que é “O ser humano nasce bom. A sociedade é que o corrompe”. Um bebê recém-nascido não tem como ser preconceituoso. Mas, ao longo do tempo, a criança vai manifestando certas atitudes por imitação e influência, porque absorve tudo que vê. Não adianta os pais falarem para tratar bem os outros, por exemplo, se eles mesmo não o fazem. Se os pais estão assistindo à TV e ficam rindo e dizendo insultos ao verem uma pessoa gorda ou homessexual, isso já é uma influência na educação. Como querer que seu filho não faça o mesmo? Tudo isso acaba sendo levado para a escola, que é um reflexo do que acontece fora dela. Infelizmente, esses casos estão aumentando, porque a sociedade está muito preconceituosa e violenta. Que fatores colaboram para que o aluno tenha atitudes discriminatórias na escola? Uma das coisas mais importantes da escola é o clima institucional. Quando a empresa é altamente competitiva, não existe amizade verdadeira e um puxa o tapete do outro, o próprio ambiente se torna tóxico. Na escola, é a mesma coisa. Se ela é muito voltada para competição entre estudantes, se só se valoriza a nota e o desempenho acadêmico e os professores não nutrem uma boa convivência entre si e têm uma relação muito autoritária com os alunos, por exemplo, isso favorece casos de discriminação. A escola precisa criar um clima de comunidade educativa e com visão humanista, pensando na formação integral do aluno, com atitudes e valores éticos que serão levados para a vida. A família é a principal instituição responsável pela educação, mas a escola tem que ser parceira nessa missão; não pode se reduzir a, simplesmente, ensinar conteúdo. Quais são as melhores formas de conscientizar contra o preconceito? Muitas escolas tentam, mas o que é eficaz? Tem de haver um trabalho preventivo, e isso pode ser feito de diversas maneiras. Com crianças e adolescentes, eu gosto de fazer dinâmicas de grupo. Com os meus alunos, costumava realizar uma dinâmica usando rótulos. Colamos dizeres — como “eu sou tímido”, “eu não tenho opinião própria”, “eu não valho nada” e “eu sou poderoso” — na testa de alguns alunos, que não sabem qual é a própria frase. Pedimos que eles conversem entre si sobre qualquer assunto e, ao longo da conversa, os outros vão reagindo aos rótulos. Por exemplo, aquele que foi rotulado com o “eu não valho nada”, quando abre a boca, ninguém dá ideia. Depois de certo tempo, aquela pessoa, sem saber o seu rótulo, vai assumindo aquela personalidade. Já o “eu sou poderoso”, como todo mundo dá atenção, começa a falar mais e mais. Isso mostra como os rótulos podem determinar relações, comportamentos e traumas sociais. Essas dinâmicas são importantes para desenvolver empatia nos alunos, valor fundamental em uma sociedade individualista. Indo além, a escola também tem que trabalhar muito com as famílias. As reuniões de pais não podem ser só para dizer como estão as notas. Tem que ser formativas de pais. As boas escolas levam palestrantes para discutir temas importantes e conscientizar os responsáveis. A partir de que idade as escolas já devem trabalhar esse assunto? Desde a alfabetização. Na pré-escola, acontecem, às vezes, comportamentos de agressividade, com uma criança mordendo a outra, por exemplo. Isso é normal até os 4 anos, porque é uma fase de brincadeira misturada com descoberta. A partir dos 5, começa a fase não só de leitura das letras, mas do mundo também. Muitas vezes os responsáveis das vítimas acusam as escolas de omissão diante dos casos de discriminação mesmo após serem notificadas. Como a escola deve agir ao tomar ciência de um ato discriminatório? A escola tem que estar sempre atenta à relação entre os alunos. Se acontece um caso de discriminação dentro de sala, o professor nunca deve relevar. Tem que interromper a aula imediatamente e estabelecer uma conversa com os alunos envolvidos, para tentar chegar a uma conciliação. Depois, o comportamento desses alunos tem que ser monitorado, porque, dias depois, pode acontecer de novo. É imprescindível também que as famílias sejam comunicadas do ocorrido e que se exija compromisso dos pais de que a criança será acompanhada em casa, para que a situação não se repita. Acredito que o diálogo tem sempre que vir primeiro, numa tentativa de tentar entender aquele comportamento agressivo. Às vezes, o aluno agressor pode estar sendo vítima de violência em outro lugar. Só em última instância é que se deve entrar com uma punição. Os casos que ganharam repercussão foram em instituições de alto padrão. Isso significa algo? É possível que esses casos tenham ganhado mais repercussão midiática justamente por serem em escolas de alto padrão, mas esse tipo violência acontece em todos os tipos de escolas e tem crescido em todas as classes sociais, infelizmente. E quando o professor é a vítima, como deve proceder? Por pior que seja a ofensa, o professor tem que lembrar que ele é o adulto e o profissional dessa história. Ele é o formador, enquanto o outro está sendo formado. Precisa manter a calma, mas, de maneira nenhuma, deixar para lá. Tem que procurar a direção, que deve tomar as medidas cabíveis junto ao aluno e sua família. A pedagogia atual não prega mais o autoritarismo dentro de sala de aula, mas o professor ainda é a autoridade e merece respeito. Antigamente, o professor era muito exaltado e respeitado. Atualmente, é visto como um empregado e que está ali para servir. A escola está falhando em ser um ambiente acolhedor e que forma cidadãos que respeitem a diversidade? Acredito que a escola já evoluiu bastante nesse sentido. Na antiga pedagogia, o professor chegava à sala de aula com a matéria que ele precisava dar, e o aluno só anotava. Era uma relação autoritária, no sentido de “vou te dizer o que você vai aprender agora; depois, na prova, cobro exatamente o que quero que você saiba. Não me interessa se você está triste ou o se o contexto mundial está de um jeito ou de outro”. Esse ambiente opressor era formador de pessoas passivas. Hoje, a pedagogia moderna valoriza o saber do aluno, que é considerado nas discussões, e traz o conteúdo de forma contextualizada, mostrando como aquilo é importante no dia a dia. Já na parte do respeito às diferenças, as escolas estão atentas. Em vez de Dia dos Pais e das Mães, por exemplo, muitas escolas promovem o Dia da Família atualmente, com o intuito de incluir as famílias não tradicionais. Em relação a pessoas com deficiência, há leis que exigem que esses alunos estejam em classes regulares. Houve uma evolução no que se refere a estar atenta, mas ainda há um longo caminho até a realidade ideal.

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