Dia a dia no subúrbio e nos ônibus será retratado em 'Volta por cima', nova novela das sete
Trama escrita por Claudia Souto vai abordar cotidiano de fiscais e motoristas de ônibus, além de histórias de superação A ideia é que o público suburbano, a partir de amanhã, sinta-se representado na tela. “Volta por cima”, nova novela das sete da TV Globo, vai mostrar o dia a dia de quem viaja de ônibus — e de quem conduz os coletivos. Parte da trama é ambientada numa garagem rodoviária e na Vila Cambucá, bairro fictício inspirado em lugares como Cascadura e Marechal Hermes, que guardam essa alma de um Rio trabalhador, diverso e com tradições únicas. Cenário perfeito, portanto, para histórias divertidas, comoventes e de superação, baseadas na rotina da maior parcela da população carioca. No topo: Rio supera Paris como uma das cidades mais filmadas no mundo; Marechal Hermes é 3º bairro preferido e já virou 'Marechalwood' Febre: Padarias artesanais se multiplicam na cidade e gourmetizam o pão de cada dia — Felizmente, os grandes veículos de comunicação têm percebido que a maioria do seu público reside nos subúrbios. Dos 156 bairros, temos 87 suburbanos na Zona Norte e 44 na Zona Oeste, enquanto há 17 na Zona Sul e mais 17 na Região Central. Há uma importância estratégica de pensar no cotidiano dessa população, em como ela vê e se identifica com os produtos — explica Rafael Mattoso, historiador e doutorando em História da Cidade e do Urbanismo da UFRJ. Na trama, assinada por Cláudia Souto, um dos principais personanges é Jão, vivido por Fabrício Boliveira e um dos representantes desses trabalhadores suburbanos. Ele entrou jovem na Viação Formosa, empresa fictícia, e conseguiu chegar ao posto de fiscal. Na etapa de preparação para o trabalho, ator foi orientado sobre as posturas e o ofício por Flávio Virgílio, funcionário da Novacap, empresa que tem linhas como a 607 (Cascadura x Rio Comprido) e 371 (Praça Seca x Praça da República). — No cargo de fiscal, é muito importante saber ouvir, entender que ali, além de um motorista, tem um pai de família que pode ou não estar num dia bom — diz o fiscal, que está na função há 22 anos. Luiz Claudio, Fabrício Boliveira e Virgílio posam num dos ônibus da Viação Formosa, empresa fictícia de 'Volta por cima' Ana Branco Do Rio para o Brasil Apesar de cenas e diálogos de personagens dentro de ônibus fazerem parte do imaginário comum do audiovisual, é a primeira vez que uma garagem de ônibus é praticamente um personagem da história numa novela brasileira. Claudia Souto explica que a ideia é possibilitar que outros brasileiros se identifiquem: — Mesmo criando uma trama que se passa no Rio, quis estabelecer uma ligação com todo o Brasil através de duas coisas comuns a todas as regiões do país: o subúrbio e o transporte coletivo, no caso a empresa de ônibus — diz a autora. Mattoso lembra de o subúrbio ter sido retratado em produções como “Senhora do Destino” (2004) e “Avenida Brasil” (2012). Mas o “rodoviarismo” ainda vinha sendo pouco explorado. — Não me recordo de uma novela que tenha abordado essas questões de uma garagem de ônibus, dessa dinâmica social tão interessante que obviamente representa a cidade do Rio e em grande parte a parcela mais significativa dela, os 80% da população que moram no subúrbio — diz o historiador. Nada de praia ou carnaval: Rio adapta campanha turística em busca de atrair visitantes chineses O especialista lembra que na história dos transportes coletivos do Rio, a Avenida Presidente Vargas, de 80 anos, teve e tem papel central por ter aberto as possibilidades de acesso via Centro a diversos bairros. — A via pretendia se conectar a essas regiões, à Zona Oeste, ao início da Zona Norte, pela Praça da Bandeira e, ao mesmo tempo, à obra de construção da Avenida Brasil, que é de 1946. A gradativa substituição do papel do trem e também do bonde criou, entre os anos 50 e 60, o sistema rodoviário e o transporte de ônibus como um elemento do cotidiano da maioria dos trabalhadores do Rio — explica Mattoso. O historiador acrescenta que, conforme os anos se passaram, as pessoas passaram a enxergar o ônibus não só como um meio de transporte: — Obviamente, a população usa parte de sua sociabilidade suburbana nesse dia a dia, fazendo desde festa de aniversário nos ônibus a outras confraternizações. Uma das figuras que comemorou o aniversário no “busão” tem nome, sobrenome e apelido. É o motorista Luiz Claudio Pereira Gonçalves, conhecido como Motorista Vibrando, de 46 anos. Feliz por ter a profissão retratada na TV, o condutor da Linha 265 (Terminal Gentileza x Marechal Hermes) lembra que também já teve seus minutos de fama. Ele viralizou no Tik Tok após mostrar sua festa de aniversário no coletivo, no fim de 2023. A comemoração teve balões pendurados no balaústre e até um bolo sobre o motor. — Conheço muitos passageiros pelo nome, levo cafezinho. Tem gente que já conta com isso de manhã — conta. — Virei motorista porque quando criança via minha mãe, que ficou com deficiência após ter um AVC, ser chamada de aleijada por motoristas. Mandavam ela pagar passag
Trama escrita por Claudia Souto vai abordar cotidiano de fiscais e motoristas de ônibus, além de histórias de superação A ideia é que o público suburbano, a partir de amanhã, sinta-se representado na tela. “Volta por cima”, nova novela das sete da TV Globo, vai mostrar o dia a dia de quem viaja de ônibus — e de quem conduz os coletivos. Parte da trama é ambientada numa garagem rodoviária e na Vila Cambucá, bairro fictício inspirado em lugares como Cascadura e Marechal Hermes, que guardam essa alma de um Rio trabalhador, diverso e com tradições únicas. Cenário perfeito, portanto, para histórias divertidas, comoventes e de superação, baseadas na rotina da maior parcela da população carioca. No topo: Rio supera Paris como uma das cidades mais filmadas no mundo; Marechal Hermes é 3º bairro preferido e já virou 'Marechalwood' Febre: Padarias artesanais se multiplicam na cidade e gourmetizam o pão de cada dia — Felizmente, os grandes veículos de comunicação têm percebido que a maioria do seu público reside nos subúrbios. Dos 156 bairros, temos 87 suburbanos na Zona Norte e 44 na Zona Oeste, enquanto há 17 na Zona Sul e mais 17 na Região Central. Há uma importância estratégica de pensar no cotidiano dessa população, em como ela vê e se identifica com os produtos — explica Rafael Mattoso, historiador e doutorando em História da Cidade e do Urbanismo da UFRJ. Na trama, assinada por Cláudia Souto, um dos principais personanges é Jão, vivido por Fabrício Boliveira e um dos representantes desses trabalhadores suburbanos. Ele entrou jovem na Viação Formosa, empresa fictícia, e conseguiu chegar ao posto de fiscal. Na etapa de preparação para o trabalho, ator foi orientado sobre as posturas e o ofício por Flávio Virgílio, funcionário da Novacap, empresa que tem linhas como a 607 (Cascadura x Rio Comprido) e 371 (Praça Seca x Praça da República). — No cargo de fiscal, é muito importante saber ouvir, entender que ali, além de um motorista, tem um pai de família que pode ou não estar num dia bom — diz o fiscal, que está na função há 22 anos. Luiz Claudio, Fabrício Boliveira e Virgílio posam num dos ônibus da Viação Formosa, empresa fictícia de 'Volta por cima' Ana Branco Do Rio para o Brasil Apesar de cenas e diálogos de personagens dentro de ônibus fazerem parte do imaginário comum do audiovisual, é a primeira vez que uma garagem de ônibus é praticamente um personagem da história numa novela brasileira. Claudia Souto explica que a ideia é possibilitar que outros brasileiros se identifiquem: — Mesmo criando uma trama que se passa no Rio, quis estabelecer uma ligação com todo o Brasil através de duas coisas comuns a todas as regiões do país: o subúrbio e o transporte coletivo, no caso a empresa de ônibus — diz a autora. Mattoso lembra de o subúrbio ter sido retratado em produções como “Senhora do Destino” (2004) e “Avenida Brasil” (2012). Mas o “rodoviarismo” ainda vinha sendo pouco explorado. — Não me recordo de uma novela que tenha abordado essas questões de uma garagem de ônibus, dessa dinâmica social tão interessante que obviamente representa a cidade do Rio e em grande parte a parcela mais significativa dela, os 80% da população que moram no subúrbio — diz o historiador. Nada de praia ou carnaval: Rio adapta campanha turística em busca de atrair visitantes chineses O especialista lembra que na história dos transportes coletivos do Rio, a Avenida Presidente Vargas, de 80 anos, teve e tem papel central por ter aberto as possibilidades de acesso via Centro a diversos bairros. — A via pretendia se conectar a essas regiões, à Zona Oeste, ao início da Zona Norte, pela Praça da Bandeira e, ao mesmo tempo, à obra de construção da Avenida Brasil, que é de 1946. A gradativa substituição do papel do trem e também do bonde criou, entre os anos 50 e 60, o sistema rodoviário e o transporte de ônibus como um elemento do cotidiano da maioria dos trabalhadores do Rio — explica Mattoso. O historiador acrescenta que, conforme os anos se passaram, as pessoas passaram a enxergar o ônibus não só como um meio de transporte: — Obviamente, a população usa parte de sua sociabilidade suburbana nesse dia a dia, fazendo desde festa de aniversário nos ônibus a outras confraternizações. Uma das figuras que comemorou o aniversário no “busão” tem nome, sobrenome e apelido. É o motorista Luiz Claudio Pereira Gonçalves, conhecido como Motorista Vibrando, de 46 anos. Feliz por ter a profissão retratada na TV, o condutor da Linha 265 (Terminal Gentileza x Marechal Hermes) lembra que também já teve seus minutos de fama. Ele viralizou no Tik Tok após mostrar sua festa de aniversário no coletivo, no fim de 2023. A comemoração teve balões pendurados no balaústre e até um bolo sobre o motor. — Conheço muitos passageiros pelo nome, levo cafezinho. Tem gente que já conta com isso de manhã — conta. — Virei motorista porque quando criança via minha mãe, que ficou com deficiência após ter um AVC, ser chamada de aleijada por motoristas. Mandavam ela pagar passagem e diziam um monte de coisas. Na época, não existia gratuidade. Pensei: quando crescer, vou ser motorista de ônibus e fazer diferente. E é o que eu tenho feito. Cidade 'caliente': Pesquisa diz que moradores do Rio estão entre maiores frequentadores de motéis do país; redes investem em luxo e criatividade ‘Espírito suburbano’ Na ficcção, Jão (Fabrício Boliveira) também é um cara amado por muitos. Com um de seus melhores amigos, Sidney (Adanilo) toca numa roda de samba quando não está trabalhando como fiscal rodoviário. Outro de seus exercícios de suburbanidade é fazer parte de um grupo de bate-bolas, tradicionais do carnaval de rua do Rio. Baiano, Fabrício buscou se inteirar sobre o assunto em grupos reais, entre eles As Brilhantes, de duas líderes mulheres. — Há todo um trabalho de organização e de gestão para a coisa acontecer: pagamento de carnê para a confecção das fantasias e tudo mais. Eu acho incrível a a gente dialogar com esse público que a gente representa e entender que eles também se veem ali. Além dos bate-bolas, a novela tem bastante samba, o espírito suburbano que traduz como as pessoas se relacionam, se cuidam e têm atenção com o outro. Isso é uma potência — diz Boliveira. Como de praxe numa obra dramatúrgica, não só as histórias felizes vão compor o enredo de “Volta por cima”. A história começa com um acidente de ônibus e, capítulos adiante, aborda transformações no meio rodoviário que causaram desemprego ou crises. O período em que muitos cobradores foram substituídos por máquinas será lembrado na trama de Sidney (Adanilo). Paulo Valente, diretor de comunicação da Rio Ônibus lembra como tudo aconteceu fora da ficção: — A função de cobrador de ônibus nas empresas do Rio começou a ser extinta com o advento da bilhetagem eletrônica, por volta de 2003, quando começaram a ser instalados os equipamentos. Em 2005, o vale transporte foi substituído pelo cartão eletrônico. Quando algumas linhas tiveram o pagamento em cartão ultrapassando os 75%, as empresas eliminaram o posto de cobrador. Na história, a solução encontrada pelo personagem foi buscar uma vaga como motorista, profissão que terá também uma abordagem sobre equidade de gênero. Juliana Alves interpreta Cida, uma mulher que assume o volante. Fora da ficção, a ocupação de cargos por mulheres ainda é incipiente. — Hoje, cerca de 3% das motoristas são mulheres. Esse número existe muito por conta da saída da função de cobradora para a de motorista. É um percentual baixo porque são funções que tem horários complicados: com entrada no serviço de madrugada ou saída tarde da noite — diz Paulo Valente. Assim como aconteceu com outros produtos em que o espectador se viu representado na TV, a expectativa é de que a nova novela mexa com os sentimentos do público. Rafael Mattoso opina que há a valorização cultural, mas também a de audiência: — Ainda mais num momento em que a TV está à prova, com novos streamings e possibilidades, a gente tem visto que essa linguagem que atinge o público e sua realidade tem repercutido mais. Talvez seja fruto desse fenômeno de reaproximação com o espectador. De qualquer forma, a gente não pode esquecer que dos subúrbios nascem partes significativas dos nossos patrimônios culturais imateriais.
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