Agência de jogadores, peixaria e banco digital: assassinato de delator revela a diversidade de negócios do PCC
Em depoimentos que prestou ao Ministério Público de São Paulo meses antes de ser morto, Gritzbach detalhou como enriqueceu após se tornar uma espécie de sócio dos traficantes, ao longo da última década O assassinato de Antônio Vinícius Lopes Gritzbach no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, expôs a miríade de empresas e negócios usada pela maior facção do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), para lavar o dinheiro do tráfico de drogas. Agências de representação de jogadores de futebol, bancos digitais, imobiliárias, empresas de ônibus, drogarias, postos de gasolina e até peixarias fazem parte do portfólio da cúpula da facção para branquear o capital ilícito, mostram documentos que compõem a delação premiada de Gritzbach e inquéritos das polícias Civil e Federal obtidos pelo GLOBO. Morte de delator do PCC: polícia tem imagem dos criminosos, mas ainda desconhece autoria Suposta propina: Delator disse que policiais pediram R$ 40 milhões para retirá-lo de inquérito Na série de depoimentos que prestou ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) nos meses antes de ser morto, Gritzbach detalhou como enriqueceu após se tornar uma espécie de sócio dos traficantes, ao longo da última década. Gritzbach era funcionário de uma imobiliária quando foi apresentado a Cláudio Marcos de Almeida, o Django; Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta; e Silvio Luiz Ferreira, o Cebola — três integrantes da cúpula do PCC fora do sistema penitenciário. Cara Preta e Django foram assassinados entre 2021 e 2022, em meio a uma guerra interna da facção. Cebola, atualmente, está foragido. Na ocasião, contudo, o trio precisava de ajuda para comprar imóveis de luxo e colocá-los em nome de laranjas, para despistar a polícia. Gritzbach topou a empreitada e até usou parentes para lavar o dinheiro. Um tio e um primo do corretor passaram a figurar, no papel, como donos de duas mansões compradas por mais de R$ 7 milhões na Riviera de São Lourenço, em Bertioga, litoral paulista. Os imóveis, na verdade, eram de Django, apontado como um dos maiores fornecedores de armas e drogas do PCC. Numa das mansões, a polícia encontrou um compartimento secreto que permitia a fuga do dono do imóvel, em caso de invasão da casa. Em sua delação, Gritzbach contou que sabia de mais de dez imóveis que foram negociados com a facção nos mesmos moldes. O contato com os criminosos fez o corretor prosperar. Gritzbach deixou de ser um mero funcionário, abriu sua própria imobiliária, comprou mais de uma dezena de imóveis — entre eles, um sítio —, um helicóptero e duas lanchas. Também virou sócio de uma drogaria e de um posto de gasolina na capital paulista e passou a fazer investimentos em criptomoedas. Todo o patrimônio do corretor, estimado em mais de R$ 80 milhões pela polícia, foi bloqueado por ordem da Justiça paulista sob suspeita de ter sido adquirido com o dinheiro do crime. A delação também desvelou a atuação de outro personagem que atuava como operador financeiro do PCC, Robinson Granger de Moura, o Molly. Segundo Gritzbach, Molly já intermediava compras de imóveis para os criminosos em nomes de laranjas e foi o responsável por apresentá-los ao corretor. Gritzbach ainda disse ao MPSP que um apartamento adquirido por mais de R$ 3 milhões na capital paulista ,onde o traficante Cara Preta morava, foi comprado por Molly e, no papel, colocado em nome de sua mulher. Assim como no caso de Gritzbach, a proximidade com o PCC rendeu frutos para Molly, que tem sete empresas em seu nome — entre elas, um posto de gasolina, uma imobiliária e um restaurante de frutos do mar. Atualmente, Molly e seus empreendimentos são investigados pelo MPSP. O GLOBO não conseguiu contato com sua defesa. Vida empresarial Além dos investimentos em imóveis, há uma vida empresarial ativa em nome de Django, Cara Preta e Cebola. Os três são apontados como os donos da UPBus, empresa de ônibus que opera linhas na capital paulista, recebe R$ 600 milhões por ano da prefeitura e é acusada pelo MPSP de movimentar dinheiro do tráfico: Django ainda tem em seu nome mais de R$ 1 milhão em ações da firma; o pai, uma irmã e um primo de Cara Preta também foram acionistas da companhia; e Cebola, segundo a investigação, seria uma espécie de sócio oculto da UPBus. Entrevista: ‘O PCC já usou policiais para executar desafetos’, diz promotor Lincoln Gakiya Caso Gritzbach: Corregedoria afasta policiais citados na delação Gritzbach também apontou em sua delação que Cara Preta, que era gerente do tráfico internacional do Porto de Santos até ser morto, estava por trás de outra empresa, o banco digital Invbank Soluções Financeiras. Segundo o corretor, apesar de seu nome não constar entre os sócios, Cara Preta era o real proprietário do banco, “criado em 2013 com o propósito específico de realizar contratos com construtoras e esquentar dinheiro”. Gritzbach apresentou ao MPSP contratos assinados pelo traficante em operações imobiliárias feitas através do banco. Helicóptero faz parte da lista de bens adquiridos pelo c
Em depoimentos que prestou ao Ministério Público de São Paulo meses antes de ser morto, Gritzbach detalhou como enriqueceu após se tornar uma espécie de sócio dos traficantes, ao longo da última década O assassinato de Antônio Vinícius Lopes Gritzbach no aeroporto de Guarulhos, em São Paulo, expôs a miríade de empresas e negócios usada pela maior facção do país, o Primeiro Comando da Capital (PCC), para lavar o dinheiro do tráfico de drogas. Agências de representação de jogadores de futebol, bancos digitais, imobiliárias, empresas de ônibus, drogarias, postos de gasolina e até peixarias fazem parte do portfólio da cúpula da facção para branquear o capital ilícito, mostram documentos que compõem a delação premiada de Gritzbach e inquéritos das polícias Civil e Federal obtidos pelo GLOBO. Morte de delator do PCC: polícia tem imagem dos criminosos, mas ainda desconhece autoria Suposta propina: Delator disse que policiais pediram R$ 40 milhões para retirá-lo de inquérito Na série de depoimentos que prestou ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) nos meses antes de ser morto, Gritzbach detalhou como enriqueceu após se tornar uma espécie de sócio dos traficantes, ao longo da última década. Gritzbach era funcionário de uma imobiliária quando foi apresentado a Cláudio Marcos de Almeida, o Django; Anselmo Becheli Santa Fausta, o Cara Preta; e Silvio Luiz Ferreira, o Cebola — três integrantes da cúpula do PCC fora do sistema penitenciário. Cara Preta e Django foram assassinados entre 2021 e 2022, em meio a uma guerra interna da facção. Cebola, atualmente, está foragido. Na ocasião, contudo, o trio precisava de ajuda para comprar imóveis de luxo e colocá-los em nome de laranjas, para despistar a polícia. Gritzbach topou a empreitada e até usou parentes para lavar o dinheiro. Um tio e um primo do corretor passaram a figurar, no papel, como donos de duas mansões compradas por mais de R$ 7 milhões na Riviera de São Lourenço, em Bertioga, litoral paulista. Os imóveis, na verdade, eram de Django, apontado como um dos maiores fornecedores de armas e drogas do PCC. Numa das mansões, a polícia encontrou um compartimento secreto que permitia a fuga do dono do imóvel, em caso de invasão da casa. Em sua delação, Gritzbach contou que sabia de mais de dez imóveis que foram negociados com a facção nos mesmos moldes. O contato com os criminosos fez o corretor prosperar. Gritzbach deixou de ser um mero funcionário, abriu sua própria imobiliária, comprou mais de uma dezena de imóveis — entre eles, um sítio —, um helicóptero e duas lanchas. Também virou sócio de uma drogaria e de um posto de gasolina na capital paulista e passou a fazer investimentos em criptomoedas. Todo o patrimônio do corretor, estimado em mais de R$ 80 milhões pela polícia, foi bloqueado por ordem da Justiça paulista sob suspeita de ter sido adquirido com o dinheiro do crime. A delação também desvelou a atuação de outro personagem que atuava como operador financeiro do PCC, Robinson Granger de Moura, o Molly. Segundo Gritzbach, Molly já intermediava compras de imóveis para os criminosos em nomes de laranjas e foi o responsável por apresentá-los ao corretor. Gritzbach ainda disse ao MPSP que um apartamento adquirido por mais de R$ 3 milhões na capital paulista ,onde o traficante Cara Preta morava, foi comprado por Molly e, no papel, colocado em nome de sua mulher. Assim como no caso de Gritzbach, a proximidade com o PCC rendeu frutos para Molly, que tem sete empresas em seu nome — entre elas, um posto de gasolina, uma imobiliária e um restaurante de frutos do mar. Atualmente, Molly e seus empreendimentos são investigados pelo MPSP. O GLOBO não conseguiu contato com sua defesa. Vida empresarial Além dos investimentos em imóveis, há uma vida empresarial ativa em nome de Django, Cara Preta e Cebola. Os três são apontados como os donos da UPBus, empresa de ônibus que opera linhas na capital paulista, recebe R$ 600 milhões por ano da prefeitura e é acusada pelo MPSP de movimentar dinheiro do tráfico: Django ainda tem em seu nome mais de R$ 1 milhão em ações da firma; o pai, uma irmã e um primo de Cara Preta também foram acionistas da companhia; e Cebola, segundo a investigação, seria uma espécie de sócio oculto da UPBus. Entrevista: ‘O PCC já usou policiais para executar desafetos’, diz promotor Lincoln Gakiya Caso Gritzbach: Corregedoria afasta policiais citados na delação Gritzbach também apontou em sua delação que Cara Preta, que era gerente do tráfico internacional do Porto de Santos até ser morto, estava por trás de outra empresa, o banco digital Invbank Soluções Financeiras. Segundo o corretor, apesar de seu nome não constar entre os sócios, Cara Preta era o real proprietário do banco, “criado em 2013 com o propósito específico de realizar contratos com construtoras e esquentar dinheiro”. Gritzbach apresentou ao MPSP contratos assinados pelo traficante em operações imobiliárias feitas através do banco. Helicóptero faz parte da lista de bens adquiridos pelo corretor assassinado Divulgação O delator afirmou ainda que outro integrante do PCC ligado a Cara Preta “se dizia dono de um banco digital”: Rafael Maeda, o Japa, apontado como chefe do “tribunal do crime” do PCC, responsável por julgar e punir integrantes que desagradam a cúpula da facção. Segundo Gritzbach, no papel, o banco de Maeda tinha um policial civil como sócio. O traficante, ainda de acordo com a delação, atuava como sócio oculto de uma agência de jogadores de futebol. Conversas de WhatsApp entregues por Gritzbach aos promotores indicam que Maeda fazia pagamentos, participava da captação de jogadores e tinha voz ativa nas decisões da FFP Agency Ltda, empresa que atua no agenciamento de vários atletas da elite do futebol brasileiro. Japa foi mais uma vítima da guerra interna do PCC: em 14 de maio do ano passado, ele foi encontrado morto num carro blindado no estacionamento de um condomínio de luxo na Zona Leste de São Paulo. Outra agência esportiva tinha um integrante do PCC entre seus sócios: Antônio Corona Neto, o Sem Sangue, braço-direito de Cara Preta, era um dos donos da Agência Promoesporte Brasil. O traficante ainda tinha, em seu nome, outra empresa, a peixaria Aqua Fish Comércio de Peixes. As duas firmas entraram na mira da Polícia Civil após Sem Sangue ser morto a tiros junto com Cara Preta, em dezembro de 2021. Segundo um relatório da 30ª DP (Tatuapé), a Aqua Fish seria “um disfarce perfeito para a exportação de drogas para o exterior através do porto” e a Promoesporte podia estar sendo “utilizada para lavagem de dinheiro, dada a natureza do negócio, transnacional e de difícil fiscalização”. Além de integrantes da cúpula do PCC, Gritzbach delatou policiais civis, que cobravam propina para não investigar a facção. Essas são as duas principais linhas de investigação da força-tarefa criada para investigar o assassinato do delator.
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